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Como o WhatsApp ajudou na associação entre zika e microcefalia

Bebê com microcefalia de apenas duas semanas faz fisioterapia - Felipe Dana/ AP
Bebê com microcefalia de apenas duas semanas faz fisioterapia Imagem: Felipe Dana/ AP

Cristiane Capuchinho

Do UOL, em São Paulo

25/03/2016 06h00

Em março de 2015, a palavra zika apareceu em um grupo de WhatsApp brasileiro. Após perceber um aumento de casos de pacientes com manchas vermelhas, coceira e dores nas articulações em Pernambuco, o pesquisador Carlos Brito, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) decidiu consultar colegas se o fenômeno se repetia em outros lugares.

A pergunta, enviada ao grupo "CHKV a Missão", foi prontamente respondida por Kleber Luz, do Rio Grande do Norte, "acho que é zika". Da hipótese sobre a chegada de uma nova doença à comprovação de que o vírus estava no país, feita na Bahia, levou um mês, com a cooperação de pesquisadores distantes mais de mil quilômetros uns dos outros.

O grupo reunia médicos que participavam de um grupo de trabalho formado para estudar a emergência da chikungunya no Brasil, outro vírus transmitido pelo Aedes Aegypti. A facilidade de comunicação pelo aplicativo trouxe agilidade para a troca de informações que poderia levar meses, se dependesse de encontros de médicos em eventos profissionais.

Ajudou a percebermos muito rápido o tamanho e a emergência daquilo que víamos e fortalecer a rede de pesquisa

Carlos Brito, pesquisador da UFPE

Apenas três meses se passaram entre o aumento de casos de crianças com lesões neurológicas começar a ser percebido, em agosto de 2015, e a primeira prova científica de associação entre o vírus da zika e a microcefalia, feita em Campina Grande (PB). Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde emitia um alerta global sobre o vírus.

Doença 'mais leve' virou pesadelo

Considerada uma doença mais leve que dengue e chikungunya, a zika ficou em segundo plano nas preocupações dos médicos no início de 2015. "A gente lia sobre o zika e nada encontrava, exceto a relação com Guillain-Barré. Ficamos atentos a isso e, em junho, vimos aumento em Natal de Guillain-Barré", conta Luz, infectologista da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

As coisas se sucederam rapidamente. Em agosto e setembro, médicos em diferentes maternidades do Nordeste observaram um aumento de casos de crianças com lesões neurológicas em um padrão diferente do conhecido. Em outubro, o Ministério da Saúde era avisado de uma possível relação entre a epidemia de zika e crianças microcéfalas. Em novembro, uma força-tarefa foi criada para tratar a epidemia nacional.

"Desde outubro, me tornei quase íntimo de muitos pesquisadores", comenta Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. "Falo com alguns com mais frequência que falo com familiares meus."

As graves consequências do vírus da zika, que até meados de 2015 não faziam parte de estudos médicos no mundo, passaram a tirar o sono de médicos e pesquisadores em todo o país.

Por mensagens no WhatsApp, os médicos trocaram informações, imagens de casos em diferentes Estados e novas hipóteses sobre a abrangência do vírus.

O neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), conta que faz parte de cinco grupos de zika no aplicativo. Rehen coordena o estudo que mostrou o vírus da zika matando células do cérebro em laboratório.

"Eu me perco nos e-mails e acabo usando o Facebook e o WhatsApp para me comunicar. O pessoal manda foto e vai conversando sobre ela durante o dia. Todo mundo colaborando. Por e-mail, demoraria muito mais tempo para termos resultados."

Agilidade na resposta

Ainda não se sabe qual a frequência da transmissão do vírus da zika de grávidas para seus fetos nem em quais casos o vírus causa lesões neurológicas —mais de uma vez irmãos gêmeos nasceram um com microcefalia e outro não. Tampouco há remédios para evitar a infecção ou mesmo para tratar a zika.

Com muitas perguntas ainda sem resposta e a expectativa de 2.500 crianças brasileiras nasçam com lesões neurológicas devido ao vírus, os cientistas apostam na colaboração para agilizar as pesquisas.

"Não tem sábado nem domingo. Não tem como parar", comenta a obstetra Adriana Melo, responsável pela primeira associação entre o vírus da zika e a microcefalia. A pesquisadora trabalha em cooperação com cientistas do Rio de Janeiro para investigar a relação entre o vírus da zika e má-formação nas articulações (artrogripose).