Topo

Ter uma vida limpa é fácil e possível, garante "Dr. Bactéria"

No mundo, 3,5 milhões de crianças menores de cinco anos morrem de diarreia todos os anos - Getty Images
No mundo, 3,5 milhões de crianças menores de cinco anos morrem de diarreia todos os anos Imagem: Getty Images

Luciana Alvarez

Do UOL, em São Paulo

05/09/2012 07h00

Ao lançar seu quinto livro, "Xô, Bactéria! – Tire suas dúvidas com o Dr. Bactéria", o biomédico Roberto Martins Figueiredo continua na sua cruzada particular para melhorar os hábitos de higiene da população. Com bom humor e apresentando números gigantescos – diz que um pano de prato úmido tem um milhão de bactérias a mais que a tampa de um vaso sanitário de banheiro público, Figueiredo não tem medo de assustar ou ser tachado de exagerado. “Tem que assustar mesmo, se não, o pessoal não faz. Tem que mostrar a realidade”, afirmou ao UOL.

Leia a seguir a entrevista com o “Dr. Bactéria”.   

UOL - Quais doenças alguém que seguir todas as suas recomendações consegue evitar?
Dr. Bactéria - Nossa, uma quantidade imensa. Imagine que, no mundo, 3,5 milhões de crianças menores de cinco anos morrem de diarreia todos os anos. Dessas, 2,1 milhões de mortes se devem à manipulação incorreta de alimentos. Não sou eu quem diz, é a Organização Mundial da Saúde. E quem dá comida para criança? Em geral são os pais; e os pais não querem matar seus filhos. Mas se estão matando é por duas razões: desconhecimento da maneira correta de manipular alimentos frente a tantas novas bactérias e também pela cabeça dura que a população tem, que mesmo sabendo qual é o jeito correto teima em fazer errado.  

UOL - Por que alguém insistiria em fazer algo que sabe ser errado?
Dr. Bactéria - São hábitos errados, que já vêm de muito tempo e as pessoas não se questionam. Por exemplo, a sua avó falou para sua mãe, que falou para você, que não pode colocar comida quente na geladeira porque estraga a geladeira. Mas pode, sim, colocar alimento quente, é só esperar esfriar um pouco, sem passar de duas horas. As mães também falam: tudo que colocar na geladeira tem que estar coberto. Na realidade, tudo tem que estar descoberto, porque a geladeira funciona pela movimentação de ar frio e você tem que dar condições desse ar frio roubar o calor do alimento. Portanto, só pode cobrir depois de duas horas.

UOL - Mas assim a geladeira não fica com cheiro? E não pode dar a chamada contaminação cruzada?
Dr. Bactéria - Para evitar cheiro, você coloca na porta um potinho com bicarbonato de sódio – nada de colocar carvão. Em termos de contaminação, não existe bactéria que sai voando de um alimento e cai para outro. Pelo tamanho de uma bactéria, para ela andar um milímetro precisaria de quase 500 anos. São os instrumentos e as nossas mãos que carregam as bactérias de um lugar para outro.

UOL - Qual é o erro mais comum das pessoas quanto à higiene? E qual é o mais perigoso?
Dr. Bactéria - Há vários. É erradíssimo lavar carne. Esse ato não tira nenhuma bactéria, apenas aumenta a quantidade de água da carne, o que faz com que as bactérias se multipliquem mais, porque elas gostam de água. Outro exemplo clássico: ninguém colocaria um produto químico não alimentício numa comida, mas as pessoas põe Super Bonder na porta da geladeira, junto com as comidas. As pessoas não se questionam; se fossem pensar direito, não fariam. O mais perigoso talvez seja deixar as sobras da comida por mais de duas horas fora da geladeira.

UOL - Depois não basta sentir o cheiro para ver se a comida ficou estragada?
Dr. Bactéria - Esse é outro hábito errado: cheirar a comida para checar se está estragada. Ninguém come comida sabendo que está estragada, mas, ainda assim, as pessoas ficam doentes. As bactérias que geram doenças não alteram as características do alimento. Não dá para sentir pelo cheiro ou pelo gosto que está contaminado. E bactérias que “estragam” comida não dão doenças: elas fazem queijos, iogurtes, salame. Pão é massa estragada, você coloca um germe para estragar a massa.  

UOL - Mas e a comida de restaurantes fica exposta por mais duas horas. Isso não faz mal?
Dr. Bactéria - Por isso que os alimentos frios precisam estar sobre uma rampa fria, em cima aqueles gelinhos. E a comida quente deve ser mantida a uma temperatura acima de 60º C, saindo vapor. Dessa forma, os alimentos duram por seis horas. E não pode existir reposição, só substituição, trocar uma bandeja por outra. Mas só 5% das doenças alimentares vêm de restaurantes, porque existe o controle da vigilância sanitária, tem sempre uma nutricionista responsável que estudou o assunto. As nossas mães, em casa, não fizeram curso nenhum.

