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Em meio a discursos de ódio, mulheres que usam véu islâmico conquistam espaço

A candidata Halima Aden desfila com véu islâmico durante o concurso de beleza Miss Minnesota, nos EUA - Leila Navidi/Star Tribune via AP
A candidata Halima Aden desfila com véu islâmico durante o concurso de beleza Miss Minnesota, nos EUA Imagem: Leila Navidi/Star Tribune via AP

Katie Rogers

11/12/2016 06h00

Quando Ginella Massa, uma repórter de TV que vive em Toronto, no Canadá, aceitou recentemente o pedido para apresentar um noticiário noturno, não pretendia ou esperava fazer história por usar um hijab. Ela estava apenas substituindo uma colega que queria ir a uma partida de hóquei.

E foi assim que Massa, que trabalha na CityNews em Toronto, tornou-se a primeira mulher canadense a apresentar um noticiário de uma grande empresa de mídia usando um lenço de cabeça. Seu programa, transmitido em 17 de novembro, tornou-se tema de comemoração nas redes sociais, e foi divulgado por sites de notícias de todo o mundo.

"Têm sido uma loucura as últimas duas semanas", disse Massa, 29, em uma entrevista. "Meu telefone não parou de tocar. Ainda estou trabalhando, por isso tento atender a telefonemas, mensagens e tudo o mais nos intervalos."

O noticiário de Massa foi uma de uma série de histórias recentes sobre mulheres que usam hijab que ampliaram os limites ao entrar em espaços onde os padrões de aparência tendem a ser restritivos. Nura Afia, 24, do Colorado, foi contratada como embaixadora de maquiagem da CoverGirl. E Halima Aden, 19, de Minnesota, foi candidata em um concurso de beleza. Aden vestiu um hijab e, na parte de natação do concurso, um burquíni.

"Todos os meus parentes na Somália disseram: 'Não sabemos o que é um concurso de beleza'", disse Aden à NPR, "'mas parabéns'."

Esta nova tendência de inclusão ocorre em meio a outra mais sinistra, com o aumento dos relatos de crimes de ódio nos EUA e no Canadá.

O FBI diz que o aumento dos crimes de ódio contra muçulmanos levou a um aumento geral nos crimes de ódio nos EUA. Os muçulmanos sofreram o maior número, com 257 ataques registrados. Um aumento nos ataques por preconceito foi relatado desde a eleição de Donald Trump, com episódios que variam de um ataque contra um policial muçulmano em Nova York a vandalismo em uma mesquita em Massachusetts. (Os crimes, que incluem ataques racistas e antissemitas, são tão frequentes que o "Times" os está acompanhando semanalmente.)

No Canadá, onde Massa vive desde 1 ano de idade, o número de crimes de ódio relatados caiu ligeiramente em geral, mas o de ataques registrados contra muçulmanos cresceu: 99 em 2014, segundo uma análise do site de notícias Global News de dados da Statistics Canada, uma agência do governo. Esse número duplicou em relação aos 45 relatados em 2012.

No Twitter, Massa foi inundada com cumprimentos por seu trabalho na CityNews, mas com as boas mensagens vem uma enxurrada de declarações de ódio.

"Quanto mais exposição eu tenho, mais ódio recebo", disse Massa. "Acho que isso vem com o espaço. O ruim vem junto com o bom."

Seus colegas, que também receberam e-mails de ódio, falaram publicamente em defesa de Massa. No que se refere a seus detratores, Massa adotou o seguinte credo: "Essa reação negativa vem de ler uma manchete e ver uma foto e decidir que não gostam da minha aparência. O problema não é meu. É deles".

Nessa veia, casos destacados de inclusão continuarão. As empresas estão reagindo a uma demanda que é clara no comércio e se expande nas redes sociais: o mercado de cosméticos e tratamentos de beleza muçulmanos deverá alcançar US$ 80 bilhões até 2020.

No ano passado, a H&M contratou uma modelo de hijab que foi descoberta no Instagram. Em outros lugares na plataforma, uma conta que mostrava uma Barbie usando hijab, a Hijarbie, tem mais de 76 mil seguidores. Uma adolescente muçulmana criou um projeto de colocar emojis de hijab nos telefones em todo lugar. E Afia foi descoberta depois de reunir um grande número de seguidores no YouTube.

Nem todo mundo quer ver uma mulher de lenço na cabeça representada na cultura popular, e isso inclui algumas muçulmanas, que acreditam que o hijab só representa um lado de uma religião grande e diversificada.

Até a palavra "hijab" revela como o uso do lenço pode ser complexo: é um termo guarda-chuva para lenços de tipo e tendência diferentes. Nem todas as mulheres muçulmanas usam cobertura na cabeça. Algumas acreditam que o hijab não é uma exigência religiosa, enquanto outras o veem como um símbolo de opressão.

Os motivos pelos quais uma mulher decide usar um hijab podem ser altamente pessoais, com algumas vendo-o modestamente como sua forma de empoderamento.

"Vivemos em uma sociedade estranha em que andar por aí seminua é aceitável, mas ser recatada e cobrir-se é rejeitado", disse ao "Times" em 2015 uma leitora do Canadá chamada Safiya.

Celene Ibrahim, uma capelã muçulmana na Universidade Tufts, disse que esses exemplos de mulheres muçulmanas que usam hijab são encorajadores, mas também salientam obstáculos que virão no futuro. Em particular, o símbolo visível sugere uma uniformidade na comunidade muçulmana que não é exata.

A comunidade parece muito diferente, "dependendo de a quem você pergunta", disse Ibrahim em uma entrevista. "E eu acho que a diversidade é algo que as pessoas estão realmente lutando para entender".

Ela acrescentou: "Também há a sensação de que os muçulmanos gostariam de poder participar da cultura americana sem necessariamente sentir o estigma de sempre ter de representar os muçulmanos".