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Como semelhanças entre Trump e Bolsonaro podem ajudar relações entre EUA e Brasil

Bolsonaro escolheu Ernesto Araújo, um diplomata pró-Trump, para o Itamaraty - Reprodução
Bolsonaro escolheu Ernesto Araújo, um diplomata pró-Trump, para o Itamaraty Imagem: Reprodução

Ernesto Londoño e Shasta Darlington

No Rio de Janeiro

22/11/2018 10h46

Os Estados Unidos e o Brasil foram aliados instáveis na maior parte do tempo. Mas os eleitores brasileiros podem ter posto fim a essa dinâmica quando elegeram como próximo presidente Jair Bolsonaro, um deputado de direita que é declaradamente pró-EUA e notavelmente parecido com o presidente americano, Donald Trump, em temperamento, táticas e estilo.

"Talvez estejamos à beira de uma era dourada de relações", disse Fernando Cutz, um ex-funcionário de alto escalão da Casa Branca que trabalhou em política latino-americana nos governos Trump e Obama. "Trump e Bolsonaro realmente vão se entender. Suas personalidades são quase idênticas e suas opiniões políticas, muito semelhantes."

O entusiasmo de Bolsonaro por laços mais estreitos com os EUA é um dos sinais mais claros de que a política externa do Brasil está prestes a passar por mudanças profundas.

Como candidato, o presidente eleito denunciou as alianças e a política externa do Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, que governou o Brasil de 2003 a 2016. Nesse período, o país promoveu relações comerciais mais próximas com a China, defendeu o governo autoritário de Cuba e foi um pilar de alianças multilaterais que excluíam os EUA.

Bolsonaro ainda não definiu uma visão detalhada da política externa, mas recentemente revelou sua escolha para ministro das Relações Exteriores: Ernesto Araújo, um diplomata de nível médio que chefia o departamento de EUA e Canadá no Ministério das Relações Exteriores e compartilha sua admiração por Trump. Em seu blog, Araújo chamou a mudança climática de trama marxista e elogiou Trump por combater o movimento de "globalismo" liderado pela China.

Em entrevistas recentes, Bolsonaro sugeriu que o Brasil poderá transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo medida semelhante de Trump, e levantou a possibilidade de cortar relações diplomáticas com Cuba.

A prioridade de sua equipe, porém, é claramente construir uma parceria forte com o governo Trump. Representantes chaves iniciaram uma ofensiva de charme que parece destinada a polir a imagem internacional de Bolsonaro, que como deputado ficou famoso por insultar as minorias e elogiar a antiga ditadura militar do Brasil.

"Nosso futuro presidente foi acusado de muitas coisas, mas posso garantir a todos vocês que ele é um democrata", disse à Fox News em uma entrevista recente o companheiro de chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão. Ele manifestou confiança em que as relações entre os EUA e o Brasil, os maiores países das Américas, "serão mais firmes durante esse período".

Um dos filhos do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, pretende viajar aos EUA em breve, para o que ele chamou de "esforço preliminar de contato para gerar boa vontade entre o Brasil e os EUA, dois países amigos que se afastaram nos últimos anos por motivos ideológicos".

16.nov.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista coletiva no Primeiro Distrito Naval do Rio de Janeiro - Fábio Motta/Estadão Conteúdo - Fábio Motta/Estadão Conteúdo
16.nov.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista coletiva no Primeiro Distrito Naval do Rio de Janeiro
Imagem: Fábio Motta/Estadão Conteúdo

O novo presidente brasileiro e seu filho certamente terão uma recepção calorosa em Washington. Jair Bolsonaro e Trump chegaram à vitória com campanhas insurgentes nas redes sociais que visaram o establishment político. Ambos foram inicialmente considerados por analistas políticos como inexperientes e rudes demais para ir em frente. E ambos parecem gostar de intensificar, em vez de diluir, as disputas políticas.

O assessor de segurança nacional de Trump, John Bolton, aplaudiu recentemente a eleição de Bolsonaro, que ele chamou de líder "de mentalidade semelhante". O governo Trump manifestou esperança de que uma série de novos chefes de Estado conservadores na América Latina ajudem os EUA a minar os governos de esquerda de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que Bolton chamou de "troica da tirania neste hemisfério".

A ascensão de Bolsonaro ocorre enquanto a colcha de retalhos de governos de esquerda criada na virada do século, em uma aposta para acabar com a hegemonia de Washington na região, se desintegrou amplamente. A Venezuela, que foi um eixo chave dessa rede, tornou-se um pária regional sob o presidente Nicolás Maduro, cuja má administração econômica levou a uma aguda escassez de alimentos e remédios.

A crise humanitária venezuelana, que provocou o êxodo de mais de 3 milhões de pessoas, provavelmente estará no topo da agenda com os EUA quando Bolsonaro assumir o cargo.

