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Discurso do governo sobre a corrupção baseia-se em falácias

Especial para o UOL

17/05/2015 06h00

Se há algo que me chamou a atenção ultimamente foi a alusão mais do que esporádica, na mídia chapa-branca, à presença de neonazistas nas manifestações populares de março e abril. Exatamente o mesmo tipo de falácia que foi produzido pelos chamados “blogs sujos” para tentar diminuir a importância das manifestações de junho de 2013.

Não se trata de algo novo. Quem primeiro identificou os benefícios da estratégia de, na falta de argumentos consistentes, virar o jogo colocando Adolf Hitler na história ou vinculando o oponente a ele, foi o filósofo político Leo Strauss, nos anos 50 do século passado. O "reductio ad Hitlerum" é, a meu ver, apenas uma das manifestações do uso sistemático da falácia como estratégia de propaganda do grupo político que está hoje no poder.

A capacidade dessa gente de usar artifícios enganosos com aparência de verdade chega ao cúmulo dos marqueteiros acreditarem que as pessoas vão se deixar convencer - e o mais incrível é que alguns se deixam de fato convencer - por alegações típicas do raciocínio transdutivo, próprio das crianças. Um exemplo sempre lembrado desse tipo de raciocínio é a dedução simplista de que se o sol é amarelo e o mel também, então o sol é feito de mel.

Nesse sentido, o fato da presidente Dilma Rousseff não ser corrupta, combinado com o fato de que a Polícia Federal fez nos últimos anos inúmeras operações de combate à corrupção, só permite um tipo de conclusão: foi a presidente quem mandou fazer as operações. Temos aqui a afirmação do consequente, um tipo clássico de falácia formal.

Valendo-me de um exemplo parecido, quando Lula disse que o seu partido foi o que mais combateu a corrupção - uma vez que no governo do PT foram realizadas mais operações policiais de combate a esse tipo de crime do que em governos passados -, o ex-presidente recorre ao instituto da falácia do franco-atirador.

Esse tipo de falácia surge quando uma informação que não tem relação alguma com outra é maquiada até o ponto em que pareça ter sentido. O curioso nome vem do exemplo de alguém que, querendo se autoproclamar um franco-atirador - ou seja um especialista em tiro de precisão -, atira a esmo em um celeiro e depois posiciona o centro de alvos em forma de disco em cada um dos tiros dados.

A falácia, olhada sob o ponto de vista da lógica, consiste em argumentar com base num raciocínio pobre ou inválido. Por exemplo, atacar o instituto da delação premiada e deixar a questão da corrupção intencionalmente para um segundo plano.

O candidato tucano na última corrida presidencial sentiu na pele o poder da desconstrução falaciosa do seu discurso, depois de ter dito que iria “tomar as medidas necessárias para que o Brasil retome o ritmo de crescimento”. O sentido de sua frase foi intencionalmente exagerado e, pior, mudado pela candidatura oficialista, para dar a entender que ele se referia a arrocho salarial e a um futuro com alta taxa de desemprego.

A estratégia aqui é o debatedor se esquivar de combater os argumentos contrários, ao mesmo tempo que dá a eles uma interpretação que os torna mais vulneráveis a um contra-ataque. Como esse tipo de argumento se baseia numa falsa imitação da realidade, algo que o espantalho o é, acabou ganhando o nome de falácia do homem de palha.

No momento em que a presidente Dilma disse que tomou a iniciativa de demitir um certo diretor da Petrobras - na verdade, o tal diretor, já tendo amealhado uma fortuna, decidiu largar o emprego -, o que vemos é o recurso à falácia da direção incorreta. É uma estratégia parecida com a que a indústria do tabaco usou no passado, ao sustentar que a estreita conexão entre o cigarro e o câncer provém não de uma relação de causa e efeito, mas do fato de que as pessoas com câncer aliviam a sua dor fumando!

A falácia por associação é um expediente que vem sendo usado rotineiramente. O estratagema é atribuir certas qualidades de um indivíduo a todo o grupo. Nessa lógica, se há oposicionistas que foram mencionados no escândalo do petrolão, mesmo que sejam apenas dois ou três, então toda a oposição é corrupta. Esse é também um bom exemplo de generalização apressada.

Mas talvez o caso mais bem sucedido do uso dessas táticas retóricas questionáveis tenha sido o temor que foi incutido na população mais pobre de que a vitória tucana nas eleições presidenciais de outubro do ano passado significaria o fim do Bolsa Família. Aqui o que vemos é a percepção exata, por parte do marketing da campanha vencedora, do poder do negacionismo grupal.

Para o jornalista americano Michael Specter, essa espécie de negacionismo se observa quando “todo um segmento da sociedade, frequentemente lutando contra o trauma da mudança, dá as costas para a realidade em favor de uma mentira mais confortável”.

Afinal, como disse um dia Joseph Goebbels, o eloquente e falacioso ministro da propaganda de Hitler, “se você contar uma mentira grande o suficiente e a ficar repetindo, as pessoas vão eventualmente acreditar nela”.

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