Topo

Tomo a pílula do câncer como suplemento desde 2005, diz detentor de patente

A "pílula do câncer" é alvo de polêmica - Cecília Bastos/USP Imagens
A "pílula do câncer" é alvo de polêmica Imagem: Cecília Bastos/USP Imagens

Em São Paulo

26/03/2016 18h05

Doutor em biotecnologia, o pesquisador Marcos Vinícius de Almeida é um dos detentores da patente da fosfoetanolamina sintética, a "pílula do câncer", que voltou aos holofotes nesta semana após o Senado aprovar o Projeto de Lei que libera o uso da substância. Desenvolvida pelo professor aposentado Gilberto Chierice, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) São Carlos, a substância não tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para ser usada como medicamento e também não foi ainda testada em seres humanos.

Professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Almeida afirma que também toma a substância desde 2005, mas não contra o câncer. Diz ainda que vai realizar estudos e que não descarta a possibilidade de o grupo detentor lançá-la como um suplemento, caso são seja liberada como medicamento. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como o senhor recebeu a notícia da liberação da fosfoetanolamina pelo Senado?

Na realidade, foi uma surpresa. A gente não esperava que a aprovação fosse se dar com facilidade, uma vez que tinha de ter a aprovação da Anvisa como medicamento e com a divulgação daquele relatório que foi lançado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia.

O relatório do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) não apontou resultados positivos nos testes in vitro, pois a fosfoetanolamina não apresentou atividade anticancerígena. Na sua opinião, por que isso aconteceu?

Nesse resultado, já esperava que algo pudesse vir com algum viés de informação, que foi o que aconteceu com as dosagens que eles usaram.

O senhor poderia explicar melhor?

Cápsulas, da forma que foram entregues, não têm como funcionar em um sistema in vitro, porque elas precisariam ser metabolizadas, sobretudo o processo de metabolização no fígado e, aí sim, depois, elas teriam algum princípio de eficácia. O pior problema foi a concentração utilizada pelo estudo. O professor Durvanei (Augusto Maria, pesquisador que faz parte do grupo que tem a patente da fosfoetanolamina) e seus alunos detectaram que a eficácia do produto in vitro se dá com uma concentração cem vezes maior do que a que foi utilizada. Então, é óbvio que não iria funcionar.

Já estou até te cantando a bola. Se utilizarem a mesma concentração nos testes in vivo, não vão ter resultado, não vai funcionar. Não importa que façam em ratos ou grandes animais, não vai funcionar nessa concentração. Temos confirmação, por meio de relatos, que é com a maior quantidade do produto que a gente acaba encontrando a eficácia e o efeito da substância para alguns tipos de câncer. Reafirmo que nós não sabemos ainda para quais tipos de câncer ela atua, nem a porcentagem de atuação. [Não sabemos] Quanto ela cura, se ela cura, se ela diminui ou se só estaciona. Nunca falei que é uma cura para o câncer ou uma cura milagrosa, pelo contrário, tenho de ver o resultado pronto e com um estudo que seja feito com imparcialidade científica.

Havia a informação de que as cápsulas continham fosfoetanolamina pura, mas os testes apontaram a presença de outras substâncias. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Sempre deixei muito claro que, dentro das cápsulas, não havia fosfoetanolamina pura. A própria patente descreve que não é fosfoetanolamina pura. No momento em que eu agrego cálcio, zinco e fósforo, tenho um complexo de fosfoetanolamina. Se somente a fosfoetanolamina desse o efeito, era só comprar e teria um efeito. Não foi a evidência que a gente encontrou.

O senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff vai sancionar o Projeto de Lei aprovado no Senado?

Eu acredito que a presidente vai vetar. É quase certo isso. Ela não sanciona.

Por quê? A pesquisa conduzida pelo MCTI poderia interferir na decisão?

Eu não sei. Acho que é possível a liberação de outros medicamentos por uma jurisprudência. Em nenhum momento eu achei que o papel da Anvisa não é fundamental e que o marco regulatório dos medicamentos não seja fundamental no país. Temos de ter regulação e evidências.

O que é importante deixar claro é que estamos lidando com um composto que não apresenta toxidade alguma. É inóquo do ponto de vista de toxidade. Se não causa mal nenhum, por que não pode liberar esse composto para um paciente? Não é nem por ser uma promessa de cura, mas vamos supor que um paciente esteja em estado terminal e só tenha acesso a esse produto como a última esperança e ele não cause mal e exista um viés que ele pode curar uma pessoa. Vamos tirar da pessoa esse acesso e deixá-la morrer? É um direito de cidadão.

Eu não quero ver um Estado controlando, [dizendo] que eu não posso tomar substâncias que não são tóxicas, uma vez que o cigarro, o álcool, que são substâncias reconhecidamente tóxicas têm liberação e eu não preciso de aprovação alguma nem de termo de responsabilidade para poder consumir. É um contrassenso permitir a liberação do cigarro, que é altamente nocivo e causa um rombo milionário nos cofres públicos, com relação aos gastos de saúde, e não permitir que uma substância que não tem reação tóxica nenhuma seja utilizada.

O senhor acha que pílula pode ser liberada como um medicamento?

Para ser liberada como medicamento, para que ganhe status quo de cura do câncer, tem de passar por todos os níveis de aprovação, que não dependem só da comissão que foi elaborada pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia. Existe um estudo que está acontecendo paralelamente no Estado de São Paulo. Eu vou conduzir outro estudo na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, onde acabei de ser contratado, e vamos tirar essa contraprova.

Mesmo assim, estamos tentando tirar a contraprova em outros países. A gente já começou a mandar esse produto, e não é de hoje, para a Suíça, Índia, Portugal, Suécia, Estados Unidos para fazer a averiguação lá fora. Porque se isso não for aprovado no Brasil, mas algum estudo lá fora apresentar resultado, que se aprove lá fora e venha para cá como um medicamento importado.