"Se for instigado pelos EUA, o Brasil poderá assumir uma posição pública mais forte contra o regime Maduro, usando o influxo de refugiados como desculpa para agir", disse Jana Nelson, antiga autoridade do Departamento de Estado que trabalhou em política para o Brasil. "O principal desafio seria convencer os outros países latino-americanos a trabalhar com o governo Bolsonaro, cuja reputação como líder duro, politicamente incorreto, o precede."

Bolsonaro já entrou em disputa com Cuba. Havana anunciou que chamaria de volta mais de 8.000 médicos enviados para áreas pobres e remotas do Brasil, depois que Bolsonaro acusou o governo comunista de tratar os profissionais de saúde como escravos.

Como candidato, Bolsonaro visitou Taiwan, irritando Pequim, que considera a ilha parte de seu território. Ele também despertou alarme diante da crescente influência da China na América Latina, manifestando inquietação sobre a perspectiva de permitir que empresas chinesas comprem participações importantes em companhias estatais brasileiras.

Essa preocupação o coloca em sincronia com o governo Trump, que está reagindo à abordagem da China de investir e emprestar dinheiro para países em desenvolvimento.

No entanto, analistas disseram que Bolsonaro teria poder limitado em bloquear os interesses da China no Brasil sem irritar eleitorados chaves que se tornaram extremamente dependentes do mercado chinês. A China superou os EUA como principal parceiro comercial do Brasil há aproximadamente dez anos; o crescimento econômico brasileiro depende amplamente da expansão e diversificação de sua relação comercial com Pequim.

Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, previu que Bolsonaro reconhecerá que manter relações estreitas com a China é crucial para o Brasil.

"Laços firmes com os EUA não prometem as mesmas recompensas financeiras", disse Stuenkel. "A China não fará o Brasil escolher entre Washington e Pequim, desde que certas linhas não sejam cruzadas. Os chineses não querem amor ou admiração declarada, mas alguém em quem possam confiar que não será hostil."

Bolsonaro apresenta o futuro ministro das Relações Exteriores

UOL Notícias

Uma nova era de cooperação mais próxima entre os EUA e o Brasil poderia criar "uma grande oportunidade de fazer coisas com um governo mais parecido com o nosso", disse Thomas Shannon, um ex-membro do Departamento de Estado que foi embaixador no Brasil.

Isso poderia incluir uma expansão significativa do comércio, mais parcerias de segurança e maior cooperação em pesquisa médica e científica, disse Shannon. Mas, segundo ele, há bons motivos para se duvidar de que o governo Trump aproveitará essa oportunidade.

"O que me preocupa, francamente, é que não façamos as coisas de maneira muito estratégica", disse ele. Em vez disso, os EUA poderiam "simplesmente tentar fazê-los nos ajudar sobre a Venezuela ou a Nicarágua e depois ir embora".

A Casa Branca e o Departamento de Estado não responderam a um pedido de entrevista sobre a visão do governo Trump quanto à era Bolsonaro.

Matias Spektor, outro professor de relações internacionais na FGV, disse que o Brasil e os EUA forjaram uma parceria forte e duradoura pela última vez na década de 1940, quando o presidente americano Franklin Roosevelt convenceu o governo brasileiro a se voltar contra a Alemanha nazista e entrar na aliança que venceu a Segunda Guerra Mundial.

Depois que a democracia foi restaurada no Brasil, em meados dos anos 1980, após uma ditadura militar que começou com um golpe apoiado por Washington, grande parte da esquerda política que restou no Brasil via os EUA com suspeição e ressentimento.

Outro ponto baixo foi em 2013, quando o governo da presidente Dilma Rousseff, de esquerda, reagiu indignadamente à revelação de que a Agência Nacional de Segurança dos EUA havia espionado a ela e outras autoridades brasileiras.

Ao longo dos anos, tentativas de melhorar as relações falharam ou porque a questão não era prioridade para o governo americano ou porque não interessava politicamente ao governo brasileiro.

"Historicamente tem sido muito difícil", afirmou Spektor. "É preciso haver condições para alinhamento que são muito específicas."

Desde o impeachment de Rousseff, Washington e Brasília ampliaram a cooperação em questões de segurança, especialmente contra o tráfico de drogas, segundo Cutz, o ex-membro da Casa Branca.

"Temos melhores relações que antes, mais capacidades", disse ele. "Isso só pode melhorar."

Um endosso total a Bolsonaro poderia ter causado hesitação em antigos governos americanos, devido a preocupações sobre seu compromisso com os princípios democráticos e os direitos humanos. Mas Cutz disse que há poucos motivos para se acreditar que o governo Trump teria reservas nesse sentido.

"Existe uma tese a se defender de que se os EUA abraçarem rapidamente Bolsonaro poderemos ajudar a moldá-lo", disse Cutz, que nasceu no Brasil. "Se nos mantivermos à distância, ele estará por conta própria."