Patrimônio fantasma

Prédios históricos são deixados para trás por conta do afundamento de bairros pela mineração em Maceió

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió Beto Macário/UOL

Prédios históricos que fazem parte da paisagem urbana de Maceió estão abandonados em uma área fantasma. Eles são só alguns dos 17 mil imóveis atingidos pelo afundamento em cinco bairros causados pela mineração de sal-gema da Braskem ao longo de mais de quatro décadas e foram —ou estão sendo— desocupados.

Ao todo, segundo a prefeitura, 64 mil pessoas viviam na área do mapa de risco e deixaram ou ainda estão prestes a deixar sua residência ou negócio para recomeçarem a vida em outras localidades.

Os bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol foram afetados com uma série de afundamentos, que provocaram rachaduras em casas e prédios e justificaram a mudança forçada do local. Dezenas de vias foram desativadas.

Ainda não se sabe o que será feito com a área hoje abandonada, que pode até virar floresta.

MPF pede lista de prédios afetados

A preocupação com prédios que marcam a história alagoana já está em pauta. No último dia 22, o MPF (Ministério Público Federal) de Alagoas pediu para que a Braskem, em um prazo de dez dias, apresentasse uma lista de imóveis de interesse histórico situados nas áreas afetadas (veja as legendas e fotos deste especial em álbum ao final da reportagem).

"A força-tarefa do MPF requisita ainda que a Braskem indique um prazo razoável dentro do qual a empresa estará apta a apresentar um plano de registro físico de edifícios e de conjuntos históricos urbanos, inclusive com escaneamento a laser como forma de garantir o direito à memória", afirma o órgão em nota.

A recomendação, assinada pelas procuradoras da República Júlia Cadete, Juliana Câmara, Niedja Kaspary e Roberta Bomfim, requisita ainda que a empresa apresente um "plano de reforço estrutural preventivo, inclusive apontando as medidas de caráter emergencial necessárias para resguardar a estrutura desses imóveis históricos, tendo em vista a severidade da estação chuvosa que vem assolando a capital alagoana".

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Levantamento da prefeitura

O tema é também foco da Prefeitura de Maceió. Segundo Márcio Penteado, assessor técnico do GGI (Gabinete de Gestão Integrada) dos Bairros, o município ainda está fazendo um levantamento preciso desses prédios nos bairros afetados.

"A gente está contando com uma arquiteta, que tem especialidade nisso, e vai nos dar uma consultoria. Ela está fazendo uma análise do que é considerado histórico. A ideia é que eles não sejam destruídos", aponta.

A prefeitura fez um levantamento inicial de 20 endereços —alguns com mais de uma edificação— e enviou ao MPF para ajudar na identificação desses imóveis históricos. "São equipamentos classificados como históricos, mas não só grandes equipamentos, também conjuntos de casa, vila operária, que também foram comparados. Mas, por enquanto, a gente não quer tornar essa lista pública", explica.

Ainda segundo Penteado, a definição do que será feito com os prédios depende da resolução da área afundada. "São muitos fatores ligados a esse bairros. Precisamos ter a certeza da estabilização do solo para ver o que pode e o que não pode se fazer. Mas é certo que existe uma preocupação para garantir a proteção desses patrimônio histórico", diz.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Igreja puxa tombamento

O primeiro local que começou uma campanha pelo tombamento foi da Igreja Batista do Pinheiro.

O templo está ativo há 51 anos, mas as celebrações devem ser realocadas em breve após a inclusão do prédio no novo mapa de risco.

O pedido oficial de tombamento ao governo do estado foi feito em 29 de março. Conhecida como uma igreja inclusiva, a motivação de lutar pelo tombamento do templo da igreja, diz, "é mais do que manter paredes de pé".

"O que de fato queremos manter, com respaldo dos movimentos sociais e várias entidades de Alagoas e de fora, é manter a memória da resistência, a memória da inclusão, a memória da luta, de um evangelho pleno, que faz alianças com os mais empobrecidos, em vez de se dobrar a agenda poder fundamentalista que fecha os olhos a fome", diz o pastor Wellington Santos.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Berço cultural

Dentre os bairros afetados, o Bebedouro é o que guarda o maior patrimônio histórico, um dos berços culturais da capital alagoana. O bairro tem registros de quase 200 anos. A estrada de Bebedouro, por exemplo, data dos anos 1840, quando já havia relatos de movimentação e edificações no local.

Segundo o jornalista e pesquisador Jair Barbosa Pimentel, o bairro já foi o preferido da elite alagoana. "Eles construíam seus casarões na rua principal, próximo à lagoa Mundaú e a linha férrea", diz em texto sobre o bairro, que guarda relíquias como a Igreja de Santo Antônio.

"Foi o comendador Jacintho Nunes Leite quem importou de Portugal os azulejos que adornam a matriz de Bebedouro, sob a invocação de Santo Antônio."

Outro ponto histórico é a Estação Ferroviária, que remete ainda à época dos bondes que circulavam na capital alagoana. Há ainda no bairro a casa onde nasceu e cresceu a psiquiatra alagoana Nise da Silveira.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Monitoramento pela mineradora

Em nota enviada ao UOL, a Braskem informou que está realizando estudos para traçar um diagnóstico da situação dos imóveis que compõem o patrimônio histórico material e imaterial dos bairros afetados.

"A partir desse diagnóstico, as ações serão definidas junto às autoridades e por meio de escuta pública, conforme prevê o acordo firmado com o Ministério Público Federal relacionado aos impactos ambientais, sociais e urbanísticos na região", diz.

Ainda segundo o texto, no momento os imóveis estão sendo monitorados e "passam por serviços de manutenção, quando necessário".

Topo