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Liberação de uso terapêutico do canabidiol está na pauta da Anvisa

Katiele Fischer e a filha Anny que tem uma síndrome que causa epilepsia grave e é tratada com canabidiol - Sergio Lima/Folhapress
Katiele Fischer e a filha Anny que tem uma síndrome que causa epilepsia grave e é tratada com canabidiol Imagem: Sergio Lima/Folhapress

Mirthyani Bezerra*

Do UOL, São Paulo

29/05/2014 07h00

O uso terapêutico do canabidiol (CBD), uma das mais de 400 substâncias encontradas na planta da cannabis sativa (maconha), é pauta de reunião de conselho da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), nesta quinta-feira (29).  Os cinco diretores devem decidir se o composto entra na lista de substâncias sujeitas a controle especial.

Pesquisas têm apontado efeitos positivos do uso do CBD em pacientes com Mal de Parkinson, ansiedade, esquizofrenia, alguns transtornos de sono, epilepsia grave, diabetes tipo 2, doenças inflamatórias, como artrite reumatoide, esclerose múltipla, entre outras. A substância, no entanto, tem uso proscrito (proibido) no Brasil, compondo a lista F2 da portaria 344/1998 do Ministério da Saúde, que trata de substâncias psicotrópicas.

Se a decisão da Anvisa for favorável à liberação do composto, o canabidiol passará a integrar a lista C1, que reúne substâncias sujeitas a controle especial. Em outras palavras, poderá ser futuramente prescrito como qualquer remédio de uso controlado.

Segundo a Anvisa, a mudança permitirá a importação do composto sem burocracia. Hoje, para conseguir qualquer medicamento sem registro no país é preciso fazer uma solicitação formal ante a agência, apresentar um laudo médico e a prescrição do remédio. "O paciente faz a compra do medicamento e informa à agência em que aeroporto ele irá desembarcar e quando. É recolhida a taxa da Receita Federal. A Anvisa analisa e decide se o medicamento entra ou não no país", informa o órgão por meio de sua assessoria. 

A burocracia dificulta a importação do composto, vendido em pasta nos Estados Unidos, para o Brasil. Essa dificuldade fez com que a advogada Margarete Brito, 42, inspirada em experiências com "resultados milagrosos" em outros países, importasse o canabidiol ilegalmente, em outubro do ano passado. Ela comprou a pasta de CBD para dar à filha, Sofia Langenbach, 5, que tem síndrome CDKL5, problema genético raro que causa epilepsia grave.

O tratamento foi interrompido um mês depois, porque Margarete teve problemas para importar novamente o CBD. Mas, há 40 dias, a advogada descobriu que havia uma pessoa no Rio de Janeiro, onde mora, que produzia o clandestinamente. "Eu dou três vezes por dia e ela está evoluindo a olhos vistos. Antes tinha umas 12 crises por semana. Nessa última semana ela teve quatro e também está um pouco mais esperta, sorrindo mais", conta Margarete.

A luta para encontrar alternativas para amenizar o sofrimento da filha e sair da clandestinidade fez com que Margarete se juntasse a outros pais e mães em situação parecida e criasse a Appepi (Associação de Pais de Pessoas com Epilepsia de Difícil Controle), da qual é presidente.  "Se conseguirmos essa primeira vitória, a gente não vai mais precisar de toda essa burocracia. Só precisaria de receituário. Mas aí começa a outra luta, porque 99% dos médicos não estão receitando e não vão receitar, porque eles não conhecem. Precisamos conscientizar e informar os médicos que existem evidências positivas", afirma a advogada.

A engenheira Patrícia Ferreira Rosa, 52, acredita que a Anvisa irá liberar o uso do composto. “No último simpósio sobre o assunto, eles se mostraram bastantes favoráveis à liberação”, disse. Ela é mãe de Deborah Rosa, 19, que tem Síndrome de Dravet, encefalopatia epilética refratária rara, e sofre com convulsões desde os oito meses de idade. “Ela já chegou a ter 20 crises por dia, mas, com uma dieta especial, conseguimos reduzir para sete por semana. Temos a esperança que com um medicamento a base de CBD ela não tenha mais convulsões”, disse.

Patrícia espera que a aprovação seja seguida por pesquisas mais aprofundadas sobre o uso terapêutico da substância no Brasil e pelo barateamento do composto que, segundo ela, custa cerca de 1.000 dólares (o equivalente a R$ 2.300).

Substância em lista proibida é desconhecimento

O professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto e professor honorário do Instituto de Psiquiatria de Londres, José Alexandre Crippa, afirma que a permanência do CBD na lista de substâncias psicotrópicas seria puro desconhecimento. “O composto não causa dependência, sedação, abstinência, em doses habituais. Está lá lista apenas porque é encontrada na cannabis sativa (maconha). Mas não é maconha, não dá os efeitos que a droga dá. São coisas distintas”, disse.

Para o professor da Unifesp e coordenador geral do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), Dartiu Xavier, a liberação do CBD viria com atraso. “Há muitos remédios com potencial de abuso, com substâncias derivadas do ópio, que podem causar dependência e que, mesmo assim, são prescritos pela importância que possuem no tratamento dos pacientes (que não é o caso do composto). A razão para que o CBD ainda não tenha sido liberado é moralismo”, disse.

Próximos Passos

José Alexandre Crippa esclarece que a pasta do canabidiol comercializada nos Estados Unidos ainda não é vendida como medicamento. “As pessoas adquirem o composto para se automedicar. Na verdade, o canabidiol ainda não tem uso regulamentado como medicamento em nenhum país.”

Segundo ele, ainda é preciso que se façam pesquisas sobre o composto para que ele se torne um medicamento. A mudança na lista de classificação da Anvisa de F2 para C1 seria crucial para isso. “Vai ficar mais fácil importar a substância para que pesquisas sejam realizadas. Estaremos mais próximos de desenvolver um medicamento”, diz. Ainda segundo Crippa, o Brasil tem mais de 40 anos de pesquisas com substâncias encontradas na maconha. “Somos um dos principais centros de pesquisa do mundo nessa área.”

Para ele, no entanto, a liberação do uso por parte da Anvisa não significa que os médicos passarão a prescrever a substância automaticamente. “Quem regula o que pode ser prescrito pelo médico é o Conselho Federal de Medicina, que deve analisar o tema e se posicionar futuramente sobre isso”, diz.

A ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) concorda com os argumentos de Crippa. Em nota, a instituição afirma que ainda faltam indícios que justifiquem o uso terapêutico do canabidiol, mas reconhece que substâncias extraídas da maconha, sem características alucinógenas, como ocorre com o canabidiol, podem vir a ser úteis, se vendidas em formulações a óleo e spray. A ABP reiterou no documento sua posição contra a legalização da droga. “Usar o falso pretexto de que a maconha faz bem é ingênuo e perverso”, diz o texto. (Colaboração Gustavo Maia, do UOL no Rio)