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Estudo explica por que autistas são geralmente mais criativos

Participante carrega menina nos ombros na "Corrida e Caminhada Autismo e Realidade pela Conscientização", no centro de São Paulo, em abril deste ano - J. Duran Machfee/Estadão Conteúdo
Participante carrega menina nos ombros na "Corrida e Caminhada Autismo e Realidade pela Conscientização", no centro de São Paulo, em abril deste ano Imagem: J. Duran Machfee/Estadão Conteúdo

Paula Moura

Do UOL, em São Paulo (SP)

22/08/2015 06h00

Se você tivesse que pensar em usos alternativos para um clipe de papel, que resposta daria? Hum… que tal um cabide, um alfinete, fazer joias com ele ou mesmo usar para limpeza de objetos pequenos? Nada muito criativo, não? E se a resposta fosse: uma mola ou uma peça para um jogo?

Essas respostas ajudaram um estudo a concluir que pessoas com características autistas dão respostas mais criativas para problemas que testam o chamado “pensamento divergente”, ou seja, a capacidade de oferecer várias respostas diferentes a uma pergunta. A pesquisa foi publicada recentemente na publicação científica "Journal of Autism and Developmental Disorders".

Psicólogos da Universidade de East Anglia e da Universidade de Stirling, no Reino Unido, fizeram a pesquisa com pessoas que não têm o diagnóstico de autismo, mas que têm muitos comportamentos e processos de pensamento associados ao autismo. Esses participantes sugeriam menos soluções, mas de qualidade e originalidade superior às propostas por pessoas com menos características autistas.

“As pessoas com grau mais alto de características autistas tiveram menos ideias criativas, mas de maior qualidade. Considera-se geralmente que o pensamento deles é mais rígido, portanto, o fato de que suas ideias são mais incomuns ou raras é surpreendente. Essa diferença pode ter implicações positivas para a resolução de problemas criativos”, afirma Martin Doherty, um dos autores.

Direto para o desafio

Estudos anteriores usando as mesmas questões mostraram que a maioria das pessoas usa primeiro estratégias mais simples, por exemplo, associação de palavras, para produzir respostas óbvias. Só depois passam a pensar em estratégias mais complexas e as respostas se tornam mais criativas. A pesquisa sugere que as pessoas com mais traços de autismo vão direto às estratégias mais difíceis.

“As pessoas com traços autísticos abordam os problemas de criatividade de uma forma diferente”, diz Doherty. “O caminho da associação ou da memória para ser capaz de pensar em ideias diferentes é comprometido, enquanto a habilidade específica de produzir respostas incomuns é relativamente não comprometido ou superior”.

Para a autora Catherine Best, da Universidade de Stirling, o estudo explica como algumas pessoas portadoras de algo que é visto como “deficiência” mostram criatividade superior em algumas áreas. “É preciso perceber que há grande variação entre as pessoas com autismo. Pode haver pessoas cuja habilidade de trabalhar independentemente é comprometida e outras que são muito menos afetadas. Da mesma forma, nem todos com o distúrbio, ou traços associados a ele, vão ser bons em resolver problemas criativos. Entender essa variação será peça chave para entender o autismo e o impacto que ele tem na vida das pessoas”, disse.

Metodologia

Os pesquisadores analisaram dados de 312 pessoas que fizeram um questionário anônimo online para medir seus traços de autismo e fizeram uma série de testes criativos. Os participantes foram recrutados via mídia social e sites para pessoas com Transtorno do Espectro Autista e seus parentes - 75 dos participantes disseram que receberam diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista.

Para testar o chamado “pensamento divergente”, pediu-se aos participantes que criassem quantos usos alternativos conseguissem para um tijolo ou clipe. A resposta foi classificada de acordo com a quantidade, elaboração e originalidade. Pessoas que propuseram quatro ou mais respostas originais tinham nível mais alto de características autistas. As respostas mais simples do início dessa reportagem foram de pessoas com menos traços, enquanto as mais originais foram de pessoas com mais características autistas.