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Às vésperas do verão, aumento de chikungunya e mortes preocupa

Remédios chikungunya - Luiz Tito/Folhapress - Luiz Tito/Folhapress
A baiana Dannyelle Campelo, 32, toma diversos remédios devido à chikungunya
Imagem: Luiz Tito/Folhapress

Bia Souza*

Do UOL, em São Paulo

07/11/2016 06h00

O aumento no número de casos de febre chikungunya e as 120 mortes confirmadas pela doença preocupam o Ministério da Saúde às vésperas do início do verão. Pesquisadores alertam para uma possível epidemia da doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, em regiões ainda pouco atingidas, como o Sudeste.

A chikungunya, que estava presente em 650 cidades brasileiras em 2015, já se espalhou para 2.248 municípios, até setembro deste ano. Mais de 216 mil casos prováveis foram notificados em todo o país, segundo o Ministério da Saúde.

No Nordeste, a incidência da doença em 2016 chegou a 368 casos a cada 100 mil habitantes. A maior concentração ocorreu no Rio Grande do Norte: 702 casos a cada 100 mil habitantes.

A chikungunya tem sintomas parecidos com os da zika ou da dengue, febre, manchas e dores intensas no corpo. No entanto, com mais frequência, se apresenta em uma versão mais grave. De acordo com os especialistas, pelo menos 20% dos casos são seguidos por inflamação nas juntas, artrose e artrite.

“Estamos falando de uma doença que provoca dores intensas, que podem se tornar crônicas. Ela pode tirar a pessoa do seu cotidiano, do seus trabalhos e estudos”, explica o infectologista e pesquisador da Fiocruz Rivaldo Venâncio da Cunha.

Mortes sem explicação

Dentro de duas semanas, especialistas de vários Estados devem se encontrar em Brasília para tentar decifrar as razões que levam a infecção a causar tantas mortes. Até agora, foram confirmados 120 óbitos pela doença. O número pode ser muito maior do que a estatística oficial. A confirmação de casos suspeitos é lenta, em virtude das dificuldades enfrentadas pelos laboratórios oficiais.

"Quando chegou o chikungunya divulgaram que tinha muitos sintomas, mas não tinha muitas mortes e isso não é verdade. O número de mortes é muito superior aos casos de dengue. A dor é um problema, mas não é o único", explica André Ribas Freitas, epidemiologista da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses.

Embora importante, a discussão convocada pelo ministério é considerada tardia. Um encontro semelhante foi feito em abril. Na época, foi reconhecida a necessidade de se estudar os casos até então reunidos, identificar os fatores de maior risco para o agravamento das infecções e, a partir daí, fazer uma espécie de manual voltado para profissionais de saúde. Às vésperas do verão, período de maior risco de epidemia, nada foi feito.

"Saímos do primeiro encontro motivados. Mas vieram as mudanças políticas, alterações de equipe, o assunto foi esquecido, nada avançou", disse o infectologista Carlos Brito. Agora, avalia, será difícil que descobertas sejam feitas a tempo de se reduzir, por exemplo, erros no tratamento de pacientes.

Somente em Pernambuco, foram notificados este ano 354 casos suspeitos de mortes de pacientes com arboviroses (grupo de doenças que inclui dengue, chikungunya e zika). Desse total, 134 foram até agora identificadas: 62 por chikungunya e 37, por dengue e 35 apresentaram resultados positivos para os dois vírus. "Esse é o maior número de mortes relacionadas a arboviroses no Estado desde que os dados começaram a ser contabilizados", afirmou Brito.

Benom Pinto da Silva, 79, morreu cerca de 15 dias após ser diagnosticado com chikungunya - Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares - Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares
Benom Pinto da Silva, 79, morreu cerca de 15 dias após ser diagnosticado com chikungunya
Imagem: Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares

Epidemia pode chegar ao Sudeste

Assim como a zika, não há registros de que se possa contrair chikungunya mais de uma vez. Dessa forma, se a pessoa já teve a doença, estaria imune. Esse fator é o que faz os pesquisadores acreditarem que a incidência dos casos vai ser maior em uma região onde a epidemia ainda não foi tão significativa, como o Sudeste, porque o vírus teria um número maior de pessoas para infectar.

"Ao longo dos últimos 30 anos, vivenciamos uma epidemia de dengue no Brasil. Não seria difícil entender que há uma população já protegida contra esse vírus. Mas não se pode dizer o mesmo da zika e da chikungunya. Considerando que a zika circulou numa intensidade maior do que a chikungunya, podemos esperar uma epidemia [de chikungunya] principalmente no Sudeste", considera Cunha.

Em 2015, a região Sudeste somou 194 casos confirmados da doença, número que passou para 18.173 neste ano. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro já somam 6 mortes causadas pela chikungunya.

A estimativa, segundo Carlos Brito, é de que, numa epidemia, a doença possa atingir até 30% da população de uma área afetada. "Daí a preocupação. Se a mortalidade for de um caso a cada mil habitantes..."

Outro fator que preocupa os médicos é que, diferentemente dos casos de dengue e zika, o paciente infectado pela chikungunya precisa procurar o sistema de saúde muitas vezes durante o período da doença. “É uma demanda muito grande para o serviço de saúde, com muitos pacientes e muitos sintomas o sistema ficaria sobrecarregado”, afirma Ribas.

Diagnóstico

Assim como a zika, a chikungunya pode se confundir com a dengue na hora de realizar o diagnóstico. Os sintomas da doença são: febre acima de 39 graus e dores intensas nas articulações de pés e mãos. Também podem ocorrer dores de cabeça e nos músculos e manchas vermelhas na pele.

Atualmente o teste que detecta a doença é o PCR que só é capaz de detectar o vírus nos primeiros 5 dias após o início dos sintomas. A exclusão é feita a partir de uma análise clínica dos sintomas do paciente no decorrer do contágio.

Enquanto não existe vacina contra essa doença, o ideal é combater o mosquito.

“Ainda há tempo de evitar mais mortes. Se sabemos em que meses o mosquito se prolifera, conhecemos onde ele se multiplica e quais as manifestações clínicas da doença, temos condições de preparar a rede de hospitais e desencadear medidas preventivas que reduzam a possibilidade de uma epidemia”, diz Cunha, da Fiocruz.

* Com Agência Estado