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Conferência nos EUA sobre ciência psicodélica destaca uso da ayahuasca

O uso terapêutico da ayahuasca vem ganhando espaço no mundo inteiro; estudos sugerem que o chá pode ajudar em casos de depressão e dependência  - Caio Guatelli/Folhapress - 08.10.2011
O uso terapêutico da ayahuasca vem ganhando espaço no mundo inteiro; estudos sugerem que o chá pode ajudar em casos de depressão e dependência Imagem: Caio Guatelli/Folhapress - 08.10.2011

Carlos Minuano

Do UOL, em São Paulo

20/04/2013 07h00

Ecstasy contra estresse pós-traumático, LSD para dor de cabeça, psilocibina no tratamento do tabagismo. Uma antiga utopia de hippies e alternativos sessentões se tornou realidade. Depois de décadas de perseguição, os alucinógenos estão na mira de cientistas do mundo do todo, interessados no possível potencial dessas substâncias para tratamentos diversos. Esse novo cenário é o tema da segunda edição da conferência Psychedelic Science, que começou na quinta (18), em Oakland, na Califórnia, e termina nesta segunda (22). 

A conferência reúne mais de 100 dos principais pesquisadores de 13 países, que apresentarão as descobertas mais recentes sobre os benefícios e riscos de diferentes substâncias psicoativas, como ibogaína (que faz o usuário sonhar acordado), ketamina (anestésico veterinário) e maconha.

As palestras e workshops deram destaque para estudos sobre o potencial terapêutico da ayahuasca, beberagem de origem amazônica usada em rituais indígenas e em cultos religiosos brasileiros, como Santo Daime e União do Vegetal.

Nunca se pesquisou tanto esse tema, diz a antropóloga brasileira Bia Labate, professora visitante do Programa de Política de Drogas do Centro de Pesquisa e Ensino Econômico - Cide, em Aguascalientes, no México. Ela é consultora do Maps (sigla em inglês para Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos) e diz que o evento é "o maior encontro internacional da história entre estudiosos do campo da ayahuasca".

Segundo ela, houve uma explosão de interesses sobre a natureza,  e os efeitos e usos do chá psicoativo. “Depois de uma longa jornada de perseguição e banimento pelos colonizadores, seguido pelas políticas proibicionistas de drogas, observamos a propagação de rituais da ayahuasca em toda a Europa e América do Norte, e uma enorme expansão no estudo científico dessa substância”, relata.

O eixo do evento voltado para o chá psicodélico, coordenado pela antropóloga, reúne 30 apresentações de pesquisas, um dia de workshop, exibição de filmes e debates em torno de questões como segurança, ética e comercialização do uso da ayahuasca no chamado ‘turismo espiritual’. Com recorte multidisciplinar, inclui perspectivas de neurociência, neurobiologia, psiquiatria, farmacologia, etnofarmacologia, etnobotânica, psicologia, saúde pública, epidemiologia, antropologia, direito e educação. “São pesquisadores do Brasil, EUA, Canadá, Alemanha, Espanha, Peru e México”, acrescenta a antropóloga.

“Em sua maioria, apresentações abordam o ritual e os usos clínicos dessa substância no tratamento de várias doenças e enfermidades, como a depressão, e especialmente seu papel no bem-estar psicológico, qualidade de vida e na formação da identidade”, prossegue Labate. Outra abordagem relevante são as investigações dos efeitos da ayahuasca como complemento para a psicoterapia em casos de dependência química.

É esse, aliás, o campo de atuação do brasileiro Dartiu Xavier, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, onde também é diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad). O psiquiatra, que é um dos palestrantes na conferência norte-americana, participa atualmente de vários estudos sobre o tema, entre eles um de avaliação neurofisiológica dos efeitos agudos da ayahuasca (dosagens de hormônios no sangue e eletroencefalograma), e outro que trata dos sintomas depressivos e ansiedade em usuários do chá amazônico.

“Esta conferência abrange todos os alucinógenos, mas tem uma ênfase especial na ayahuasca, pelo fato de aparentemente ser uma substância de uso seguro, e que não causa dependência, além do fato deste uso estar aumentando no mundo inteiro nos últimos anos”, argumenta Xavier.

Ele vê com otimismo o crescimento do interesse cientifico nos psicodélicos em geral. “Vários grupos de cientistas no mundo estão de olho nesse tema, estamos para começar um destes estudos aqui no Brasil”, informa o psiquiatra. “Estamos elaborando uma pesquisa que pretende investigar o uso terapêutico de alucinógenos em dependentes de cocaína e crack, sendo um deles com ayahuasca e outro com ibogaína”. O psiquiatra, entretanto, explica que falta ainda a aprovação dos comitês de ética.

Depressão

Outro destaque do congresso são os estudos que investigam o uso da ayahuasca como antidepressivo, dos brasileiros Dráulio de Araújo, especialista em neuroimagens, e Sidarta Ribeiro, neurocientista, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Investigamos dois processos cognitivos modulados pela ayahuasca: mudança do foco da atenção para processos internos e a potencialização na criação de imagens visuais mentais. Os dois estudos foram realizados usando a imagem funcional por ressonância magnética”, descreve Xavier.

Parte dos resultados, segundo ele, contém indicações do potencial de uso da ayahuasca como antidepressivo. Há um estudo piloto sendo conduzido no Brasil (em fase final), com a participação dos pesquisadores da UFRN, sob a coordenação do psiquiatra Jaime Hallak, da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto. “As conclusões são bastante animadoras”, comenta Araújo.

A segunda fase da pesquisa será coordenada pela equipe da UFRN. “Pretendemos utilizar vários marcadores biológicos (bioquímicos, eletroencefalografia, imagem por ressonância magnética, avaliações neuropsicológica e psiquiátrica) para fazer uma avaliação mais abrangente sobre esse suposto potencial no tratamento de pacientes com depressão”, detalha o neurocientista.

Receio

Mas para pesquisadores mais ortodoxos ainda faltam algumas etapas para que o uso terapêutico de alucinógenos se torne um fato. É o que defende Arthur Guerra, diretor do Programa de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da USP (Universidade de São Paulo). “Vejo essas experiências com muita reserva”, diz. “Qualquer conduta que não seja suficientemente comprovada oferece riscos”.

Guerra reconhece a qualidade e o avanço das pesquisas nesse campo, mas se diz de outro time. “Sou da ala mais clássica”. Após a fase de diagnóstico do dependente químico, segundo ele, em geral são identificados outros problemas, como fobia, depressão e outros, por isso sua opção ainda é por tratamentos convencionais. “São mais seguros”, diz.

Embora na outra margem, o neurocientista Draúlio de Araújo concorda com o cuidado sugerido por Guerra. Para ele, qualquer medicamento novo passa por várias etapas de testes para que sejam avaliados seus benefícios e riscos. “O processo é, e deve ser, exatamente o mesmo nos casos de qualquer substância psicoativa”.

Também participam das apresentações sobre ayahuasca os pesquisadores Gabor Maté, médico canadense nascido na Hungria, especializado no estudo e tratamento de dependência, o francês Jacques Mabit, diretor do Centro Takiwasi em Tarapoto, no Peru, dedicado à  reabilitação de dependentes químicos com ayahuasca e práticas tradicionais de cura, e José Carlos Bouso, psicólogo clínico do Programa de Pesquisa de Neurociências do Hospital del Mar Research Institute.