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Desafios e conquistas: conheça a rotina de quem tem filhos com microcefalia

Paula Moura

Colaboração para o UOL

23/12/2015 06h00

“Quando você recebe o diagnóstico [de microcefalia do bebê], fica muito perdida. A experiência de outra família é a chave para a aceitação”, relembra Lucélia Maria Freitas, 36, de Ceilândia (DF). Seu filho, Crystian Antônio Freitas, 13, ficou sem oxigenação durante o parto e desenvolveu microcefalia e paralisia cerebral.

Há dois meses, Lucélia se uniu a outra mãe para compartilhar suas experiências e tirar dúvidas sobre a má-formação pelas redes sociais. O Brasil passa por um surto de microcefalia associado ao zika vírus --mais de 2 mil casos com suspeita de má-formação já foram notificados. “É um caminho lento, a gente se desgasta demais, principalmente no primeiro ano”, afirma Lucélia.

Os níveis de comprometimento às atividades motoras e cognitivas variam de pessoa para pessoa. Conheça a história de quatro crianças com a má-formação.

Microcefalia e paralisia cerebral

 “Quando ele nasceu, ficou 11 dias na UTI até despertar, o que foi um milagre”, afirma Lucélia. Aos 13 anos, Crystian se comunica com a família através de sons e olhares. Faz fisioterapia, toma remédios para epilepsia, frequenta escola especial três vezes por semana. “Até cinco anos ele ia três vezes por semana ao médico, foi internado várias vezes porque tinha convulsão. Depois, a rotina ficou mais calma”, conta. 

Agora, Crystian vai ao neurologista uma vez por mês ou de dois em dois meses e faz avaliação ortopédica a cada seis meses, pois os músculos podem atrofiar pela falta de movimento. Ele não anda nem se alimenta sozinho e usa fraldas. É como um bebê, explica a mãe, apenas leva objetos na boca. Lucélia largou o emprego para cuidar do filho único.

O que o adolescente mais gosta é de música. E tem bom gosto, afirma a mãe. Curte Marisa Monte, bandas dos anos 80 como A-ha e Queen, Roupa Nova, e o forró de Dominguinhos. “Foi engraçado que eu não costumava ouvir Jovem Guarda e um dia ele ouviu na TV e gostou muito, vi que se esticava e batia palmas quando tocou. Então, fui lá e comprei os CDs, ele adora Roberto Carlos”, conta. 

Estímulo para melhorar desenvolvimento

Viviane Lima tem três filhas, duas delas com microcefalia. Ana Victória tem 16 anos e Maria Luíza tem 14. Ela foi alertada sobre a má-formação durante sua primeira gravidez. 

“Eu tinha 18 anos e não aceitei que me disseram que a Ana Vitória não iria andar, nem falar. No primeiro ano de vida dela eu dei a ela vários estímulos, como música, passava uma peninha no pé enquanto amamentava. Depois de um ano, comparamos as tomografias e o cérebro dela tinha mudado muito, tinha se desenvolvido bastante. Isso me deu ânimo para não parar nunca.”

Hoje a filha estuda, dança, corre, patina e chegou a cantar no coral da igreja. Eliminadas outras possíveis causas da microcefalia, como rubéola e toxoplasmose, Viviane acha que a causa pode ser genética, já que sua segunda filha também nasceu com microcefalia. Maria Luísa tem o perímetro cefálico menor que o de sua irmã e, por isso, tem algumas limitações a mais. 

Se Ana Victória tem uma idade cognitiva de 5 anos, Maria Luíza tem de 2 anos. As duas têm também dislexia e hiperatividade. Mesmo assim, ambas frequentam a escola regular junto com outras crianças da sua idade, conta a mãe, que administra um grupo de comunicação com outras 75 mulheres que passam pela mesma situação. 

Viviane manteve sua carreira profissional, mas precisa de uma pessoa para ajudá-la com as filhas durante o dia. As filhas são muito ativas. “Se deixar, elas cantam e dançam o dia inteiro”, brinca a mãe. 

Toxoplasmose originou má-formação

Moradora de Itapecerica da Serra (SP), Pamela Pavanelli, 23, teve toxoplasmose gestacional na sua segunda gravidez. A doença originou microcefalia em Davi, 3, e afetou também a visão do menino.

Quando ele nasceu, Pamela vivia um momento difícil, seu pai estava fazendo tratamento contra câncer no pulmão. Ela notou que a parte da frente da cabeça do filho era mais baixa. Como o parto demorou 15 horas, pensou-se que o crânio tivesse sofrido algum impacto durante o parto e demorou um ano para se chegar ao diagnóstico de microcefalia.

“Eu fiz o pré-natal direitinho, mas o médico não cuidou da toxoplasmose. Se tivesse cuidado, normalmente afetaria só um pouco a visão do bebê”, diz.

Aos três anos, Davi ainda não anda, não fala, rola, se arrasta e usa cadeira de rodas para se locomover da casa para as aulas na escola especial. “É como se ele fosse um bebê, ele grita, chora, sorri”, diz a mãe. Ele também toma remédios para controlar as convulsões por causa da epilepsia e faz tomografia uma vez por ano.

Um tratamento com fonoaudiólogos foi necessário para que o pequeno aprendesse a engolir os alimentos, pois tinha dificuldades, o que o levou a ter pneumonia 19 vezes, já que algumas vezes os líquidos iam para o pulmão. Toda semana, faz sessão de fonoaudiologia e fisioterapia. A cada três meses, neurologista e uma vez por ano vai ao infectologista. “Aprendi que não pode segurar quando tem a convulsão, senão machuca mais. Ele também se mordia bastante e agora toma remédios que controlam isso”, diz.

Pamela, que tem outro filho de 6 anos, foi além de largar o emprego em telemarketing para cuidar do filho, fez também um curso técnico de enfermagem, em que ela aprendeu cuidados para lidar com Davi. “Aprendi muitas coisas através do Davi, a maior delas é o amor. A família se une por causa dele, ele passa paz, tranquilidade... Me sinto privilegiada por ter uma criança como ele”, diz ela, que  fundou o grupo "Eu amo alguém com microcefalia"