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A que baixo nível Trump e Hillary poderão chegar?

Donald Trump e Hillary Clinton se cumprimentam no segundo debate presidencial - Lucy Nicholson/Reuters
Donald Trump e Hillary Clinton se cumprimentam no segundo debate presidencial Imagem: Lucy Nicholson/Reuters

Patrick Healy e Farah Stockman*

17/10/2016 12h33

Nas aulas de educação cívica nos colégios secundários, os trabalhos habituais sobre os partidos políticos e o Colégio Eleitoral deram lugar a discussões angustiadas sobre assédio e violência sexual.

Nas sessões de terapia, pacientes relatam sentimentos traumáticos revividos pelos comentários explícitos de Donald Trump sobre as mulheres e suas bravatas sobre assediá-las e ficar impune.

E antes e depois de serviços religiosos, o mau cheiro da decadência moral instiga conversas sobre o comportamento do ex-presidente Bill Clinton com uma estagiária da Casa Branca nos anos 1990, e se sua conduta não teria sido pior que a de Trump.

"Abuso sexual é algo que a maioria dos paroquianos não imaginou que teria de avaliar nesta campanha", disse o reverendo Stephen Koeth, um padre católico que oficia na Igreja da Santíssima Trindade, na zona oeste de Manhattan. "É um momento doloroso em nossa cultura."

Para eleitores de todas as tendências, a corrida presidencial já estava feia, exaustiva e dominada por dois candidatos que muitos consideravam deploráveis. No entanto, de certa forma, ela conseguiu escorregar para algo pior nos últimos dias: uma zona obscura da política onde a vulgaridade sexual e as acusações de agressão tornaram-se problemas desgastantes de campanha.

Para muitos democratas, o desespero está no fato de que o próximo presidente poderá ser, em suas mentes, um predador sexual. Entre vários republicanos, há uma rejeição generalizada de que a possível próxima presidente seja casada com um homem que, no entender deles, foi um adúltero em série.

Esses sentimentos negativos estão se intensificando, a julgar pelas multidões cada vez mais iradas nos comícios de Trump e pelo apoio entusiástico dado a Hillary Clinton pela primeira-dama Michelle Obama e outras pessoas. Hoje, parece garantido que o resultado da eleição será sentido como uma violação do corpo político por uma metade do país ou pela outra.

"Eu estava preparado para achar repulsivos os comentários de Trump sobre as mulheres, mas não para achar os comentários tão cortantes", disse Larry Iannotti, um psicoterapeuta de Nova York, acrescentando que as bravatas de Trump haviam abalado várias de suas clientes vítimas de abuso. "A eleição, de repente, está causando um sofrimento real que as pessoas não esperavam."

Foi profundamente pessoal para Nicole Smith, 22, moradora de Phoenix, que foi candidata a Miss Arizona. Ela disse que ficou irritada porque seu pai e outros iam votar em Trump, apesar de saberem que ela mesma é com frequência bolinada e assediada. Smith contou que sempre leva consigo uma pistola elétrica Taser, porque não se sente segura na maioria dos lugares.

"Vocês falam em me proteger", ela lembrou-se de ter dito a seus parentes homens que apoiam Trump. "Mas a verdade é que vão votar em alguém desse tipo. Então, como podem me proteger, se vão eleger alguém de quem querem me proteger?"

Em entrevistas na semana passada com dezenas de eleitores de todo o país, muitos afirmaram, rapidamente, mesmo sem ser solicitados, que Clinton ou Trump eram os piores infratores em questões de comportamento inadequado em relação às mulheres. Não apenas o sexo havia tomado o controle da discussão política, como a própria conduta sexual havia se politizado, com eleitores discutindo sobre que tipo de comportamento perturbador era pior, com suas respostas muitas vezes refletindo o candidato que apoiam.

Para alguns eleitores, os duros comentários de Hillary Clinton sobre algumas mulheres que tiveram envolvimento sexual com seu marido e a ideia de ter Bill novamente na Casa Branca são detestáveis. Trump estimulou esse desconforto na semana passada, ao aparecer em público com várias mulheres que acusaram o ex-presidente de má conduta e levá-las ao segundo debate presidencial.

Darwin Rieck, um agricultor que apoia Trump em Luzeme, Estado de Iowa, disse que ficou decepcionado pelo fato de o comportamento sexual se tornar uma dimensão da disputa e acusou a campanha de Hillary e a mídia de exagerar a questão para prejudicar Trump.

"Agora, todos estão falando sobre os encontros sexuais que ele supostamente teve!", disse Rieck. "Como os Clinton podem falar sobre isso depois do que Bill fez quando estava no cargo? Eles não têm espaço para falar sobre nada!"

Mas outros ficaram decepcionados com as comparações entre os Clinton e Trump. Hillary não fez comentários sexuais obscenos ou foi acusada de prejudicar alguém fisicamente, como fez Trump, e a campanha de Trump tem sido muito mais agressiva ao atirar lama.

"Ela não tem nada a ver com a infidelidade dele", disse Salici Robinson, uma vendedora de White Plains, Estado de Nova York, referindo-se a Bill Clinton. "Ele não é candidato a presidente."

