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Legislação do pré-sal prevê poucos recursos para financiar saúde e educação

Especial para o UOL

28/06/2014 06h00

O Brasil tem grandes reservatórios de petróleo, principalmente no polígono do pré-sal. São reservatórios de alta produtividade e de alta rentabilidade que vão colocar o país entre os líderes mundiais no setor petrolífero.

Do ponto de vista empresarial, o pré-sal é um grande sucesso. No entanto, ele representa uma oportunidade que está sendo perdida para, de fato, ser o indutor de uma grande transformação social no Brasil, principalmente na área de educação.

Tanto a legislação anterior à descoberta do pré-sal (lei 9478/1997, que regulamenta o regime de concessão), quanto a legislação posterior (lei 12351/2010, que regulamenta o regime de partilha de produção), geram uma baixa renda para o país.

As participações governamentais diretas, representadas por royalties, participação especial e excedente em óleo para a União, deverão ser de apenas US$ 678 bilhões de 2013 a 2030.

Nesse mesmo período, a receita líquida das empresas contratadas será da ordem de US$ 1,78 trilhão. Dessa receita governamental de US$ 678 bilhões, apenas US$ 217 bilhões serão destinados para as áreas de educação e saúde.

No entanto, é preciso reconhecer que a lei nº 12.848/2013, que regulamenta a destinação de receitas petrolíferas para as áreas de educação e saúde, representou um grande avanço em relação ao projeto de lei 5500/2013, do Poder Executivo, que capitaneou as discussões no Congresso Nacional.

Essa lei destina parte das participações governamentais e receitas de unitização do setor petrolífero nacional para essas áreas.

É importante ressaltar que, em 2010, foi perdida a chance de se celebrar acordos de unitização produção em áreas como Iara e Lula. Essas áreas, entre outras, como o bloco de Franco, atualmente campo de Búzios, foram cedidas onerosamente à Petrobras pela União, em decorrência da lei 12276/2010.

Nos termos do contrato de cessão onerosa, a União cedeu à Petrobras o direito de explorar cinco bilhões de barris de óleo equivalente nas áreas de Búzios (Franco), Sul de Lula (Tupi), Sul de Guará (Sapinhoá), Nordeste de Tupi, Florim e Peroba. A revisão desse contrato deve ser concluída até setembro de 2014.

Destaque, contudo, que, no prazo previsto no contrato de cessão onerosa, somente Franco (Búzios) pode permitir à Petrobras a produção de 8 bilhões de barris de óleo equivalentes, conforme documento publicado pelo próprio Ministério de Minas e Energia.

Ressalte-se, ainda, que o valor desse contrato, de US$ 42,5 bilhões, é muito inferior ao valor presente da receita líquida que a Petrobras vai obter, em razão das características do reservatório e da alta produtividade dos poços de Búzios (Franco), onde já foram perfurados nove poços. Estima-se que esse valor é de, pelo menos, US$ 95 bilhões.

Na revisão do contrato de cessão onerosa é fundamental que seu valor seja alterado de US$ 42,5 bilhões para, no mínimo, US$ 57 bilhões, que equivale a 60% de US$ 95 bilhões, que é a receita líquida a ser obtida apenas em Búzios (Franco).

É fundamental, também, que todas as outras áreas sejam devolvidas pela Petrobras. Com essa revisão, caberia à empresa o pagamento de US$ 14,4 bilhões à União, a unitização de Sul de Lula (Tupi) e do Entorno de Iara, com a participação da PPSA, e contratação de Sul de Guará, Nordeste de Tupi e Florim sob o regime de partilha de produção.

Os acordos de unitização de Sul de Lula (Tupi) e Entorno de Iara podem gerar receitas diretas adicionais para o Estado brasileiro de US$ 100 bilhões, desde que haja uma efetiva participação da PPSA. A contratação de Sul de Guará, Nordeste de Tupi e Florim sob o regime de partilha de produção pode gerar receitas governamentais adicionais de US$ 52 bilhões.

Assim sendo, a revisão do valor do contrato de cessão onerosa representa a possibilidade de reverter, parcialmente, uma grande perda de patrimônio público, representada pelo texto original do contrato, gerando recursos adicionais para as áreas de saúde e educação. Estima-se que a devolução das áreas de Sul de Lula (Tupi), Entorno de Iara, Sul de Guará, Nordeste de Tupi e Florim podem gerar recursos adicionais para as áreas de educação e saúde de US$ 130 bilhões.

Em relação à Libra, o edital da licitação, além de gerar uma baixa participação governamental, não atende ao interesse público e contém uma série de ilegalidades. A principal delas é transferir o risco da baixa produtividade e do baixo preço do petróleo para o Estado brasileiro.

De acordo com o edital, o excedente em óleo para a União pode variar de 9,93% a 45,56%, em função da produção média dos poços e do preço do petróleo, o que significa um excedente médio para a União de 28%.

A solução técnica para Libra seria um excedente em óleo para a União de, no mínimo, 60%. Nesse caso, seria iniciado um caminho para que o Brasil tivesse um padrão arrecadatório próximo ao da Noruega, Bolívia, Rússia, Venezuela, Angola etc. Na Noruega, o retorno do governo por barril é de 80%, mais que o dobro do retorno do Brasil.

De acordo com o professor Gil Vicente, da Universidade Federal de São Carlos, para se ter uma educação de qualidade no Brasil, é necessário que, em 2023, seja aplicado 10% do PIB na educação pública.

Em 2030, esse percentual poderia ser reduzido para cerca de 8% em razão da demografia do Brasil. Os recursos do petróleo estão longe de ser suficientes para isso, mas poderiam ajudar no alcance dessa meta.

Desse modo, é inegável a necessidade de uma ampla discussão com a sociedade brasileira sobre a exploração do pré-sal e a apropriação das rendas petrolíferas para as áreas de educação e saúde. Se não houver mudanças na legislação, a maior parte dos recursos será apropriada pelas empresas, sendo apenas uma pequena parcela destinada a essas áreas.

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