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É possível um único remédio curar o câncer?

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Imagem: iStock

Camila Neumam

Do UOL,em São Paulo

26/10/2015 06h00

Quem pede pela liberação da fosfoetanolamina sintética fabricada e distribuída na USP São Carlos acredita que a substância pode curar qualquer tipo de câncer. Mas é possível um único composto tratar mais de cem tipos de doenças? Segundo os oncologistas consultados pelo UOL a resposta é não.

“É errado chamar o câncer de doença porque na verdade é um conjunto de mais de cem doenças que são tratadas de forma específica”, afirma Gustavo dos Santos Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

Segundo Fernandes, há de se levar em conta que cada câncer surge e afeta um órgão ou parte do corpo de forma diferente, por isso necessitam de medicações específicas.

“Os genes ativados de um tumor são diferentes no pulmão e no intestino, por exemplo, e cada órgão é atingido de uma forma diferente. Não há um único agente capaz de curar todas essas doenças”, diz.

Mito da pílula milagrosa

A crença no poder de cura da fosfoetanolamina sintética remonta do antigo mito da ‘pílula milagrosa contra o câncer’, comum no começo do século passado, afirma a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora da Oncologia Clínica do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo).

A oncologia moderna, no entanto, pegou o caminho oposto, por oferecer cada vez mais tipos específicos de medicamentos de acordo com as características da doença, explica a oncologista.

“Nos diversos mecanismos celulares que podem levar ao câncer, é muito difícil ter um único remédio. O que prevalece hoje é uma estratégia individualizada com uma grande gama de medicamentos para um tratamento mais personalizado”, afirma.

Entenda

Após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a suspensão da distribuição das cápsulas do IQSC (Instituto de Química de São Carlos) para quem conseguisse liminar na Justiça, o que obrigou a USP a voltar a produzir e distribuir a fosfoetanolamina sintética. Com isso, mais de 700 liminares foram expedidas e o IQSC ficou sobrecarregado. A USP pede na Justiça a suspensão da entrega das cápsulas.

Segundo os pesquisadores, a fosfoetanolamina se aliaria a lipídios para entrar na célula e ativar a mitocôndria. Com isso, o sistema de defesa do organismo reconheceria a célula como "anormal" e a atacaria. Em pesquisas com camundongos com câncer renal os efeitos foram positivos.

Oncologistas, a USP, o ICQS e os próprios pesquisadores alertam que a substância nunca foi testada em humanos, o que a inviabiliza como remédio. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável por registrar e permitir o comércio de qualquer medicamento no país, diz que a distribuição da droga é ilegal por nunca ter passado por testes clínicos.

Câncer no Brasil

O câncer se caracteriza pelo crescimento desordenado de células que invadem tecidos e órgãos. Por se dividirem rapidamente, quase de forma incontrolável, formam-se tumores malignos que podem se espalhar para outras regiões do corpo. Esses tumores podem surgir em diferentes tipos de células.

O tratamento do câncer é feito por meio de uma ou várias modalidades combinadas. A principal é a cirurgia, que pode ser feita em conjunto com a radioterapia, quimioterapia ou transplante de medula óssea. O tratamento mais adequado leva em conta a localização, o tipo do câncer e a extensão da doença. 

Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), estima-se que 576 mil novos casos de câncer, incluindo os casos de pele não-melanoma, surjam em 2015, e pelo menos 189.454 pessoas morram em decorrência do câncer. 

O câncer de pele do tipo não-melanoma (182 mil casos novos) será o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata (69 mil), mama feminina (57 mil), cólon e reto (33 mil), pulmão (27 mil), estômago (20 mil) e colo do útero (15 mil). Entre os tumores que devem causar mais mortes estão o câncer do pulmão (24.490 casos); cólon e reto (15.415 casos), mama feminina (14.206 casos); estômago (14.182 casos); próstata (13.772 casos) e colo do útero (5.430 casos).