Opinião: Oposição venezuelana só terá sucesso se conseguir manter os protestos nas ruas
O país precisa conseguir uma transição democrática, mas é improvável que tenha sucesso caso parem as manifestações em massa
A Venezuela está sofrendo de uma combinação de graves crises —política, econômica, social e humanitária— que requer uma atenção urgente caso queiram evitar uma implosão. No entanto, o presidente Nicolás Maduro e o chavista PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), após sua esmagadora derrota nas eleições parlamentares em dezembro passado, tiveram uma prioridade radicalmente diferente: a sobrevivência. A partir dessa data, seu principal objetivo tem sido evitar que a oposição preencha requisitos constitucionais para realizar um referendo que encerraria o mandato de Maduro em 2016.
A administração Maduro, com o apoio do Conselho Eleitoral Nacional e do Supremo Tribunal de Justiça, dois braços do governo sobre o qual ele possui controle absoluto, colocou uma série de obstáculos formais de legalidade duvidosa no caminho da oposição. Ela também aumentou a repressão contra a oposição, incluindo a prisão de vários líderes do Vontade Popular, partido de Leopoldo López, um prisioneiro político desde fevereiro de 2014. A estratégia do governo, focada na sobrevivência, levou a uma paralisação funcional de instituições estatais, mas até agora teve sucesso em evitar o referendo revogatório.
Em agosto passado, a oposição venezuelana, unida em uma organização política criada para esse fim específico, conhecida como Mesa da Unidade Democrática (MUD), começou a organizar manifestações em massa para exigir que o conselho eleitoral estabeleça um cronograma para o referendo. A primeira manifestação no dia 1º de setembro foi um imenso sucesso por três motivos. Primeiro, ela foi enorme, apesar das tentativas do governo de obstrui-la. Segundo, foi pacífica. Terceiro, mais uma vez ela despertou a preocupação de uma derrota para Maduro e seus aliados, assim como as eleições parlamentares em dezembro.
Apesar desse sucesso, os líderes do MUD precisam ser hábeis e cuidadosos em seus próximos passos. Além de combater e derrotar Maduro através de meios democráticos, eles precisarão manter sua própria ala mais radical sob controle. Na verdade, o MUD teve a difícil tarefa de tentar derrotar o governo de Maduro democraticamente enquanto lidava com brigas internas entre seus próprios membros radicais, especialmente aqueles que nunca entenderam a importância social do movimento chavista, a complexidade da situação venezuelana ou a necessidade de se reparar os danos sem transformar a Venezuela em mais uma Síria.
O referendo é o único caminho que atende os requisitos de ser eleitoral, democrático, pacífico e constitucional. É o mais longo e o mais inconveniente, mas o único outro caminho é esperar pelas eleições presidenciais de 2018.
E por que não esperar? Há diversas razões para acelerar o processo. Juntamente com um grave confronto político entre o governo e a oposição, que entrava qualquer processo de tomada decisão coletiva, a Venezuela está passando por uma emergência social e econômica que alcança o nível de uma crise humanitária. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Luís Almagro, diagnosticou a magnitude do problema e o expôs para a atenção da comunidade internacional.
Seu relatório sobre a situação na Venezuela fornece uma descrição detalhada das dificuldades diárias enfrentadas por seus cidadãos. Usando as estimativas do Fundo Monetário Internacional, Almagro alerta que até o final de 2016 a Venezuela terá uma queda de mais 8% em seu PIB; uma inflação acima de 700%; um déficit fiscal de 17% do PIB; e uma dívida externa acumulada de US$ 130 bilhões, que terá um grande peso sobre suas finanças. O impacto desses números sobre a Venezuela é devastador: fome, escassez e deterioração do sistema de saúde. Fica fácil entender por que Maduro terá de sair o quanto antes.
No entanto, não existem atalhos, e seria arriscado tentá-los. A única opção é forçar o governo a tomar uma atitude através de meios democráticos, como mobilizações em massa. Novas ações anunciadas pelo MUD ecoam isso e apoiam o objetivo de forçar o governo a estabelecer um cronograma que garanta que o referendo revogatório ocorrerá ainda este ano.
O tempo é crucial para a oposição. A legislação requer que o referendo ocorra em 2016, antes que a primeira metade do mandato de seis anos de Maduro tenha passado em 10 de janeiro de 2017. De acordo com a lei, se ele for derrotado após essa data, novas eleições não podem ser realizadas. Em vez disso, o vice-presidente, nomeado por Maduro, concluiria o mandato, que vai até janeiro de 2019. Se isso acontecer, muitos venezuelanos temem que nada vá mudar, e que as condições atuais só piorem, ainda que seja difícil de acreditar nisso.
Maduro, seu partido e altos funcionários não se renderão sem um plano de fuga. Muitos deles também são militares ativos, e alguns deles são suspeitos de serem responsáveis por crimes como tráfico de drogas, roubo de verba pública e abusos contra direitos humanos. Eles deveriam responder na Justiça, mas até que isso aconteça, eles serão um grande obstáculo para uma revogação pacífica.
Eles não são o único obstáculo. Embora a estratégia de mobilização da oposição, como sugerido na manifestação de 1º de setembro, tenha o potencial de atingir o objetivo de forçar o referendo revogatório este ano, nenhuma outra ação significativa ocorreu desde então. No dia 7 de setembro, houve manifestações organizadas pelo MUD em todas as capitais, mas pouca gente compareceu. Algumas vozes dissidentes na oposição alegam que a liderança do MUD não está realmente engajada em exercer uma pressão popular em massa sobre Maduro, e sugerem que eles estão fazendo um acordo com o governo.
Certamente há algumas indicações de que há conversas ocorrendo entre os dois partidos, com a mediação do ex-primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero. Não há nada de errado nisso. A Venezuela precisa de uma negociação política para conseguir uma transição democrática, mas para o MUD, há pouca probabilidade de sucesso caso parem as manifestações em massa.
Francisco Suniaga é um escritor venezuelano.
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