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"Heil Trump": 'Direita alternativa' dos EUA saúda novo presidente com termos nazistas

Steve Bannon, que trabalhou na campanha de Donald Trump e será estrategista-chefe e conselheiro sênior de seu governo - AFP PHOTO / GETTY IMAGES / Drew Angerer - AFP PHOTO / GETTY IMAGES / Drew Angerer
Steve Bannon, do "Breitbart News", será estrategista-chefe e conselheiro sênior do governo Trump
Imagem: AFP PHOTO / GETTY IMAGES / Drew Angerer

Joseph Goldstein

Em Washington (EUA)

22/11/2016 15h19

Quando chegou a hora de Richard B. Spencer, o principal ideólogo do movimento direita alternativa e último orador da noite, subir ao palco para discursar para uma multidão de seus seguidores, o público estava impaciente.

Em 11 horas de discursos e painéis de discussão em um prédio federal que leva o nome de Ronald Reagan a poucas quadras da Casa Branca, uma sucessão de oradores expôs uma visão dura do futuro, mas condenando a violência e dizendo que os cidadãos americanos latinos e negros não tinham nada a temer. Anteriormente no dia, o próprio Spencer pediu ao grupo para começar a agir menos como uma organização clandestina e mais como o establishment.

Richard Spencer, do National Policy Institute, ideólogo do movimento conhecido como "direita alternativa", utilizou expressões que aludem ao nazismo ao celebrar a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas - Al Drago/The New York Times - Al Drago/The New York Times
Richard Spencer, do National Policy Institute, ideólogo do movimento conhecido como "direita alternativa", utilizou expressões que aludem ao nazismo ao celebrar a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas
Imagem: Al Drago/The New York Times
Mas o tom dele mudou ao começar a dizer a uma plateia de mais de 200 pessoas, a maioria homens jovens, o que aguardavam para ouvir. Ele atacou os judeus e, com um sorriso, citou uma propaganda nazista em alemão. Os Estados Unidos, ele disse, pertencem aos brancos, a quem chamou de "filhos do sol", uma raça de conquistadores e criadores que foi marginalizada, mas agora, na era do presidente eleito Donald Trump, está "despertando para sua própria identidade".

Quando ele concluiu, vários membros da plateia estenderam o braço na saudação nazista. Quando Spencer, ou talvez outra pessoa em pé perto dele na frente do salão (não estava claro quem), gritava, "Heil our People!  Heil Victory" (Salve o povo! Salve a vitória), a sala gritava de volta.

Estes são tempos empolgantes para o movimento direita alternativa, que era pouco conhecido até este ano, quando abraçou a campanha de Trump e ele também pareceu abraçá-lo. Ele escolheu como seu diretor de campanha Stephen K. Bannon, o executivo de mídia que dirigia a plataforma mais proeminente da direita alternativa, "Breitbart News", e então o nomeou como alto conselheiro e estrategista chefe.

Agora, os líderes do movimento esperam contar, se não com uma cadeira à mesa, ao menos com a atenção da Casa Branca de Trump.

Apesar de muitos de seus pontos de vista racistas serem conhecidos (como o de o presidente Barack Obama ser de origem estrangeira; que o movimento Vidas Negras Importam ser outro nome para desordeiros da raça negra; que até mesmo os filhos nascidos nos Estados Unidos de imigrantes ilegais deveriam ser deportados), é difícil definir a direita alternativa. É um nome para provocadores políticos de direita na era da internet? Ou é um movimento político definido pela xenofobia e pelo repúdio do politicamente correto?

Na conferência, Spencer, que disse ter cunhado o termo, definiu a direita alternativa como um movimento com identidade branca como sua ideia central.

"Nós atravessamos o Rubicão (ponto sem volta) em termos de reconhecimento", disse Spencer na conferência, que foi patrocinada por sua organização, o Instituto Nacional de Políticas.

Manifestantes protestam na porta do evento da "direita alternativa" nos EUA - Al Drago/The New York Times - Al Drago/The New York Times
Manifestantes protestam na porta do evento da "direita alternativa" e comparam o movimento ao neonazismo
Imagem: Al Drago/The New York Times
E apesar de grande parte do discurso na conferência ter sido extremamente racista e degradante em relação às minorias, durante grande parte do dia os sentimentos foram expressados de forma a não soarem muito ameaçadores. O foco era em como os brancos foram marginalizados e sitiados.

Um orador, Peter Brimelow, o fundador do Vdare.com, um site anti-imigração, notou que se os latinos têm o Conselho Nacional de La Raza e os judeus têm a Liga Antidifamação, por que os brancos relutam em se organizar em prol de seus direitos? Alguns oradores se esforçavam para se distanciarem de organizações mais notórias do poder branco como a Ku Klux Klan.

Mas à medida que a noite avançava e a maioria dos repórteres foi embora, a linguagem mudou.

O discurso de Spencer após o jantar começou com a polêmica contra a "mídia tradicional", antes dele fazer uma breve pausa. "Talvez devêssemos nos referir a eles no termo original?" ele disse.

