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Trump se entrincheira em sua torre e paralisa a Quinta Avenida

Movimento diante da Trump Tower, na Quinta Avenida, em Nova York (EUA) - Hilary Swift /The New York Times
Movimento diante da Trump Tower, na Quinta Avenida, em Nova York (EUA) Imagem: Hilary Swift /The New York Times

Sarah Maslin Nir*

Em Nova York (EUA)

18/11/2016 06h01

Tudo o que Karen Hendrickson queria era a carteira mais recente da Gucci, a Sylvie, com uma reluzente corrente de ouro na frente.

No entanto, teve de explicar isso repetidas vezes a si mesma e a policiais que a pararam, interrogaram e revistaram suas sacolas de compras enquanto tentava cruzar a Quinta Avenida em Manhattan. Ela pretendia ir à loja-conceito da Gucci na esquina da 56th Street, porém sua saída para compras teve um obstáculo incomum: a Gucci partilha uma calçada com a Trump Tower.

Cinquenta e oito andares acima fica a cobertura do presidente-eleito Donald Trump, que estava empenhado na árdua tarefa de selecionar sua equipe de governo.

"Fui interrogada por três policiais só para entrar nesta loja", disse Hendrickson, 47, visitante de South Orange, Nova Jersey, finalmente com a Sylvie em mãos.

Enquanto ponderava sobre Trump estar entrincheirado em seu apartamento na cobertura, ela questionou por que ele não estava se preparando em Washington. "Esse não é um emprego de segunda a sexta-feira", comentou. "Trata-se de um cargo muito sério e exige passar tempo na Casa Branca."

"Vá trabalhar imediatamente!", acrescentou ela, com sua frustração eclipsando o fato de que a Casa Branca estará ocupada até o final de janeiro.

Eles vieram de longe, como da Inglaterra, Itália e México, ou de tão perto quanto o Harlem para o gramado rarefeito no Upper East Side, todos para tirar uma selfie com a placa dourada da Trump Tower ao fundo.

16.nov.2016 - Repórteres trabalham do lado de fora da Trump Tower na Quinta Avenida, em Nova York (EUA) - Hilary Swift/The New York Times - Hilary Swift/The New York Times
Repórteres trabalham do lado de fora da Trump Tower na Quinta Avenida
Imagem: Hilary Swift/The New York Times

Abaixo havia um emaranhado de barricadas, policiais blindados, turistas desorientados e nova-iorquinos aflitos tentando cumprir seus afazeres. Ônibus turísticos de dois andares se arrastavam pelo caminho, avançando palmo a palmo em uma avenida com pontos reduzidos a pista única pela polícia, que também esquadrinhava tudo de uma cabine no alto de uma colheitadeira de cereja.

Turistas e transeuntes eram alvo de uma falange de cães farejadores de bombas que rondavam as calçadas. Às vezes, entrevistas coletivas improvisadas se formavam na calçada ou ao lado do grupo de elevadores no saguão de tonalidade rosa, enquanto dignitários e membros da equipe de transição de Trump iam e vinham.

"Não vou lhes dizer que a Gucci e a Tiffany sejam minhas maiores preocupações na vida, mas admito que a situação do trânsito é um problema bem real", disse a repórteres o prefeito Bill de Blasio, em um atril na calçada em frente ao edifício, após sair de uma reunião que durou uma hora com Trump.

De Blasio, um democrata, relatou ter expressado ao republicano Trump que os nova-iorquinos estão temerosos com as ramificações de seus planos de ação.

"O motivo de ficar aqui é dizer que realmente o vi; vi o demônio encarnado com meus próprios olhos"

Alguns pedestres batalhavam com as hordas no esforço de tirar uma fotografia do que agora é uma parada obrigatória para quem vai ou vem da Times Square.