Jessica Leeds diz ter sido assediada por Donald Trump durante um voo para Nova York na década de 1980 - George Etheredge/The New York Times - George Etheredge/The New York Times
Jessica Leeds diz ter sido assediada por Donald Trump durante um voo para Nova York na década de 1980
Imagem: George Etheredge/The New York Times
Desde o debate, quando Trump negou redondamente que tivesse feito qualquer proposta indesejada a mulheres, pelo menos nove se apresentaram para acusá-lo de apalpá-las ou beijá-las à força. O destaque dado a essas denúncias foi profundamente preocupante para os pais, que descrevem a luta para impedir que seus filhos menores escutem os detalhes sórdidos.

Mas o enfoque na agressão sexual também teve outros efeitos secundários: o número de ligações para o telefone da Rede Nacional contra Estupro, Abuso e Incesto aumentou de cerca de 600 para aproximadamente 800 por dia, segundo Scott Berkowitz, presidente e fundador do grupo.

"Sempre que há uma reportagem de grande destaque na mídia, descobrimos que muita gente que sofreu isso há meses ou mesmo anos, mas nunca falou a respeito, é instigada a buscar ajuda pela primeira vez", disse ele.

"Esse tema está sendo discutido em todos os locais de trabalho e todas as mesas de jantar", continuou Berkowitz. "Fica mais difícil para eles escaparem e há maior probabilidade de que falem com alguém que compreende."

As denúncias contra Trump se seguiram a uma campanha da Casa Branca para pôr fim à "cultura do estupro" nas universidades e abordar o que muitos estudantes e liberais consideram uma atitude permissiva em relação à agressão sexual. Algumas alunas de faculdade disseram estar surpresas de que Trump ainda tenha um apoio relativamente forte, apesar de seus comentários sobre as mulheres e as denúncias contra ele, mas acrescentaram que muitos eleitores já decidiram seu voto e é improvável que mudem para Hillary só pela questão da má conduta sexual.

"A ideia de que um candidato com apoio de um grande partido tenha alegações dessa natureza em sua vida é indigna", disse Alex Abbott, 20, aluno do último ano no Hampden-Sydney College, um campus exclusivamente masculino na Virgínia. Mas, acrescentou, as reações ao comportamento de Trump que Abbott ouviu de homens "ou são 'Eu jamais faria algo parecido' ou 'Todo homem faz isso, não é nada fora do comum'".

Enquanto as pesquisas mostram que os eleitores estão preocupados principalmente com a economia e o terrorismo, o ruído da atenção negativa sobre o comportamento sexual de Trump o está prejudicando entre as eleitoras mulheres e os independentes, segundo pesquisas republicanas. Mas o apoio a Hillary não aumentou de forma notável, sinal de que muitos republicanos ainda não consideram Trump moralmente inaceitável --pelo menos em comparação com os Clinton.

"É o que eu chamei de partidarismo negativo", escreveu em um e-mail Alan Abramowitz, professor de ciência política na Universidade Emory, em Atlanta (Geórgia).

"Nós votamos mais contra o outro partido/candidato do que a favor do nosso partido/candidato, e isso vale, especialmente neste ano, para os republicanos."

A má vontade em relação a Trump é igualmente forte entre democratas como Jon Robin Baitz, um aclamado dramaturgo de Nova York cuja última obra, "Vicuña", explora a relação entre um alfaiate e um candidato barulhento do tipo Trump e estará em cartaz neste outono no Teatro Douglas, em Los Angeles.

"Estou de coração partido", disse Baitz. "Para mim, existe uma espécie de decência básica americana, que se perdeu nesse discurso raso e lascivo."

Para Richard Rapp, professor de estudos sociais em Nova York, a civilidade na política não é uma causa perdida. Na sexta-feira (14) de manhã, na Escola Superior de Estudos Ambientais, ele levou os alunos do último ano em sua aula de governo a um debate animado sobre Trump e Hillary Clinton, e, delicadamente, os conduziu a enfocar mais as posições políticas que a batalha de lama. Vários alunos ficaram atônitos de que Trump ainda tivesse alguma chance.

"Se você é candidato a presidente, não é desqualificador falar desrespeitosamente sobre as mulheres?", perguntou Genesis Luna, uma jovem de 16 anos do Bronx.

"Não é desqualificador fazer coisas desrespeitosas às mulheres?"

"O que você acha?", disse Rapp.

"Acho que deveria ser", respondeu Luna. "Mas ouvi falar que Bill Clinton maltratava as amantes. Quem é pior, Bill Clinton ou Trump?"

Outros estudantes entraram na discussão, enquanto Rapp reservava suas opiniões. Mas, mais tarde, ele disse que, ao escutar a gravação de Trump gabando-se de suas façanhas sexuais, lembrou-se das audiências no Senado sobre o escândalo Watergate em 1973, quando estava na faculdade. Uma vitória de Trump em novembro, disse ele, seria equivalente a Richard Nixon continuar na Casa Branca apesar de Watergate.

"Eu tenho a mesma sensação hoje que tive então: 'Foi a isso que chegou o nosso governo?'", disse. "Se Trump ganhar, com todas essas acusações sexuais, o que isso revela sobre nosso país?"

*Colaboraram na reportagem: Christina Capecchi, de Minneapolis; Trip Gabriel, de White Plains, NY; John Surico, de Nova York; e Rebekah Zemansky, de Phoenix.

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