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Hillary Clinton e Donald Trump evitam falar de mudanças climáticas

Mulher com camiseta oficial do primeiro debate presidencial posa diante da imagem de Hillary Clinton e Donald Trump, em Nova York - Jewel Sawad/ AFP
Mulher com camiseta oficial do primeiro debate presidencial posa diante da imagem de Hillary Clinton e Donald Trump, em Nova York Imagem: Jewel Sawad/ AFP

John Schwartz e Tatiana Schlossberg

23/10/2016 06h00

O terceiro debate presidencial, que ocorreu no dia 19, pode ter parecido uma reprise. Chris Wallace, moderador e âncora da Fox News, escolheu temas que já apareceram nos debates anteriores, entre eles a dívida, a imigração, os negócios estrangeiros, a economia e o Supremo Tribunal Federal.

Fica fácil perceber que o que está faltando é qualquer menção às mudanças climáticas, assunto que também foi quase ignorado nos debates anteriores.

O destino do planeta surgiu apenas em uma pergunta feita por um membro da audiência no segundo debate, Ken Bone, que recebeu mais atenção por seu suéter vermelho do que pelo fato de trabalhar para uma usina a carvão.

Michael D. McCurry, presidente da Comissão de Debates Presidenciais, disse que o moderador e os candidatos, e não a Comissão, definem as perguntas. Irena Briganti, porta-voz da Fox News, devolveu as perguntas para a comissão. Nenhuma das equipes das campanhas presidenciais respondeu aos pedidos de comentário.

Essa falta de atenção pode levar alguns a concluir que os americanos não se preocupam com as mudanças climáticas, mas as pesquisas contam outra história. A maioria dos americanos diz que está interessada nas mudanças climáticas, mas simplesmente não ouve muito sobre o assunto.

De certa forma, no entanto, este ciclo de eleições presidenciais trouxe o tema das mudanças climáticas mais para o centro das discussões do que qualquer eleição anterior, e as duas campanhas não poderiam ter respondido de maneira mais contrastante.

Hillary Clinton publicou em seu site um plano detalhado para lidar com as questões climáticas e de energia, e o tema ganhou destaque na Convenção Nacional Democrática, que incluiu um curta do diretor James Cameron. Na semana passada, o ex-vice-presidente e defensor da causa Al Gore se juntou a Hillary Clinton em um comício em Miami, onde falaram do aquecimento do planeta e seu possível efeito sobre tempestades como o furacão Matthew, que tinha acabado de passar pela costa da Flórida em seu caminho para causar inundações devastadoras na Carolina do Norte. "Eu mal posso esperar para ter Al Gore aconselhando-me quando for presidente", disse Hillary à multidão que aplaudia.

Mas algumas de suas posições, especialmente sua aceitação do gás natural como um combustível que pode ser a "ponte" entre usinas de queima de carvão e as fontes de energia renovável, são preocupantes para integrantes do movimento ambiental. Muitos ambientalistas mais radicais argumentam que toda a extração e a utilização de combustíveis fósseis devem parar imediatamente, um contingente que gostaria de banir o fracking, e cuja filosofia está expressa na hashtag #KeepItInTheGround do Twitter.

Donald Trump, indo mais longe do que qualquer candidato presidencial anterior, disse que a mudança climática é uma farsa. Ele se comprometeu a anular as iniciativas climáticas do governo Obama, incluindo o acordo de Paris sobre o clima e o Plano Energia Limpa do governo, que determina que as usinas limpem suas emissões. Trump também prometeu expandir a exploração de combustíveis fósseis.

No entanto, o tema ainda parece estranhamente distante e não apenas porque escândalos e calúnias se sobrepuseram a tantas outras questões. Apesar da paixão de ativistas e da inegável importância do problema -- o presidente Barack Obama disse que "nenhum desafio representa uma ameaça maior para as futuras gerações do que as mudanças climáticas" --, não há qualquer fervor público mais amplo sobre o tema.

