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OMS confirma que zika afeta tecidos nos cérebros de fetos e de adultos

Beto Macário/UOL
Imagem: Beto Macário/UOL

Do UOL, em São Paulo

08/03/2016 17h49Atualizada em 09/03/2016 09h14

Margaret Chan, diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), foi clara ao dizer que mais pesquisas foram realizadas e agora é possível concluir que o vírus da zika afeta tecidos no cérebro e também o tronco cerebral de fetos. Os casos de Guillain-Barré, que afeta o sistema nervoso, e alguns de inflamação no cérebro, também apontam sua ação em adultos. A conclusão foi apresentada em Genebra após reunião do Comitê de Emergência sobre o zika vírus.

Chan confirmou que a zika foi detectado no líquido amniótico e "evidências mostram que o vírus pode atravessar a placenta e infectar o feto". Segundo ela, desde que o Comitê de Emergência foi criado, várias pesquisas reforçaram a "associação entre a infecção de zika e a ocorrência de má-formação fetal e de desordens neurológicas".

O vírus também já foi detectado no sangue, no tecido cerebral e no fluido cérebro espinhal de fetos após abortos (naturais ou não) ou em natimortos. A chefe da OMS afirma: a "microcefalia é apenas uma das várias anormalidades associadas à infecção de zika durante a gravidez".

Outros casos incluem morte do feto, insuficiência placentária, retardo no crescimento do feto e danos ao sistema nervoso central. Até agora, apenas Brasil e Polinésia Francesa documentaram casos de microcefalia, mas a Colômbia está sob forte vigilância.

Segundo Chan, os especialistas do Comitê de Emergência acreditam que "fortes ações de saúde pública não devem esperar uma prova científica definitiva sobre a associação entre zika e desordens neurológicas".

Vírus está se espalhando

A chefe da OMS explica que a distribuição geográfica do vírus está se ampliando e o grupo de risco é cada vez maior. Além da picada do mosquito, outro meio de transmissão estudado são as relações sexuais.

A diretora declarou também que "relatos e investigações de vários países sugerem fortemente que a transmissão sexual de zika é mais comum do que se pensava". EUA, França e Itália já registraram suspeitas de transmissão pelo sexo. Entretanto, como já destacou Lyle Petersen, diretor da Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), no caso dos países com forte presença do Aedes aegypti e surtos de zika, como acontece no Brasil, é muito difícil saber se a transmissão se deu pelo mosquito ou por via sexual, sendo o combate ao mosquito a principal ação para evitar a contaminação.

A transmissão local foi confirmada em 31 países da América Latina e Caribe, mas todas as regiões do mundo reportaram "casos importados" de zika. Ela acredita que mais casos serão registrados.

O Comitê de Emergência “recomenda às gravidas não viajarem a áreas afetadas pelo surto de zika”. No caso de mulheres com parceiros vivendo ou viajando para esses países, a recomendação é para o uso de preservativos ou até mesmo “a abstenção de relações sexuais durante a gravidez”. Ao público em geral, não é necessário evitar viagens a países com zika ou comércio com essas nações.

Síndrome em adultos

O aumento dos pacientes com a síndrome de Guillain-Barré foi registrado em nove países, sendo que em vários casos houve a confirmação da presença da zika. Muitos pacientes precisam ficar na UTI até 51 dias.

A síndrome foi detectada em crianças e adolescentes, mas é mais comum em adultos, especialmente homens. A diretora da OMS reconhece que todas as informações são "alarmantes".

Pouco ainda se sabe, mas estudos avançam

Várias pesquisas estão sendo desenvolvidas para confirmar a relação causal entre o vírus da zika e os casos de microcefalia e outras alterações neurológicas. 

Um estudo feito por pesquisadores do Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, e divulgado no começo de janeiro mostrou pela primeira vez que o vírus apontado como a principal hipótese para o aumento de casos no país de bebês com microcefalia no país, foi capaz de atravessar a placenta durante a gestação.

A análise foi feita a partir de amostras de uma paciente do Nordeste que sofreu um aborto retido -quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero-- durante o primeiro trimestre de gravidez. A gestante havia informado ter tido sintomas de zika na sexta semana da gestação.

Os pesquisadores analisaram a placenta da paciente e identificaram a presença do vírus, assim como em células da mãe e do embrião.

Outro levantamento baseado em casos de 35 bebês brasileiros com microcefalia mostrou que 70% das mães de filhos com microcefalia ligada à infecção pelo zika apresentaram vermelhidão entre o primeiro e segundo trimestre de gestação. Das crianças, 71% apresentam microcefalia severa – perímetro cefálico muito reduzido. O estudo foi feito pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).

Grande quantidade do vírus também foi encontrada no tecido cerebral de um feto com microcefalia de uma mulher eslovena, de 25 anos. O estudo sobre o caso foi publicado no dia 10 de fevereiro e foi feito na Eslovênia. A mulher morava e fazia trabalhos voluntários em Natal (RN) desde 2013 e engravidou em fevereiro de 2015.

A eslovena teve sintomas de infecção por zika na 13ª semana da gestação. Ela retornou à Europa com 28 semanas. Um ultrassom feito na 29º semana mostrou os primeiros sinais das alterações neurológicas, que foram confirmadas na 32ª semana.

Outra investigação feita em bebês nascidos com microcefalia em Salvador (BA) e Recife (PE) mostrou que algumas das crianças também apresentavam lesões oculares que podem levar à cegueira. Os resultados foram publicados na revista Lancet, em janeiro deste ano, e na Jama Ophthalmology, em fevereiro.

Pesquisadores da Fiocruz e da Universidade da Califórnia também publicaram em março, na The New England Journal of Medicine, um estudo que aponta que o vírus da zika pode prejudicar fetos de grávidas infectadas em qualquer momento na gestação. De 42 grávidas que tiveram zika acompanhadas, 29% esperavam bebês com alterações no sistema nervoso central.

As ultrassonografias mostraram que cinco deles tinham restrição de crescimento intrauterino (com ou sem microcefalia); quatro apresentavam calcificações cerebrais, dois tinham outras lesões do sistema nervoso central; quantidade insuficiente de líquido amniótico foi percebida em sete crianças. Quatro fetos tinham fluxo anormal nas artérias cerebrais ou umbilicais.

Em março também, pesquisadores brasileiros e norte-americanos apontaram que o vírus mata um tipo de célula essencial para o desenvolvimento do cérebro. O grupo infectou um grupo das células com o vírus da zika por duas horas e analisou essas amostras três dias depois.

O vírus infectou até 90% das progenitoras neurais em uma das amostras, levando à morte de cerca de um terço das células e a sérios danos nas demais. Um efeito similar teria resultados devastadores em um cérebro em desenvolvimento. A descoberta, anunciada na publicação científica Cell Stem Cell, reforça a suspeita de que o vírus cause problemas neurológicos em bebês.

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