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Conversas na Crise - Depois do Futuro

Ciclo de debates promovido pelo idEA e pelo UOL


Berardi: Bolsonaro e Trump refletem fascismo produzido pelo neoliberalismo

Janaina Garcia

Colaboração para o UOL

19/08/2020 18h39

A "psicose agressiva" supostamente adotada no estilo de governar por políticos como os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos Estados Unidos, Donald Trump, são a demonstração de que o fascismo retorna como uma espécie de "monstro" produzido por sistemas neoliberais - os quais apregoam liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia.

A avaliação é do professor, escritor e ativista italiano Franco Berardi, convidado da semana no ciclo "Conversas na Crise - Depois do Futuro", organizado pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp em parceria com o UOL. Conduzido pelo jornalista Paulo Markun, o programa exibido nesta quarta-feira (19) teve a participação de Rafael Evangelista, pesquisador da Unicamp, e Leonardo Sakamoto, colunista do UOL.

A declaração do estudioso foi a resposta dele aos movimentos autoritários vistos atualmente em diferentes partes do globo e sobre a possibilidade de ele ver alguma relação entre neoliberalismo e neofuturismo - o qual, para Berardi, é representado pelas ideias de inteligência artificial e fusão completa entre homem, máquina e rede, sobretudo em um contexto de domínio pelas gigantes de tecnologia do Vale do Silício.

De acordo com o ativista, o neoliberalismo "começa dia 11 de setembro de 1973 por meio do golpe de Estado nazista financiado, liderado pelos teóricos do neoliberalismo". Ele se refere a um grupo de economistas responsáveis pela formulação da política econômica da ditadura chilena de Augusto Pinochet (1973-1990), instaurada nessa mesma data, com base na ideologia de Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago.

"O neoliberalismo é um processo genocida muito mais amplo do que o nazismo foi percebido", avaliou, para completar: "O neoliberalismo produziu monstros que estão se rebelando contra o próprio neoliberalismo, mas seguem sendo sua continuação. A psicose agressiva dos indivíduos como Jair Bolsonaro ou Donald Trump é a demonstração do fato de que o fascismo volta como o monstro produzido pelo neoliberalismo", enfatizou.

A "monstruosidade neoliberal" representada pelos dois chefes de Estado, prossegue o ativista, dizem respeito a uma ideia de "supremacia branca temente" e uma "racional algorítmica e tecno-financeira", formas que, prossegue, "estão se agarrando uma à outra".

"E não é uma ficção, é uma guerra profunda que se desenrola, neste momento, através das armas, da política, da saúde, da sanidade. O extermínio da saúde programado pelo Trump e pelo Bolsonaro é uma prova, mas amanhã continuará através da guerra civil, por exemplo, nos Estados Unidos, onde eu acredito que a guerra civil já tenha nascido por meio da própria aparelhagem do Estado e dentro da sociedade."

Por outro lado, o estudioso disse não considerar que caiba aos intelectuais, "como política esquerda", o papel de "intervir" nesse processo.

"Eu não sinto que tenho a tarefa de defender a democracia. Não é nossa tarefa. Nossa tarefa é a de encontrar um caminho que vá permitir durante a após essa guerra devastadora inventar novas formas de organização comunitária e social", definiu.

Atos nos EUA e no Líbano: "reação raivosa de um corpo estrangulado"

Berardi também comentou as manifestações realizadas em diferentes cidades pelo mundo, que acontecem mesmo no período da pandemia. Nos Estados Unidos, por exemplo, elas se insurgiram ao assassinato, pelas mãos de um policial branco, do homem negro George Floyd; em Beirute, no Líbano, elas protestaram contra uma crise política e econômica dias depois da explosão que deixou quase 200 mortos, mais de 6 mil feridos e outros 300 mil desabrigados na capital libanesa.

No entendimento do escritor e ativista, atos como os nas cidades americanas e em Beirute, a exemplo de protestos populares em Hong Kong, Barcelona, Paris e Quito, por exemplo, no final do ano passado, compostos por "milhões de jovens, não pequenas multidões", não foram uma revolução, mas "uma convulsão, um movimento convulsivo de um corpo coletivo que já havia por tempo demais sido comprimido".

"Era uma reação raivosa de um corpo estrangulado", analisou. "Eu me identifico politicamente com a insurreição psicótica que está acontecendo em vários locais da Terra. Não porque haja uma estratégia; não há. Mas sim porque é uma reativação do corpo coletivo, da solidariedade, da empatia, do afeto, do compartilhamento", observou. "Não acredito que haverá jamais uma revolução capaz de transformar o todo da sociedade, mas que haverá comunidades autônomas que vão se libertar, que vão sair, que vão instituir redes de sobrevivência, de solidariedade, de troca, de afetividade. A subjetividade foi reconhecida na política durante a época moderna", avaliou.

Biografia

Franco Berardié graduado em Estética pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Bolonha, de modo que suas publicações têm como foco o papel da mídia e da tecnologia de informação no capitalismo pós-industrial. Militante desde a adolescência, Berardi passou pela Juventude Comunista, se destacou no Potere Operaio, durante o Maio de 1968, e atuou no movimento anarcossindicalista italiano nos anos 1970.

Entre outras atividades, fundou a revista A/traverso (1975-1981) e fez parte da equipe da Rádio Alice (1976-1978), primeira rádio livre da Itália. Ao lado de Antonio Negri e de outros intelectuais envolvidos no Movimento Autonomista italiano, exilou-se em Paris.

Em 2002, criou a Orfeo TV, a primeira TV comunitária italiana. Foi professor de Teoria da Mídia na Accademia di Belle Arti, em Milão, no Programa d'Estudis Independents, em Barcelona, e no Institute for Doctoral Studies in Visual Arts, nos Estados Unidos. Em 2019, Franco Berardi lançou pela Ubu Editora a obra "Depois do Futuro" no Brasil, publicada originalmente em 2009. Em 2020, dois de seus ensaios mais recentes, "Insurreição" e "Respiração", de 2011 e 2018, respectivamente, foram compilados no livro "Asfixia - capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem", da mesma editora.