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Eleitor de Dilma não foi às ruas neste domingo

Especial para o UOL

15/03/2015 21h17

As manifestações de rua que temos visto na última semana contra o governo e principalmente as manifestações que ocorreram hoje, em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília, entre outras cidades, são a expressão de um fenômeno que começou em junho de 2013: a pluralização e posterior polarização da mobilização social no Brasil.

Mais de um milhão de pessoas estão se manifestando neste domingo, dia 15, e elas parecem querer coisas diferentes: alguns querem o impeachment da presidente ainda que não entendam que o impeachment no presidencialismo é um ato administrativo em punição a malfeitos; alguns expressam indignação contra a corrupção; e outros querem sinceramente que o governo melhore a sua performance, principalmente, no campo da economia.

Mas a pergunta central que merece ser feita hoje é: por que a classe média está se mobilizando e por que ela está polarizando a sociedade brasileira?

Desde junho de 2013 estamos vendo uma ativação da mobilização de classe média no Brasil. As manifestações de então foram um divisor de águas na política brasileira. Convocadas inicialmente pelo Movimento Passe Livre elas cumpriram o papel de reabrir o campo da mobilização social no Brasil.

Se tomarmos os dados dos institutos de pesquisa sobre as manifestações de junho, foi a classe média quem delas participou, já que 43% dos manifestantes tinham ensino superior completo e 23% deles tinham renda superior a 10 salários mínimos, perfazendo um perfil típico de classe média.

Foi esta classe média, especialmente o seu setor de renda mais alta, que derrotou Dilma nas principais capitais do Sudeste, nos dois turnos da eleição – se tomamos os dados da pesquisa Datafolha de 10 de Outubro do ano passado que mostrou apoio de 67% ao candidato da oposição Aécio Neves por parte da classe média alta.

É essa mesma classe média que se manifestou hoje, a se julgar pelos locais e pelas cidades onde as manifestações ocorreram. Os protestos ocorreram em Copacabana, na praça da Liberdade, em BH, e na Esplanada, em Brasília, com forte presença dos atores acima mencionados.

Ou seja, a classe média brasileira está se manifestando e ocupando o espaço do protesto social, um fato a princípio positivo. No entanto, a pluralização da participação social está se tornando rapidamente uma polarização da participação social, e esse fato é preocupante para todos os que prezam a democracia no Brasil.

Há claramente uma agenda negativa nas manifestações da classe média. Esta agenda implica em se manifestar contra setores da população brasileira, ou contra parte do eleitorado ou contra a maior parte das instituições em especial, a presidente.

Opinião - Avritzer - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Multidão protesta contra o governo na avenida Paulista, em Sâo Paulo
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Não tenho dúvidas que a presidente cometeu erros nos primeiros sessenta dias do seu governo, principalmente por não ter pactuado, comunicado ou negociado com os seus apoiadores e eleitores a mudança na política econômica. Apesar de ter anunciado, ainda durante a campanha eleitoral, a saída de seu ministro da Fazenda, Dilma não sinalizou para o seu eleitorado a mudança de curso na política econômica, algo feito quase imediatamente depois da vitória.

Concentração da insatisfação

Ao deixar de fazê-lo, ela tornou insatisfeitos os seus apoiadores e não conseguiu atrair os seus opositores, como ficou bastante claro hoje. Assim, a população brasileira tem fortes motivos para estar insatisfeita, mas ainda assim cabem três perguntas que podem nos ajudar a calibrar a relação entre os erros da presidente e os objetivos dos manifestantes.

A primeira pergunta é: qual é o perfil dos manifestantes que foram a rua hoje? A segunda é se foi o eleitor da Dilma quem se manifestou hoje.  E a terceira é se as manifestações e a insatisfação em relação ao governo justificam um pedido de impeachment.

Ainda é cedo para avaliar quem foi as ruas no Brasil hoje, mas é possível fazer duas observações. A primeira é que, apesar de existir uma insatisfação ampla com a presidente, existe claramente um polo de concentração desta insatisfação no Estado e na cidade de São Paulo.

O tamanho das manifestações ficou entre 20 mil a 50 mil pessoas nas principais cidades do Sudeste e em Curitiba, mas elas adquiriram uma dimensão diferente na cidade de São Paulo, onde 1 milhão de pessoas segundo a PM  (210 mil segundo o Datafolha) se manifestaram, e no interior do Estado.

Desde 2013, há uma indisposição em relação ao governo e ao Partido dos Trabalhadores que se acentuou na cidade de São Paulo durante as eleições e continua até hoje. Esta intensidade de opinião negativa contra o governo atingiu o seu auge hoje, mas ela não se expressa da mesma maneira nas outras capitais do Sudeste, como Belo Horizonte e o Rio de Janeiro, onde as manifestações foram significativamente menores e não alcançaram 1% do eleitorado.

A segunda resposta é: parece não haver nenhuma evidência que o eleitor da presidente Dilma no último dia 26 de outubro tenha se manifestado neste domingo. Pelo perfil do manifestante de classe média que foi possível perceber nas manifestações, pelas regiões das cidades onde houve manifestações e pela concentração regional em São Paulo, todas as evidências indicam que o eleitor da Dilma não se manifestou.

As manifestações foram também muito pequenas nas principais capitais do Nordeste, como Salvador, Recife e Fortaleza, onde a presidente venceu as eleições com folga. Assim, sem diminuir a importância das manifestações, cabe ressaltar que elas são de uma classe média insatisfeita com o governo – centrada em São Paulo que votou majoritariamente na oposição. Nesse sentido, elas foram a manifestação de uma parte da sociedade brasileira. 

A resposta para a terceira pergunta é a mais importante já que os manifestantes de hoje não apresentaram ao país nenhuma agenda. Eles querem a saída da presidente. Obviamente que não há nenhuma justificativa para o impeachment porque ele seria uma ruptura institucional que mudaria as regras do presidencialismo brasileiro, na medida em que poria na ordem do dia o impedimento de qualquer presidente mal avaliado daqui em diante.

Alguns países, como a Venezuela ou o Equador, introduziram essa lógica na sua democracia e ela se mostrou altamente perversa, porque se o impeachment pode ser um instrumento de oposição, ele passa a fazer parte do jogo político ou da política normal, o que é deletério para a democracia.

Como pensar então a democracia e a política brasileira após as manifestações deste domingo? Na minha opinião, é urgente uma agenda positiva por parte do governo, da oposição e dos manifestantes.

No caso do governo, a presidente precisa utilizar urgentemente dos instrumentos públicos que o governo tem, principalmente, o CDES – conhecido como “conselhão” – para comunicar e pactuar tanto com a sua base, mas também com a maior parte do empresariado, as mudanças na economia.

Ampliar a base social de apoio para estas mudanças e pactuar os seus principais elementos e os seus limites temporais parecem ser os principais desafio do governo hoje.

No caso da oposição e dos manifestantes, eles estão no dever de propor uma agenda institucional de mudanças que esteja centrada no combate à corrupção, que é uma necessidade e em uma preocupação com a melhoria da qualidade do sistema político.

A alternativa a uma agenda positiva é uma agenda de escalada das mobilizações pelos diferentes atores políticos que poderá jogar a democracia brasileira em uma dinâmica de desinstitucionalização muito perigosa. Este não é um presente que a democracia brasileira mereça no dia em que a retirada dos militares e a devolução do poder aos civis completou 30 anos.

 
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