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Vestibular não deve levar culpa pelas falhas do ensino público

Especial para o UOL

02/11/2014 06h00

Em 31 de março de 2009 o Ministério da Educação anunciou um novo Enem. A imprensa emoldurou a informação com dois grandes equívocos. Primeiro, que o Enem seria o “fim do vestibular”.

Na verdade, acabara de surgir o maior vestibular do país, que depois assumiria a condição de maior vestibular do mundo. Com mais de 8 milhões de participantes, o Enem é hoje um exame maior do que o aplicado na China.

O segundo engano foi comemorar o suposto fim do vestibular como algo muito bom. Afinal, será que isso é uma boa coisa? E será viável?

Hoje, ficam de fora 99% dos inscritos na Medicina USP. Haveria o fim do vestibular apenas se a faculdade criasse vagas para seus 15 mil candidatos e os admitisse sem seleção. É óbvio que isso não é razoável.

Desde 1911, o Brasil pratica a seleção por meio de exames. Mas essa não foi sempre a única forma de seleção. No Brasil Imperial a indicação de quem ocuparia as vagas era privilégio de poucos. Contava a origem do candidato, não seus conhecimentos.

A seleção por privilégios não existe mais aqui, mas é encontrada na Inglaterra, onde filhos da nobreza têm acesso por privilégio às melhores escolas superiores. Nos EUA, vagas abrem-se a grandes doadores de dinheiro – sem qualquer outra seleção.

Há um mito de que a seleção nos EUA seria mais criteriosa por utilizar o currículo escolar do aluno. Sim, lá existe a tradição de avaliar o currículo do candidato, o que é feito em sigilo por uma comissão seletora de poder imenso e transparência mínima. Imagine isso feito aqui!

E tem mais, nas escolas superiores mais prestigiadas, com muito mais candidatos do que vagas, há exigência – com grande peso – das notas em exames nacionais como o SAT (semelhante a nosso ENEM).

Por outro lado, a seleção aberta adotada no Brasil é praticada em muitos outros países. China, Japão e Coréia do Sul, países que segundo avaliações da Unesco exibem os mais elevados padrões educacionais no mundo, realizam exames vestibulares duros, concorridos e com currículo vasto.

É fato que o vestibular exigente acaba premiando quem traz formação mais ampla e sólida de sua educação básica. A consequência que incomoda é que acabam excluídos muitos estudantes de escola básica pública, cuja educação, de forma geral, tem sérias deficiências.

Sim, há problemas na escola pública, mas certamente a culpa por tais falhas não vem do vestibular. Numa imagem consagrada, o vestibular é apenas o termômetro que indica a febre. Quebrar o termômetro não acaba com a febre.

O lado feio do processo de seleção não está no vestibular, mas no que vem antes dele, começando muitos anos atrás. A questão é corrigir os erros na educação básica pública, o que é difícil, mas não impossível.

As estatísticas do Enem demonstram que na educação pública existem escolas técnicas com desempenho acima da média de escolas privadas. Não são muitas, mas são exemplares, especialmente porque nelas se ensina e se exige.

Sem a disposição de melhorar a educação básica, o único recurso que tem sido oferecido aos jovens de escolas públicas são cotas reservadas ou bônus que aumentam suas notas. Com isso se muda a escala do termômetro, mas não se toca na febre. É preciso fazer mais.

Para melhorar a educação básica pública temos de parar de apenas nos preocupar com os estudantes depois que se formam. Devemos passar a tratar muito seriamente do ensino que se dá a esses jovens no caminho até a saída. Há muito tempo todos os setores responsáveis de nossa sociedade esperam  que essa lição de casa seja finalmente feita.

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