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De acordo com uma pesquisa do Programa de Yale sobre a Comunicação do Clima, 61 por cento dos americanos dizem que as mudanças climáticas são pelo menos um pouco importante para eles pessoalmente. No entanto, o estudo de Yale também constatou que mais da metade das pessoas que afirmam que estão interessadas no aquecimento global ou acham que ele é importante "raramente" ou "nunca" falam sobre o assunto com a família e os amigos.

Em outro estudo, o grupo de Yale descobriu que apenas um terço dos americanos disse que proteger o meio ambiente e desenvolver energia limpa é muito ou extremamente importante para a definição de seu voto.

Entre os eleitores registrados, a filiação partidária parece determinar o quanto eles se preocupam com as mudanças climáticas. De acordo com um relatório do Centro de Pesquisa Pew, 56 por cento dos eleitores registrados que apoiam Hillary Clinton afirmam que se preocupam muito com as mudanças climáticas. Entre aqueles que pretendem votar em Trump, apenas 15 por cento dizem o mesmo.

Anthony Leiserowitz, pesquisador da Escola Yale de Ciências Florestais e Ambientais e diretor do programa de comunicação sobre mudanças climáticas da escola, referiu-se à falta de atenção para a questão como um exemplo de "espiral do silêncio", um termo emprestado da cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neuman.

"“Quando ninguém fala sobre o assunto, o sinal claro é que isso não é muito importante. Em última análise, tudo se resume a um dos recursos mais preciosos do planeta: a atenção humana", disse Leiserowitz.

Ele também disse que, quando figuras públicas, como Obama, o papa Francisco e Leonardo DiCaprio falam sobre mudanças climáticas, isso pode influenciar o quanto o público diz que se preocupa com o assunto, a frequência com que pesquisam o tema no Google ou publicam sobre ele nas redes sociais.

O foco de Obama sobre a questão, segundo Leiserowitz, é "parte da razão pela qual o aquecimento global está em sexto na lista de prioridades entre os democratas liberais, sendo que não estava lá antes".

Esse problema pode ser ilustrado através das atividades online da campanha de Hillary Clinton, que já publicou 654 mensagens no Facebook desde primeiro de agosto. Apenas cinco delas foram voltadas para as mudanças climáticas e não geraram muito envolvimento dos usuários. De acordo com uma análise do New York Times, apenas uma das 100 mensagens mais curtidas, compartilhadas e comentadas menciona alterações climáticas: a que possui um link para o vídeo de Hillary com Gore.

Jeff Nesbit, que trabalhou na Casa Branca em 1991 e 1992 com o presidente George H. W. Bush e agora está na organização de comunicação sobre o clima Nexus, disse que os moderadores do debate podem estar relutantes em falar sobre as mudanças climáticas. Ele explicou que isso talvez aconteça, em parte, porque as posições dos candidatos são bastante conhecidas, mas também porque muitos americanos compreendem que as mudanças climáticas são reais, por isso "soa como se os moderadores estivessem tomando o partido dos Democratas simplesmente por fazer a pergunta, porque há um grande desequilíbrio no mundo político sobre a questão".

Sam Adams, diretor da iniciativa climática dos EUA para o World Resources Institute, observou que, embora a questão seja um marco forte na plataforma de Hillary Clinton, o tema ainda representa um perigo político. A ala liberal do seu partido acha a atitude de Hillary para acabar com a dependência de combustíveis fósseis muito gradual, e os democratas mais conservadores argumentam que uma mudança rápida na direção das energias renováveis irá prejudicar os trabalhadores do carvão e do petróleo.

"É um assunto muito arriscado para Hillary usar na campanha, tanto por causa da direita quanto da esquerda", afirma ele.

E, às vezes, a questão simplesmente se perde.

Lester Holt, o âncora da NBC que moderou o primeiro debate, planejava fazer perguntas sobre as alterações climáticas, de acordo com Mark Kornblau, vice-presidente de comunicações da NBC News e da MSNBC. Ele derrubou as questões, segundo Kornblau, porque "a primeira parte do debate demorou mais do que queríamos, pois houve mais interrupções e monólogos do que esperávamos".

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