País arrisca se contradizer com acordos de desmatamento zero
Em meio a turbulências políticas e econômicas, Dilma enfrenta, nos próximos dias, um importante teste de coerência. Se for capaz de superá-lo adequadamente, o povo, a economia, o meio ambiente e, por tabela, o seu próprio governo saem ganhando. Se não for, todos perdem.
Hoje, a ONU lança os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), uma importante agenda global com 17 objetivos compostos por 169 metas que visam acabar com a pobreza, reduzir desigualdades e superar diversos problemas ambientais até 2030. Os ODS, frutos de um longo processo de consultas e negociações entre países, vêm para substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio como principal guia internacional de esforços pelo desenvolvimento e pela sustentabilidade.
O Brasil foi um importante ator nas negociações dos ODS. O evento de lançamento dos novos objetivos foi apenas uma formalidade, visto que já existe consenso entre os países-membros da ONU sobre seu conteúdo. Contudo, uma análise do que está sendo prometido mostra que o governo Dilma precisa mudar rapidamente de postura se não quiser cair em contradição.
Um dos elementos que mais salta aos olhos nos ODS é a muito bem-vinda meta de zerar qualquer forma de desmatamento até 2020. Acontece que o governo brasileiro tem sido bem menos ambicioso em um outro processo de negociação da ONU –focado no tema de mudanças climáticas– que também deve gerar um novo acordo global durante a conferência COP 21, no final do ano. Em conversas preparatórias, o governo tem se comprometido a acabar apenas com o desmatamento ilegal, e só em 2030. Nos próximos dias, Dilma oficializará junto à ONU o compromisso do Brasil para a COP 21 e, para mostrar seriedade, deve no mínimo igualar o prometido nos ODS.
Outras metas importantes definidas nos ODS são a de expandir a participação de energias renováveis e a de revisar subsídios ineficientes a combustíveis fósseis, como o petróleo, que contribuem para o aquecimento global. Seria mais ambicioso e mais adequado estipular claramente uma data para chegarmos a 100% de energias renováveis, mas, ainda assim, aponta-se na direção certa.
Contudo, na prática, o Brasil caminha na contramão: 70% dos investimentos em energia previstos para os próximos dez anos vão justamente para os combustíveis fósseis e, no âmbito das negociações de mudanças climáticas, o que o governo tem indicado em conversas preliminares é manter a mesma participação de renováveis na matriz energética de hoje até 2030.
Zerar a perda de biodiversidade, dobrar a produção e renda de pequenos agricultores garantindo a eles acesso igualitário à terra, promover políticas de compras públicas sustentáveis, garantir acesso universal à água e ao saneamento, além de garantir a todos transporte seguro, acessível e sustentável são mais algumas das metas estabelecidas nos ODS.
Todas exigirão do governo um comprometimento com questões socioambientais muito maior do que temos visto nos últimos anos e os ODS trazem consigo um consenso global em torno da importância desse comprometimento para o desenvolvimento sustentado e sustentável. Cabe destacar a profunda relação entre os desafios que se busca superar com as novas metas e várias das crises que atualmente afetam o Brasil, como a hídrica e a energética –temas também associados às mudanças climáticas.
Em poucos dias, saberemos se o governo mostrará a mesma consistência dos ODS nas promessas apresentadas à COP 21, tendo em vista que ambos processos tratam de assuntos em comum. Se as promessas forem divergentes, teremos dois cenários possíveis: ou algo será assinado e não cumprido, ou o governo se empenhará em embalar o conteúdo mais fraco das promessas da COP em um discurso bonito, tentando fazer com que tudo pareça a mesma coisa. Dilma tem uma grande chance de fazer a coisa certa, apesar de seu histórico na área deixar poucas esperanças. Vamos ver se a presidente decide começar a acertar.
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