Deixo claro também o seguinte: se nada disso for aprovado como medicamento, para nós, que somos detentores da patente, isso não influencia em nada. Nós podemos lançar esse produto como um suplemento. A relação monetária de retorno econômico até seria maior, os entraves burocráticos seriam menores. Nós tivemos o cuidado de não lançar como um suplemento antes de ter o cumprimento das terapêuticas envolvidas, pra ver se causava algum tipo de problema, se acabava tendo efeito positivo para esse ou aquele tipo de câncer, por isso, a gente nunca optou pela situação de suplemento.

O senhor acredita que é possível que a fosfoetanolamina seja lançada como um suplemento?

Eu acredito que, com o conhecimento dos estudos clínicos que serão realizados no Estado de São Paulo, a necessidade burocrática para ser lançado como suplemento, ela já tem. Não tem toxidade e já existem suplementos de fosfoetanolamina que são vendidos no mercado. Então, a gente já teria essa possibilidade. Essa é uma decisão do grupo que tem a patente. Não há dúvida de que se a gente não tiver a possibilidade de lançar como medicamento, a gente lançaria como suplemento, como foi o caminho de muitos medicamentos que a gente tem no Brasil hoje e passaram por essa situação. Primeiro, como um suplemento e, depois, com uma comprovação clínica, eles acabaram ganhando o status quo de medicamento.

Se fosse por interesse financeiro, a gente teria encurtado toda essa discussão e já teria lançado como um suplemento, já estaria no mercado e não teria criado nada disso. A polêmica gerada em torno disso não foi causada pela promessa, mas pela evidência que algumas pessoas tiveram, nem vou dizer de cura, mas pessoas que estavam literalmente desenganadas e apresentaram melhoras significativas de ganho de peso, de diminuição da dor e tivemos alguns casos de regressão total da doença. Mas vamos até a elucidação final para ver se cura ou não. A ideia primeira do Dr. Gilberto [Chierice] e ele sempre foi muito categórico é de que viria como um medicamento.

Como o senhor começou a trabalhar com a fosfoetanolamina? O senhor constatou efeito?

Eu entrei em 2001. Efetivamente, fiz a primeira publicação em 2005 no meu mestrado. O Dr. Gilberto [Chierice] começou o trabalho dele em 1990, 1991. O que nós notamos foi um efeito muito elaborado na diminuição da dor das pessoas que usavam o composto. Notamos melhoras em várias situações na qualidade de vida dos pacientes e, em alguns casos, regressão total de doenças de toda natureza: pâncreas, fígado, cérebro, pulmão. Eu não sei em relação a todos os tipos de tumores. Fazer qualquer afirmação de que ela tem efeito sobre todos os tipos seria leviano, não é um dado estatisticamente comprovado.

Alguns pacientes estão parando o tratamento convencional por acreditarem que a pílula não terá eficácia se utilizada com a quimioterapia, por exemplo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Não concordo com isso. Não é correto, porque quem conhece o estado [do paciente] é o médico. Eu não gostaria de ver a fosfoetanolamina como uma substituição dos meios convencionais. [Mas] Como substância experimental, que ela seja utilizada em pessoas que não têm mais o que fazer.

Em cultura de tecidos, foi visto que ela tem atuação com quimioterápicos. Em pacientes que estavam fazendo uso de quimioterápicos e tomando a fosfoetanolamina, diminuíam os efeitos adversos da quimioterapia, como náusea, tontura e vômito. Pelo mecanismo de ação proposto, que ainda não foi definido, não funcionaria como cura, mas como um marcador de células tumorais e o sistema imune conduziria à destruição dessa célula. Não concordo [com a paralisação do tratamento], porque qualquer interrupção do tratamento pode levar ao aumento de células tumorais.

O senhor acredita que, ao final dos testes, os pesquisadores vão chegar a um resultado positivo sobre a substância?

Eu gostaria, como ser humano, que fosse confirmado que ela atua nos mais diversos tipos de tumor e que ela tivesse um alto índice de cura. Mas tenho de esperar com cautela os resultados que vão chegar. Quando eu tiver uma convergência de evidências científicas, vou poder me posicionar.

O que o senhor diria para os pacientes que estão buscando a pílula?

Estou pedindo que as pessoas não usem a fosfofoetanolamina que não seja da USP [Universidade de São Paulo]. É uma indicação para que as pessoas não tomem outros produtos, que certamente são piratas. Pior do que ter uma doença é ter morte dolorosa ou piora do quadro. Peço que as pessoas tenham cautela com produtos que não tenham procedência garantida.

Vocês já sabiam que a substância não apresentava toxidade ou ficaram sabendo com as pesquisas do ministério?

A gente já apresentou esse resultado de toxidade, já sabíamos. Eu já tomo fosfoetanolamina desde 2005 e nunca apresentou toxidade. Fiz os testes no meu laboratório e sabia que não tinha toxidade. Temos um laudo do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica) de Botucatu de 2001 que atestava a atoxidade, mas o Ministério da Tecnologia refez todos os procedimentos.

O senhor toma a cápsula por ter câncer?

Não. Eu tomo como suplemento de cálcio, zinco e magnésio. Nunca tive um tumor, nunca tomei com essa finalidade.

E o que o senhor notou?

Na realidade, como qualquer composto com fósforo, notei uma melhora da cognição, de memória, como se fosse aqueles suplementos da década de 1980, como o antigo Fosfosol. É um uso meu, não é nada científico, mas é para garantir que, aquilo que eu estava usando, realmente não causava nenhum efeito adverso. São as mesmas cápsulas que eu fabrico para fins de pesquisa.