Filhote de porca vira xodó em abrigo de Porto Alegre: 'Trato como filha'
A presença de um filhote de porco chama a atenção em um abrigo em Porto Alegre, onde estão atingidos pelas enchentes. O animal fica em uma gaiola de metal, ao lado dos colchões de um ginásio no bairro Menino Deus. E recebe até mamadeira.
O que aconteceu
Chamada de Rose, a porquinha foi presente de aniversário. O animal foi dado à filha de 3 anos da recicladora Andressa Moraes Ramos, 25. A garota fez aniversário pouco antes do início da enchente, há 12 dias.
A porquinha foi a única sobrevivente de uma ninhada de dez porcos. Os demais estavam em outra residência e morreram afogados, conta Andressa. A porca mãe também foi resgatada.
"Trato ela como se fosse minha filha", diz recicladora. No ginásio, a porquinha fica na gaiola metálica sob os cuidados atentos de Andressa. "Ela é muito bebê, toma na mamadeira, então tem que ter um cuidado especial com ela. Ela acorda todo dia às 3h da manhã para mamar", conta.
Andressa é parada por outras pessoas que querem fazer um carinho no animal. "Ela não é braba?", pergunta um voluntário. "Não, é bem mansa", responde a tutora, que teve a fala seguida de um "roin roin" da porquinha.
"É meio difícil, tem uns que gostam, outros que não gostam", relata a recicladora. "Mas é o que eu digo, se eu vim para cá com ela, vou voltar com ela, não tem ninguém que vai chegar aqui e dizer: 'Eu quero te comprar, eu quero levar'."
Família ficou em barraca antes de ir a abrigo. Andressa e os filhos moram na Ilha Grande dos Marinheiros e, quando a água subiu, a mãe pegou os filhos e a porquinha e foi para as margens da rodovia. "Fizemos uma barraca e ficamos ali."
Cães ficam do lado de fora no abrigo. O espaço abriga 19 cachorros, quatro gatos, um porquinho da Índia e um filhote de porco. Os cães ficam amarrados em árvores ou na área coberta externa ao ginásio do Centro Estadual de Treinamento Esportivo. Já os outros animais ficam com seus donos no espaço onde as pessoas dormem.
Estrutura de minicidade
Capital gaúcha tem 140 abrigos espalhados pela cidade. Ao todo, 13.144 pessoas estão nesses lugares, segundo dados da prefeitura. No Cete havia ontem 206 pessoas.
Acesso restrito. Entrar no Cete envolve autorização prévia, não é só chegar e ir até os desabrigados. O local é todo cercado com uma entrada principal. A imprensa não pode acessar a área do ginásio onde ficam os colchões e, consequentemente, a maior parte das pessoas. "É para dar um pouco de privacidade", diz uma assessora da prefeitura.
Pavilhões já receberam mais de 600 pessoas. Porém, a maior parte delas foi remanejada para outros locais.
Abrigo oferece atividades recreativas. No espaço é possível jogar futebol, ver filmes — projetados em uma parede — e, a partir de hoje, serão oferecidas oficinas de lutas, como jiu-jitsu, segundo a Secretaria do Esporte e Lazer.
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Quero receberEspaço também recebe doações. Por conta da localização, em uma área central da cidade, o Cete se tornou um grande centro de recolhimento e de distribuição de doações. Dali, os mantimentos abastecem os desabrigados que estão no local e ainda de outros pontos da cidade. Em um prédio são armazenadas roupas; em outro, itens de higiene pessoal; e num terceiro, alimentos — com exceção de marmitas.
Banho às 5h. A recicladora Cinara da Luz Salles, 43, explica que a água para banho é racionada e, por conta disso, ela acorda de madrugada para se lavar. "É um costume já meu acordar cedo, os outros só levantam na hora do café."
"Tortura psicológica jamais vista", diz Cinara. Cinara já está há sete dias no Cete e diz que não aguenta mais. "É complicado tu morar longe da tua casa e ficar pensando no que tu vai encontrar quando voltar lá. Aqui é bem complicado conviver com um monte de gente, cada um tem suas manias. Mas o tratamento daqui está sendo muito bom, mas nada como tu ter a tua casa e a gente vai ter que retornar e reconstruir do zero porque eu perdi casa e emprego. Eu perdi uma vida, mesmo sendo pouco a gente vivia bem."
Genro e compadre dela resgataram 20 pessoas em colchão inflável. Maick Soares Moreira, 26, e Michel Chamberlain Ponciano, 36, permaneceram na área alagada, na zona norte de Porto Alegre. E passaram a utilizar o colchão, guardado no fundo de um roupeiro, quando a água já estava no peito.
Idoso foi resgatado quando água já atingia cama em que estava. Erandir Teixeira Martins, 84, mora no bairro Menino Deus e, no meio da enchente, tentou se abrigar em cima de sua cama. Mas a água avançou rápido. "Quando a luz caiu eu pensei: e agora?". Logo após, ele acabou resgatado.
"Por mim ficava um mês aqui no abrigo", diz o idoso. Ele relata que as condições do local são melhores do que encontra em casa, com refeições regulares e até fornecimento de remédios — como para a pressão, que ele precisa tomar.
Erandir afirma que a água vai demorar mais uma semana para baixar na sua casa. "Tenho uma cirurgia de catarata até 19 de junho. Acho que até lá já vai estar tudo normalizado", disse o idoso, enquanto tomava um café e comia dois sanduíches em um degrau ao lado do ginásio.
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