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Pizzas, passeios de pônei e shows de golfinhos: bálsamos para a elite norte-coreana

Norte-coreanos se refrescam em piscina no parque aquático de Munsu, em Pyongyang - KNCA/Reuters
Norte-coreanos se refrescam em piscina no parque aquático de Munsu, em Pyongyang Imagem: KNCA/Reuters

Laya Maheshwari

Em Pyongyang*

31/10/2016 06h01

Prédios de apartamentos elevados margeiam a reluzente avenida de seis faixas conhecida como rua Futuros Cientistas, com suas fachadas ousadamente coloridas se destacando dos tons monótonos que dominam o restante da silhueta de Pyongyang.

No nível da rua, há lojas de eletrônicos, um cinema e uma nova pizzaria, onde os visitantes são recebidos por garçonetes jovens em uniformes vermelhos.

Uma pizza custa cerca de US$ 8 (cerca de R$ 25) e um prato de entrada de massa menos da metade disso. Há um aquário chamativo perto da entrada, mas sem vida, assim como o restaurante, que estava estranhamente silencioso na noite em que visitei.

O restaurante é o Italy Pizza, saudado pelos guias locais como novo endereço badalado em Pyongyang, a capital da Coreia do Norte. Ele atende ao gosto cosmopolita da elite da cidade, além de provar aos visitantes estrangeiros que tudo está bem no país, apesar das punitivas sanções econômicas, isolamento internacional e relatos intermitentes de privação e fome.

Não há dúvida de que a Coreia do Norte é atormentada pela pobreza. Sua economia mal funciona e o produto interno bruto per capita é estimado em apenas US$ 1.800 (cerca de R$ 5.590) por ano. Mas para os poucos privilegiados nesta cidade de 3 milhões de habitantes (autoridades do governo e membros da nascente classe comerciante), as opções de entretenimento expandiram desde que Kim Jong-un assumiu o poder há cinco anos.

Há cafés e bares, quadras de tênis e academias de ginástica. Há um boliche e um supermercado refinado, um novo aquário de golfinhos e um parque aquático. A meia hora de carro do centro de Pyongyang, o  Clube de Equitação Mirim conta com 120 cavalos (incluindo Orlov Trotters enviados como presente pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin) e cobra US$ 8 para serem cavalgados por uma hora ao ar livre, US$ 10 (cerca de R$ 31) em recinto fechado.

(Os visitantes estrangeiros geralmente são levados primeiro para Sala Educativa do Centro Revolucionário, uma galeria que inclui uma foto gigante de Kim aos 4 anos, em um boné cor de rosa e luvas vermelhas, brincando com um cavalo. "Nosso Grande Marechal Kim Jong-un sempre teve um dom especial com animais", um guia me disse.)

O governo norte-coreano controla rigidamente o que os estrangeiros podem ver, de modo que é difícil saber até que ponto os novos confortos urbanos de Pyongyang são reais ou quantas pessoas podem desfrutá-los. Mas durante uma recente visita de uma semana para um festival bienal de cinema promovido pelo governo, eu fui autorizada a visitar alguns poucos novos lugares, na companhia de dois seguranças oficiais.

No Rungna Dolphinarium, parte de um parque de diversões maior em uma ilha no rio Taedong, eu me juntei a um público de mais de 1.400 pessoas que vibravam enquanto assistiam os golfinhos nadarem de costas e saltarem através de aros.

Depois da apresentação, eu tentei tirar uma foto do local, mas a guia designada para mim pelo aquário pegou a câmera e apagou a foto. "É possível ver os funcionários limpando o palco e eles não estão devidamente bem vestidos", ela disse antes de se afastar.

Posteriormente, fui levada ao Parque Aquático Munsu, onde famílias tomavam sol e as crianças brincavam em piscinas com ondas artificiais. Os funcionários, vestidos em esbeltos uniformes água-marinha, disseram que cerca de 5.000 pessoas vêm todo dia, pagando uma entrada de US$ 0,25 (cerca de R$ 0,80) e cerca de US$ 2.50 (cerca de R$ 7,80) por cada hora que passam nas 26 piscinas do parque.

23.jun.2013 - Norte-coreanos posam para fotos próximo a boneco de polvo enquanto visitam parque de diversões em Pyongyang, na Coreia do Norte - Alexander F. Yuan/AP - Alexander F. Yuan/AP
Norte-coreanos posam para fotos próximo a boneco de polvo enquanto visitam parque de diversões em Pyongyang
Imagem: Alexander F. Yuan/AP


Uma recepcionista do parque notou que Kim inspecionou o parque enquanto estava em construção para oferecer orientação no local. "O grande marechal insistiu para que o parque seja administrado visando a conveniência das pessoas", ela disse com um sorriso.

É um incômodo para a Coreia do Norte o fato de sua economia ser muita atrasada em relação a da Coreia do Sul, sua vizinha e arqui-inimiga, e o governo tenta manter o queixo empinado apesar das sanções debilitantes impostas por seus abusos de direitos humanos e pelo programa de armas nucleares.