UOL - O senhor diz que os sapatos podem trazer bactérias resistentes da rua, mas também recomenda que as crianças pequenas andem pelo chão da casa. As crianças não ficam assim vulneráveis a doenças?
Dr. Bactéria - As crianças têm que ser criadas engatinhando no chão, em contato com terra, em contato com animais, para criarem resistência. Basta colocar um capacho na entrada da casa; essa medida simples já reduz em 90% a quantidade de bactérias que você traz. Há estudos com ratos mostrando que os indivíduos criados numa espécie de redoma de vidro, com tudo esterilizado, tiveram problemas respiratórios gravíssimos na vida adulta. Os demais tiveram uma saúde perfeita.

UOL - O aumento da incidência de alergias no mundo ocidental pode estar relacionado aos melhores hábitos de higiene?
Dr. Bactéria - Talvez um pouco, mas eu indicaria mais o número de alimentos industrializados que surgiram. São comidas com corantes artificiais, odorizantes, conservantes. Também o aumento dos poluentes influencia as alergias. E ainda temos os hábitos errados. Por um lado, as pessoas sabem que é importante arejar o quarto, deixar bater sol, mas depois fecham tudo e põe um umidificador ambiental, uma toalha molhada no quarto. Não sei como há médicos que recomendam isso, está totalmente errado! Você tem que dar água para seu filho beber para aumentar a mucosidade dele. Esses outros recursos vão aumentar acima de 60% a umidade do ambiente, o que vai criar um bolor, que vai servir de alimento para os ácaros. Isso vai dar rinite e asma; o quarto tem que estar seco.

UOL - Tudo o que o senhor recomenda em seu livro é realmente necessário? Existe uma graduação de coisas absolutamente essenciais, outras nem tanto?
Dr. Bactéria - Tudo é necessário. Vou falar para você que não precisa tanto assim lavar a mão? Ou que pode deixar o alimento por mais de duas fora da geladeira? Como posso falar para uma pessoa que não precisa necessariamente trocar de escova de dente a cada dois ou três meses? São todas recomendações de hábitos higiênicos. O difícil não é fazer o que eu falo, difícil é mudar o hábito.

UOL - Na sua casa, o senhor e sua família conseguem seguir à risca todas as recomendações que faz? Tem ideia de quanto tempo por dia se leva para manter a casa como o senhor recomenda?
Dr. Bactéria - Conseguimos. Minha esposa é microbiologista. A moça que trabalha com a gente está em casa há mais de 25 anos. Então já criamos o hábito. As pessoas falam muito que se for fazer tudo que eu digo não dá para viver. Mas claro que dá! Chego em casa, em vez de colocar as frutas na fruteira, boto na geladeira. Depois, eu ia ter que lavá-las de um jeito ou de outro. Eu falo até para as pessoas não fazerem algumas coisas, como lavar carnes. Enquanto a pessoa está lavando a carne, eu já estou fritando o bife. Lavar as mãos antes e depois de usar o banheiro não me toma tanto tempo assim. É só estar com a cabeça aberta para aceitar a mudança do hábito.

UOL - Se eu for a uma festa e o aniversariante soprar uma velinha que está em cima do bolo, o que devo fazer? Deixo de comê-lo?
Dr. Bactéria - Eu não como, sinceramente. Ou então aviso antes que o certo é não soprar. Entre os meus amigos, 99% já tiram a velinha antes e sopram à parte. Se você não resistir a provar o bolo, ao menos coma um pedaço do canto e tire o glacê de cima. Assim também já engorda menos!

UOL - O senhor recomenda produtos como gluconato de clorexidina, quaternário de amônio, iodóforo. Onde a gente encontra esses produtos?
Dr. Bactéria - Vende-se tudo isso no mercado, mas eu não tenho patrocínio para falar as marcas. Faço como o  médico que dá a receita com o nome do princípio ativo, não do remédio. O gluconato de clorexidina, que é para borrifar nas escovas de dente após o uso, é o Periogard. Mas você também pode ir na farmácia de manipulação e mandar fazer. O quaternário de amônio, você pode procurar no rótulo de qualquer desinfetante que tenha na sua casa e vai estar escrito “grupo quaternário de amônio”. Os idóforos são para antissepsia das mãos, mas, sobretudo, em hospitais. Em casa você pode usar sabonetes bactericidas ou álcool gel.

UOL - O excesso de higiene pode se tornar uma doença? Como identificar quando a preocupação ultrapassou o limite da saúde?
Dr. Bactéria - Pode sim, quando em excesso. Se você lavar as mãos mais de oito vezes ao dia, a quantidade de bactérias começa a diminuir; é um hábito excelente. Se você lavar mais de 25 vezes ao dia, a quantidade de bactérias volta a aumentar, porque isso diminui a resistência natural da pele contra contaminação. Mais de 25 vezes já vira TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). De oito a 25 vezes é saudável, menos ou mais é ruim.

 

  • "As pessoas falam muito que se for fazer tudo que eu digo não dá para viver. Mas claro que dá!"