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Mulheres brasileiras ainda estão longe de ser Leila Diniz

Especial para o UOL

08/03/2015 06h00

Quando estava procurando o meu tema de tese de doutorado, pesquisei jornais e revistas que celebravam o Dia Internacional da Mulher. Queria escrever sobre uma mulher considerada importante para as mudanças de comportamento das brasileiras. Encontrei um mesmo nome e uma mesma fotografia: Leila Diniz de biquíni com sua famosa barriga grávida.

Nascida em Santos, e mais de uma década depois de Leila Diniz, o mito de mulher revolucionária não marcou minha infância e adolescência, só se tornando presente com minha mudança para a cidade do Rio de Janeiro.

Estudar a trajetória de Leila Diniz significou compreender como foi construído um mito, mas também entrar em contato com sua vida íntima e familiar, por meio da leitura dos seus diários e da realização de entrevistas com suas três irmãs e um irmão, tios, tias, primas e psicanalista.

Entrevistei as pessoas mais próximas de Leila Diniz para encontrar o que não era dito no material público sobre a vida da atriz. Ter acesso, por meio dos depoimentos, a um segredo familiar, algo que não era do conhecimento público, foi um momento decisivo para a construção da minha tese.

A adoção de Leila Diniz, aos dois anos, pela nova mulher de seu pai, enquanto a mãe verdadeira (biológica) estava viva, primeiro em um sanatório para se recuperar de uma tuberculose e depois morando sozinha em um apartamento em Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro, gerou uma situação extremamente tensa em sua infância.

Somente no início da adolescência Leila Diniz descobriu a existência da verdadeira mãe – momento de crise que parece ter enfrentado escrevendo um diário, saindo de casa, morando com um homem desquitado muito mais velho, buscando ajuda na psicanálise e tornando-se atriz.

Ao revelar certos aspectos da vida de Leila Diniz e silenciar outros, as narrativas existentes pareciam ter como objetivo não macular a imagem de mulher revolucionária, acreditando que tais dramas seriam incompatíveis com o mito.

No entanto, como ficou claro no decorrer da minha pesquisa, conhecer os dramas familiares ajudou a compreender o enorme esforço que Leila Diniz fez para superar o sofrimento no sentido de (re)construir a própria existência.

Opinião - Mirian Goldenberg - Reprodução/Joel Maia - Reprodução/Joel Maia
Leila Diniz de biquíni com sua famosa barriga grávida
Imagem: Reprodução/Joel Maia

Ao escolher ter um filho fora do casamento, Leila Diniz rompeu com o estigma da mãe solteira. Em 1971, sua fotografia grávida de biquíni foi estampada em inúmeros jornais e revistas. Até então, as mulheres escondiam a gravidez em batas largas, mesmo quando iam à praia.

As fotografias da barriga grávida mostraram que a maternidade sem o casamento não era vivida como um estigma a ser escondido, mas como uma escolha feliz e consciente. Leila Diniz fez uma revolução simbólica ao revelar o oculto, a sexualidade feminina vivida de forma livre e prazerosa, em uma barriga grávida ao sol.

Leila Diniz fazia e dizia o que muitas mulheres tinham o desejo de fazer e dizer. Com os inúmeros palavrões na entrevista a O Pasquim, com uma vida sexual extremamente livre, com o corpo grávido de biquíni, trouxe à luz do dia comportamentos, valores e ideias já existentes, mas que eram vividos como estigmas, proibidos ou ocultos.

Não é à toa que ela é apontada como uma precursora do feminismo no Brasil: uma feminista intuitiva que influenciou, decisivamente, as novas gerações.

Leila Diniz, ao afirmar publicamente seus comportamentos e ideias a respeito de liberdade sexual, ao recusar os modelos tradicionais de casamento e de família e ao contestar a lógica da dominação masculina, passou a personificar as radicais transformações da condição feminina que ocorreram no Brasil. Sua morte precoce em 1972, aos 27 anos, consolidou a imagem libertária que permanece até os dias de hoje. 

Leila Diniz inventou seu lugar no mundo, tornou-se palavra autorizada na música de Erasmo Carlos (“Como diz Leila Diniz...”), eternizou seu nome no poema de Drummond (“Leila para sempre Diniz”) e passou a ser adjetivo na música de Rita Lee (“Toda mulher é meio Leila Diniz”).

Afinal, era ela quem dizia: “Sou uma pessoa livre e em paz com o mundo. Conquistei a minha liberdade a duras penas, rompendo com as convenções que tolhiam meus passos. Por isso, fui muitas vezes censurada, mas nunca vacilei, sempre fui em frente. Tudo o que fiz me garantiu a paz e a tranquilidade que tenho hoje. Sou Leila Diniz, qual é o problema?”

Em uma pesquisa recente com homens e mulheres das camadas médias do Rio de Janeiro perguntei: “O que você mais inveja em um homem?”, as mulheres responderam: liberdade. Quando perguntei aos homens: “O que você mais inveja em uma mulher?”, a quase totalidade respondeu: nada.

No dia 25 de março de 2015 Leila Diniz completaria 70 anos. Será que é possível dizer que “toda mulher é meio Leila Diniz” quando as brasileiras continuam invejando a liberdade masculina? Será que a utopia feminista, com o seu desejo de liberdade e igualdade entre os gêneros, ainda está muito longe de ser realizada?

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