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Universidades precisam se adaptar à geração com deficiência cognitiva

Especial para o UOL

29/03/2015 06h00

Durante impressionantes 28 anos, pesquisadores da Universidade da Califórnia acompanharam o desempenho acadêmico de um grupo de indivíduos, desde a infância até a maturidade. Queriam saber, no que se refere ao desenvolvimento da capacidade cognitiva na fase adulta, se adianta as mães lerem histórias para suas crianças.

Conclusão: adianta, e muito, segundo os resultados que foram publicados em janeiro desse ano na revista "Parenting: Science and Practice". Em abordagem semelhante, pesquisadores da Universidade de Nova Jersey fizeram a revisão de 38 trabalhos de também longo prazo e a conclusão foi a mesma, a educação na tenra idade produz resultados longos e persistentes para a vida toda.

Para os nossos lados, a história é a mesma. Pesquisadores da USP demonstraram que a nota que um aluno obtém no Enem depende muito mais (80%) da renda familiar, da escolaridade dos pais e de outros fatores socioeconômicos, do que do trabalho das escolas propriamente dito (20%).

E não é apenas no que se refere ao desenvolvimento da capacidade cognitiva na fase adulta. De acordo com o Ounce of Prevention Fund, que cuida de milhares de crianças desamparadas nos EUA, aqueles que não recebem educação de qualidade na infância têm 20% mais chance de abandonar os estudos, 40% mais chance de serem pais/mães adolescentes, 50% mais chance de necessitarem de educação especial e 70% mais chance de serem presos por crimes violentos.

Dessa forma, não há como tratar de políticas públicas de educação sem considerar uma grande gama de aspectos, dentre os quais os pais desempenham um papel fundamental.

Crianças que crescem em lares com pais de baixa escolaridade terão mais dificuldade para aprender quando adultos, se comparadas com crianças de lares com maior riqueza na qualidade dos diálogos domésticos.

Temos, assim, um perverso círculo vicioso: o desempenho acadêmico médio das crianças brasileiras é pífio, quando comparado com outros países, em grande parte por que elas possuem pais com baixa escolaridade.

Dessa forma, a chance dessas crianças não completarem uma faculdade é grande e, por consequência, seus filhos também não se desenvolverão, perpetuando o problema.

Acesso ao ensino superior

O ensino superior precisa, portanto, ser analisado por uma nova perspectiva. Hoje, milhares de alunos chegam às portas da universidade com sérias deficiências cognitivas: sabem ler, mas não conseguem abstrair textos mais densos; sabem fazer contas, mas falham em operações mais complexas como soma de frações.

Esse fenômeno nada mais é que a consequência de uma limitação em sua capacidade de aprender, decorrente do processo descrito anteriormente. Todavia, se for limitado o acesso desses jovens ao ensino superior, seus filhos serão condenados a repetir o problema.

As universidades brasileiras precisam se reinventar. Desde sua origem, foram criadas para educar os filhos da elite, para que continuem sendo elite. Afinal, como jovens que tiveram sua infância desprovida de sofisticação intelectual poderão disputar, em igualdade de condições, o acesso ao ensino superior?

É necessário, assim, que revejam suas políticas pedagógicas e desenvolvam metodologias para atender a uma geração que possui deficiências cognitivas de difícil solução. Não se trata somente de formar profissionais para o mercado de trabalho. Trata-se de formar bons pais, para que seus filhos, ou talvez seus netos, tenham mais chances.

Políticas públicas em educação precisam ser pensadas na perspectiva de décadas, não de anos. Nessa hora, todos precisam estar juntos: instituições públicas, instituições privadas, governo, empresários, trabalhadores, movimentos sociais, todos em torno de um único propósito: ampliar o acesso ao ensino superior, como estratégia de formar os pais da geração que herdará de nós esse país.

Cada centavo economizado em educação, na lógica de fechar a conta do ano, irá se transformar em uma enorme dívida que, cedo ou tarde, terá que ser honrada.

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