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Doentes e sem apoio, sobreviventes do Holocausto cobram Alemanha por maior auxílio financeiro

Akos Stiller/The New York Times
Imagem: Akos Stiller/The New York Times

Melissa Eddy

Em Budapeste (Hungria)

25/09/2016 06h00

Agnes Galgoczi, 84, não mais consegue ir ao banheiro sozinha. Ela fica sentada na cozinha de seu apartamento em Budapeste, a apenas um metro de sua cama, onde canta para si mesma para combater a solidão. A várias quadras de distância, Vera Varga, 78, coloca filmes com décadas de idade em seu aparelho de videocassete. As imagens a fazem recordar do mundo lá fora.

Elas são duas dos estimados meio milhão de sobreviventes do Holocausto remanescentes em todo o mundo, um grupo cujas necessidades estão crescendo em complexidade e custo à medida que envelhecem, enquanto os fundos provenientes de uma série de fontes destinados a eles ao longo das últimas duas décadas estão começando a secar.

Ambas as mulheres são viúvas que dependem de ajuda para fazer compras, cozinhar e limpeza. Nenhuma pode sair de seus apartamentos de um cômodo sem assistência. Galgoczi deveria contar com cuidados em tempo integral, mas mesmo se a Hungria tivesse asilos adequados, nem ela e nem Varga se mudariam. Os nazistas as forçaram a deixar seus lares no passado, as levando para o gueto de Budapeste, destruindo suas famílias e semeando medo e desconfiança, que ressurgiram no fim da vida das mulheres.

Os problemas singulares que são o legado do sofrimento na juventude, como o medo intenso de serem internadas, assim como o aumento do antissemitismo na Europa Oriental e a falta de uma família, com frequência fazem com que o atendimento por enfermeiros e assistentes sociais em domicílio seja a única forma de cuidar delas.

Vera Varga, sobrevivente do Holocausto que vive na Hungria - Akos Stiller/The New York Times - Akos Stiller/The New York Times
Vera Varga, sobrevivente do Holocausto que vive na Hungria
Imagem: Akos Stiller/The New York Times

Mas o atendimento em domicílio é caro e, em alguns lugares, os sobreviventes são deixados sozinhos ou em condições inadequadas.

"Não importa o quanto você doe, as necessidades deles serão sempre maiores", disse Taly Shaul, diretora da Fundação de Apoio Social aos Judeus Húngaros, que atende cerca da metade dos 10 mil sobreviventes do holocausto remanescentes no país.

Dezenas de voluntários checam os sobreviventes e lhes levam caixas com alimentos básicos. Assistentes sociais e enfermeiros limpam suas casas, dão seus medicamentos e, em alguns casos, se tornam como família.

O custo crescente de fornecer atendimento de saúde e serviços sociais para os sobreviventes na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes aumentou em particular a pressão sobre a Alemanha para que aumente a ajuda.

"Este é o capítulo final", disse Greg Schneider, vice-presidente executivo da Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas Contra a Alemanha, que distribui fundos para 240 organizações que atendem os sobreviventes em todo o mundo. "Ao longo dos próximos cinco anos, uma quantia adicional é necessária para que os sobreviventes remanescentes possam viver com dignidade."

Nas últimas décadas, a Conferência sobre Reivindicações contou com apoio financeiro de uma série de fontes. Os pagamentos vieram de um fundo de indenização de US$ 1,25 bilhão de contas não reclamadas em bancos suíços de propriedade dos assassinados, um fundo de US$ 5 bilhões para indenização do trabalho escravo e outros acordos negociados no início dos anos 90, após a queda dos governos comunistas da Europa.

Mas à medida que esses fundos são gastos, o fardo está recaindo sobre a Alemanha. Por oito meses, a Conferência sobre Reivindicações pressionou os negociadores do Ministério das Finanças alemão com números e detalhes, para demonstrar o aumento das necessidades do número cada vez menor de sobreviventes.

Um quinto dos sobreviventes em todo o mundo vive nos Estados Unidos, de modo que pressão adicional veio por parte do Congresso. Na semana passada, ele aprovou uma resolução pedindo à Alemanha que "reafirme seu compromisso de tratar de forma abrangente as necessidades singulares de saúde e bem-estar das vítimas do Holocausto vulneráveis".

Agnes Galgoczi dá entrevista em sua casa em Budapeste - Akos Stiller/The New York Times - Akos Stiller/The New York Times
Agnes Galgoczi dá entrevista em sua casa em Budapeste
Imagem: Akos Stiller/The New York Times

Um acordo entre o governo alemão e a Conferência sobre Reivindicações, acertado em julho, resultou em aumento de fundos para o atendimento dos sobreviventes do Holocausto em domicílio ao longo dos próximos três anos. O fundo aumentará de US$ 314 milhões neste ano para US$ 390 milhões em 2018.

"Isso injeta uma quantia adicional significativa de dinheiro ao orçamento e terá um impacto significativo em campo", disse Schneider.

Para Galgoczi, que depende de cuidadores para lhe trazer o café da manhã e ajudá-la a se lavar, trocar o tanque de oxigênio para que possa respirar e ministrar ao longo do dia os medicamentos prescritos presentes em um cesto ao lado de sua cama, o aumento dos recursos poderá significar ajuda extra à noite.

"Dependo completamente deles para tudo", disse Galgoczi, cujo apartamento escuro dela contém uma cama, uma poltrona e alguns poucos livros queridos que ela não mais consegue ler. Ela trata sua enfermeira regular como filha.

Sob o novo acordo, os tetos existentes de horas de atendimento a cada sobrevivente individual acabarão para pessoas que, como Galgoczi, sobreviveram ao gueto, ao campo de concentração ou a uma vida em esconderijo sob os nazistas.

Às vezes, o maior desafio é persuadir os sobreviventes a reconhecerem que precisam de assistência. Gyorgy Rozsa, 77, outro sobrevivente do gueto de Budapeste, permanece em uma cama de metal no canto do apartamento de um cômodo onde sua mulher viveu desde que era bebê. O forte cheiro de urina do cateter pendurado ao lado da cama toma o quarto sujo, cheio de garrafas de refrigerante vazias, roupa suja e uma cadeira de rodas.

Confinado à cama ao longo da última década, apenas recentemente ele começou a aceitar ajuda externa, primeiro na forma de pacotes de alimentos não perecíveis e, mais recentemente, na forma de cuidadores que limpam ao redor de sua cama com desinfetante e ajudam a levantá-lo.

Em uma expressão do trauma compartilhado por muitos sobreviventes, "ele não suporta luz e ninguém fazendo limpeza", disse Shaul, da fundação de apoio judaica. O medo de mudança ou perda do lar significa que internar os sobreviventes em um asilo não é uma opção. Os antigos países comunistas do Leste e Centro da Europa também carecem de asilos comparáveis aos dos Estados Unidos, Austrália e Israel, o que torna o atendimento em domicílio ainda mais importante.

A recente mudança política para a direita por grande parte do Leste Europeu também exacerbou a animosidade entre vizinhos, como a família que vive no apartamento ao lado do de Varga, que passou a atirar pedras na janela dela depois que percebeu que ela recebia serviços especiais por ser judia. Sob o primeiro-ministro Viktor Orban, a Hungria se tornou mais tolerante com o antissemitismo e Shaul disse que a fundação tem registrado um aumento de episódios tendo os sobreviventes como alvo por todo o país.

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Reuters