André Mendonça ecoa voz dissonante em votações sobre golpe e ataque ao STF
Saiu de André Mendonça a única voz dissonante no STF (Supremo Tribunal Federal) em dois votos proferidos na sexta-feira (13). Primeiro, o ministro declarou que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não tem direito ao foro especial e, portanto, não poderia ser julgado na Corte. Antes dele, os outros dez ministros já tinham votado pela condenação do ex-parlamentar.
Em outra votação, Mendonça defendeu sozinho a tese levantada pela defesa de Jair Bolsonaro de que Alexandre de Moraes estaria impedido para conduzir os inquéritos decorrentes da tentativa de golpe de Estado. Isso porque o próprio Moraes seria uma das autoridades a serem assassinadas, de acordo com o plano descoberto pela Polícia Federal.
Escolhido por Bolsonaro para ocupar uma das cadeiras no STF, Mendonça tem sido um importante aliado do ex-presidente na Corte. A proximidade do ex-presidente vem de longa data e segue até hoje. Ele e Kassio Nunes Marques foram e são os principais interlocutores de Bolsonaro no tribunal.
O UOL revelou que o então mandatário recebeu Mendonça seis vezes no Palácio da Alvorada entre julho e dezembro de 2022, quando foram intensificadas as articulações golpistas. A informação está em um relatório do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República. Nunes Marques e Dias Toffoli também foram recebidos no Alvorada no mesmo período.
Para além da pecha de bolsonarista, Mendonça tem um ponto. Ou melhor, dois. Nos dois julgamentos que se encerraram ontem no plenário virtual, o ministro levantou as questões mais alarmantes sobre as investigações conduzidas por Moraes.
A primeira delas é a interpretação conferida ao foro por prerrogativa de função nos inquéritos sobre ataques ao STF, disseminação das fake news e tentativa de golpe. Embora a Constituição Federal seja clara ao conferir o foro especial a quem ocupa cargos específicos, nesses casos, a leitura do tribunal é que o crime supostamente praticado arrasta o julgamento para o Supremo.
Mendonça ponderou que, como ex-deputado, Jefferson não goza do direito ao foro especial —e, portanto, o julgamento deveria ocorrer na primeira instância do Judiciário. "Direitos fundamentais, lembre-se, não foram concebidos apenas 'para períodos de normalidade, mas sobretudo para períodos de exceção'", de maneira que o "Estado de Direito não pode ser defendido sem a estrita observância do Estado de Direito", lembrou Mendonça, ao citar os juristas Gustavo Badaró e Samuel Sales Fonteles.
Além de levantar a discussão sobre o foro especial, o voto de Mendonça pode ter outra utilidade. Ao defender agora a tese para Jefferson, o ministro formulou seu próprio antecedente para, se for o caso, proferir voto similar quando estiverem no banco dos réus as autoridades suspeitas de planejar o golpe de Estado —dentre as quais, Jair Bolsonaro.
Pode ser que a intenção final de Mendonça, com o voto de ontem, seja beneficiar um aliado no futuro. Se escolher a tese do foro para fazer isso, poderá se eximir inclusive de examinar o mérito —ou seja, se Bolsonaro participou ou não da trama golpista. Bastará argumentar que o STF não é o foro adequado para analisar o caso.
A outra polêmica trazida por Mendonça ontem foi colocar em xeque a prevenção que Moraes acumulou para conduzir toda e qualquer investigação sobre atentados contra a democracia a partir de 2019, quando foi escolhido (e não sorteado) relator do inquérito da fake news. Embora tenha perdido a batalha para a maioria da Corte, Mendonça questionou o reinado de Moraes ao concordar com a tese que, por ser diretamente interessado nas apurações sobre a tentativa de golpe, Moraes deveria ser afastado delas.
O STF, no entanto, está fechado com a escolha de Moraes para conduzir as investigações. É praticamente nula a chance de demover a maioria desse caminho até o julgamento final dos suspeitos da tentativa de golpe. Assim como o restante do plenário está convencido de que o STF é o foro para julgar a tentativa de golpe e outros ataques à democracia.
Portanto, apesar de terem servido para ventilar as ideias no tribunal, a consequência prática dos votos dados por Mendonça ontem será, talvez, gerar algum incômodo —já que ele se senta literalmente ao lado de Moraes na configuração do plenário.
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