Na semana passada, o Conselho de Segurança da ONU pediu aos membros que "redobrem seus esforços de sanções" depois que a Coreia do Norte desafiou os alertas em setembro e realizou outro teste nuclear, seu quinto e mais poderoso até o momento. N

Na última segunda-feira (24), uma autoridade em Pyongyang desdenhou a ameaça, dizendo ser "um completo erro de cálculo achar que quaisquer sanções ou pressão terão algum efeito sobre nós".

A Coreia do Norte começou experimentalmente a introduzir as forças de mercado em sua economia há mais de uma década, mas especialistas dizem que o esforço parece ter acelerado desde que Kim, supostamente com 32 anos, sucedeu seu pai em 2011.

Para o descendente mais novo da dinastia Kim, a introdução de novos confortos para o público é uma forma de acentuar o desenvolvimento do país sob seu governo e de se distinguir de seus antecessores, ao mesmo tempo atendendo a uma elite que é fundamental para a manutenção do regime.

"A infraestrutura de lazer de Pyongyang é usada por uma mistura dos altos escalões tradicionais do partido e das forças armadas, juntamente com os mais novos setores sociais empresariais, sem esquecer, é claro, de seus filhos", disse Robert Winstanley-Chesters, que estuda os espaços de lazer norte-coreanos na Universidade Nacional da Austrália.

Alguns observadores estimam que até 15% da população de Pyongyang são membros da classe privilegiada descrita por Winstanley-Chesters.

"A melhor forma de ganhar dinheiro é trabalhar para uma grande empresa estatal e demonstrar sua capacidade e valor", disse Andray Abrahamian da Choson Exchange, que realiza oficinas de empreendedorismo na Coreia do Norte. "Demonstrar que você pode dirigir ou ajudar a dirigir uma subsidiária por conta própria é ainda melhor."

Algumas subsidiárias incluem empreendimentos imobiliários e projetos em um número limitado de zonas econômicas especiais, assim como restaurantes.

Festival de cervejas na Coreia do Norte - Kim Won-Jin/AFP - Kim Won-Jin/AFP
Imagem: Kim Won-Jin/AFP


Meu grupo de visitantes convidou nossos seguranças e tradutores para uma refeição no Italy Pizza, e fiquei sentada ao lado de um homem jovem que se identificou, em inglês fluente, como um professor da Universidade de Línguas Estrangeiras de Pyongyang. Ele me disse que ficou intrigado pelas pizzas desde que as viu em filmes de língua inglesa quando era estudante.

"É ainda melhor do que eu esperava!" ele exclamou, radiante, após sua primeira mordida de uma fatia de marguerita.

Enquanto jantávamos, uma máquina de karaokê projetava apenas dois slides em um telão, o nome do Partido dos Trabalhadores do governo e "1950-1953", os anos da Guerra da Coreia, ambos tendo como fundo o brasão do partido. Ninguém se levantou para cantar.

"Há uma crescente demanda entre os moradores de Pyongyang por uma maior variedade de opções de restaurantes", disse Calvin Chua, um arquiteto baseado em Cingapura que realiza oficinas de design na Coreia do Norte.

Estabelecimentos recém-construídos que visam atender essa demanda incluem uma elegante hamburgueria próxima da Torre da Imortalidade, construída para celebrar o fundador do país, Kim Il-sung; alguns poucos cafés com decoração e qualidade do café variáveis; e vários bares, incluindo o Taedonggang Beer Bar Nº3, na margem leste do Taedong.

Com acabamento em madeira escura e uma pintura do monte Paektu em suas paredes de tijolo aparente, o Taedonggang é uma interpretação exagerada de um pub europeu. O barman ofereceu seis variedades da cerveja local, mas estava sem a sétima, a favorita do meu guia, que disse que ela tinha uma pitada de sabor de café. Eu pedi a Nº3, uma cerveja escura que desceu suavemente com as batatas fritas.

O elemento central dos esforços da Coreia do Norte para impressionar os estrangeiros é a Rua Futuros Cientistas, onde o destaque é um prédio de 53 andares curvilíneo azul e branco, com uma orbe dourada no topo.

As torres de apartamentos daqui são destinadas a professores e funcionários da Universidade Kim Chaek de Tecnologia, mas poucos prédios parecem ocupados e ainda menos pareciam ter eletricidade quando passei por uma certa noite.

Em janeiro, quando as temperaturas em Pyongyang rotineiramente caem abaixo de zero, os apartamentos estariam sem água e aquecimento.

Ao ser perguntada por que tantas janelas dos prédios estavam escuras apesar dos exteriores do prédio reluzirem a iluminação de rua, minha segurança sussurrou, como se compartilhasse um segredo, que os moradores estavam buscando economizar energia para o país.

Ao final de outro dia, ao voltarmos para o hotel, ela apontou para a janela de nosso ônibus e disse: "Veja! É a rua Futuros Cientistas". Ela notou como a rua podia ser vista de longe por causa de suas luzes brilhantes.

As luzes brilhantes com certeza faziam a rua se destacar. Mas isso por estar cercada de escuridão.

*A reportagem para este artigo foi facilitada pelo apoio do Centro Pulitzer de Reportagem de Crises