No interior do edifício, em um banheiro feminino pintado de rosa-choque, Shaopei Lu, 32, secretária proveniente de Xangai, retocava a maquiagem. Ela viera para ver a Trump Tower, e embora tenha passado entre policiais para entrar não havia se dado conta de que o dono da torre estava no último andar.

"Trump está morando neste edifício?", indagou. "Será que tenho alguma chance de encontrá-lo?"

Outros vieram para testemunhar. "No 11 de Setembro, fui para o calçadão no lado de Jersey para vê-lo no mesmo dia", disse Jeff Fox, 65, escritor aposentado. "Algumas pessoas dizem que o 11 de Setembro foi um desastre, mas o 9 de novembro também foi", acrescentou, referindo-se ao dia após a eleição, quando Trump foi declarado vencedor.

Um grupo de estudantes secundários vindo da Pensilvânia se reuniu em uma esquina e discutia sobre o edifício.

A Trump Tower é uma massa de vidro preto e aço não distante do Central Park, mas desde a semana passada se tornou um prenúncio da Casa Branca em Nova York. 

Enquanto Trump está no edifício, recebendo telefonemas de líderes mundiais e confabulando com seu círculo íntimo, as calçadas ao redor se tornaram uma esplanada plena de cacofonia, atraindo visitantes de fora, nova-iorquinos curiosos, manifestantes exaltados e um enxame de repórteres que esticam o pescoço para avistar um membro potencial do gabinete ministerial entrando ou saindo.

"Eu discordo muito dos planos de ação dele", afirmou Pete Thacker-Davis, 24, que veio em lua-de-mel de Birmingham, Inglaterra, com o marido, David, 31. O casal, ambos gerentes de restaurantes, ficou parado em uma barricada policial na Quinta Avenida durante duas horas, tentando ver Trump.

"O motivo de ficar aqui é dizer que realmente o vi", explicou Thacker-Davis, "que vi o demônio encarnado com meus próprios olhos."

16.nov.2016 - Cindi Chapman tira selfie diante da Trump Tower na Quinta Avenida em Nova York (EUA) - Hilary Swift /The New York Times - Hilary Swift /The New York Times
Mulher tira selfie diante da Trump Tower
Imagem: Hilary Swift /The New York Times

A grosso modo, era uma cena plácida pontuada por erupções intermitentes de invectivas contra Trump. Em se tratando de Nova York, onde a aversão é um credo e celebridades, presidentes ou presidentes-eleitos não significam grande coisa, a cidade parecia manter a normalidade --embora um tanto incomodada.

Os estudantes secundários de Fort Washington, Pensilvânia, davam vazão a seu descontentamento pela eleição de Trump fazendo gestos obscenos em direção ao edifício.

"Acho genuinamente que ele me odeia e odeia minha família", afirmou Kian Jamasbi, um estudante do último ano cujos pais são do Irã. "Eles são muçulmamos, o que agrava nossos sentimentos."

Calvin Hunt, 55, ativista comunitário do Harlem, passou boa parte da tarde de quarta-feira (16) com seu filho de 9 anos, Cameron, que ele tirou da escola nesse dia.

Segurando placas de apoio a Trump, ele exclamava que os negros deveriam apoiar o presidente-eleito. Gritava intermitentemente com a multidão, sendo que alguns ali respondiam agressivamente. "Se um cara negro diz que Trump é bom, deve ser suficiente!", rugiu ele.

A seu lado, uma jovem erguia calmamente um pôster com os dizeres "Não meu presidente". Hunt manifestou em voz alta sua discordância. "Essas crianças não deveriam estar na rua protestando", gritou ele. "Elas deviam estar em casa jogando Yahtzee ou Monopólio!"

Poucos passos abaixo, na Quinta Avenida, Teresa Fisher, que trabalha em um hospital em Staples, Minnesota, e veio à cidade para uma conferência de negócios, contemplava a torre com perplexidade.

"Isso é um tanto apavorante", disse ela. "Nunca vimos um caos desse tipo em minha cidade."

*Noah Remnick colaborou na reportagem