O público gritou imediatamente de volta. "Lügenpresse", revivendo uma palavra da era nazista que significa "imprensa mentirosa".

Ele sugeriu que a mídia de notícias criticou Trump ao longo de toda a campanha para proteger os interesses judeus. Spencer riu dos comentaristas políticos que davam a Trump pouca chance de vitória. "É preciso se perguntar se essas pessoas são pessoas de fato, ou um Golem sem alma", ele disse, referindo-se à fábula judaica na qual o golem é um gigante de barro ao qual um rabino dá vida para proteger os judeus.

A eleição de Trump, disse Spencer, foi a "vitória da vontade", uma frase remetendo ao título do mais famoso filme de propaganda da era nazista. Mas Spencer então mencionou, com um sorriso, Theodor Herzl, o líder sionista que defendia uma pátria judaica em Israel, citando seu famoso pronunciamento "Se o quiseres, não será um sonho".

Os Estados Unidos foram transformados hoje, segundo Spencer, em uma "sociedade doente e corrupta". Mas não deveria ser assim.

"A América era, até esta última geração, um país branco criado para nós e nossa posteridade", bradou Spencer. "É nossa criação, é nossa herança e pertence a nós."

Mas a raça branca, ele acrescentou, é "uma raça que percorre para sempre um caminho ascendente".

Mais membros da plateia estavam em pé enquanto Spencer descrevia a escolha diante dos brancos como sendo "conquistar ou morrer".

Sobre as outras raças, Spencer disse: "Não exploramos outros grupos, não ganhamos nada com a presença deles. Eles precisam de nós, não o contrário".

Os laços entre o movimento direita alternativa e a equipe de Trump são difíceis de definir, até mesmo por membros da direita alternativa.

Bannon foi o presidente-executivo da "Breitbart News", uma organização de notícias online que alimentou a mentira de que Obama é um muçulmano nascido no Quênia. No ano passado, a "Breitbart" publicou um artigo de opinião convocando para que "todas as árvores, todos os telhados, todas as cercas, cada poste telegráfico no Sul seja enfeitado com a bandeira de combate confederada".

Neste ano, Bannon disse à revista "Mother Jones" que o "Breitbart" agora é a "plataforma para a direita alternativa".

Mas em uma entrevista na semana passada ao "Wall Street Journal", Bannon disse que a direita alternativa é apenas uma "parte minúscula" do ponto de vista expressado no "Breitbart".

"Nossa definição de direita alternativa é pessoas mais jovens que são antiglobalização, muito nacionalistas, terrivelmente anti-establishment", ele disse ao "Wall Street Journal", acrescentando que a direita alternativa tem "alguns tons raciais e antissemitas".

Quando perguntados sobre Bannon, os oradores da conferência disseram que poderiam apertar a mão dele, mas que não o conheciam tão bem.

Brimelow disse que se encontrou com "Bannon uma vez, meses atrás, antes dele ascender ao Olimpo". Brimelow disse que falou para Bannon que este estava fazendo um ótimo trabalho no "Breitbart". "Ele concordou", lembrou Brimelow à plateia.

Quanto a Trump, Brimelow disse que se encontrou com ele há cerca de 30 anos em um "encontro conservador" em Manhattan. E só.

"Trump e Steve Bannon não são da direita alternativa", disse Brimelow, acrescentando que eles se apropriaram de forma oportunista das duas questões com as quais a direita alternativa mais se importa, deter a imigração e combater o politicamente correto, e as usaram para mobilizar os eleitores brancos.

Spencer disse que apesar de achar que o presidente eleito não deve ser considerado como sendo da direita alternativa, "eu acho que temos um ligação psíquica, ou poderíamos dizer uma conexão mais profunda, com Donald Trump de uma forma que simplesmente não temos como a maioria dos republicanos".

A identidade branca, ele disse, está no centro tanto do movimento da direita alternativa quanto do movimento de Trump, mesmo que a maioria dos eleitores de Trump "não esteja disposta a articulá-la dessa forma".

E Spencer descreveu o movimento como "um tipo de corpo sem cabeça".

Em vários momentos, ele e outros oradores expuseram onde divergem de Trump. Eles o consideram muito submisso a Israel. Eles não veem nenhum motivo para iniciar uma guerra comercial com a China e também não são necessariamente contrários ao acordo nuclear com o Irã.

Para eles, a imigração é a questão mobilizadora mais potente, menos por razões econômicas e mais pela perspectiva de que os americanos brancos algum dia venham a representar menos da metade da população do país.

Para a direita alternativa, o que é mais empolgante em Trump é o fato de ele ter construído sua campanha em torno das questões que mais importam, e o fato de os brancos terem votado nele em números que deixaram atônito o establishment político de ambos os partidos. Agora, disse Spencer, cabe à direita alternativa formular ideias e políticas que guiem o novo governo.

"Acho que podemos ser aqueles à frente, pensando nessas coisas em que ele ainda não pensou, que apresentam políticas", disse Spencer, "que tenham uma chance realista de serem implantadas".