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A geração que polui o próprio corpo e cujos bebês já nascem "pré-poluídos"

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Imagem: Thinkstock

Nicholas Kristof

01/12/2015 06h00

Nas últimas semanas, duas importantes organizações médicas emitiram alertas independentes sobre substâncias químicas nos produtos à nossa volta. Substâncias não reguladas, elas dizem, às vezes estão associadas a câncer de mama e próstata, deformidades genitais, obesidade, diabete e infertilidade.

"A ampla exposição a substâncias tóxicas ambientais ameaça a saúde reprodutiva humana", alertou a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia em uma importante declaração no mês passado.

Os alertas são um lembrete de que a indústria química herdou o manto da indústria do tabaco, minimizando a ciência e resistindo à regulamentação de formas que causam um dano devastador a cidadãos desavisados.

Nos anos 50, os pesquisadores descobriram que os cigarros causavam câncer, mas o sistema político deixou a desejar em sua resposta. Agora o mesmo está acontecendo com substâncias químicas tóxicas.

O foco da federação de ginecologia está nos disruptores endócrinos, substâncias químicas que imitam os hormônios sexuais e com frequência confundem o corpo. Os disruptores endócrinos são encontrados em pesticidas, plásticos, xampus e cosméticos, nos recibos de caixa registradora, nas embalagens dos alimentos, retardantes de chamas e inúmeros outros produtos.

"A exposição a substâncias tóxicas durante a gravidez e amamentação é ubíqua", alertou a organização, acrescentando que virtualmente toda mulher grávida nos Estados Unidos conta com pelo menos 43 contaminantes químicos diferentes em seu corpo. Ela citou a conclusão de um relatório do Instituto do Câncer de que "em um grau perturbador, os bebês nascem 'pré-poluídos'".

Esse alerta agora representa a posição médica predominante. Ele foi elaborado pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, pela Organização Mundial da Saúde, Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido e grupos semelhantes.

Esses profissionais de medicina estão nas linhas de frente. São eles que enfrentam o aumento de casos de hipospádia, um defeito de nascença no qual os meninos nascem com a abertura da uretra na lateral do pênis, em vez de na ponta. São eles que tratam as mulheres com câncer de mama. Ambas são condições associadas à exposição a disruptores endócrinos.

A outra grande organização que emitiu recentemente um alerta é a Sociedade Endócrina, a associação internacional de médicos e cientistas que lidam com o sistema hormonal.

"Novas evidências associam a exposição a substâncias químicas que causam disrupção endócrina a duas das maiores ameaças à saúde pública enfrentadas pela sociedade –a diabete e a obesidade." Ela acrescentou que "crescentes evidências" também associam os disruptores endócrinos à infertilidade, ao câncer de próstata, testículos que não descem, câncer testicular, câncer de mama, câncer de útero, câncer de ovário e problemas neurológicos. Às vezes esses problemas surgem em adultos devido a exposição ocorrida décadas antes, no estágio fetal.

"A ameaça é particularmente grande quando o feto é exposto", alertou a Sociedade Endócrina.

Tracey J. Woodruff, da Universidade da Califórnia, em San Francisco, nota que "um mito sobre as substâncias químicas é o de que o governo americano assegura que são seguras antes de chegarem ao mercado". Na verdade, presume-se que a maioria seja segura a menos que seja provado o contrário.

Dentre os 80 mil ou mais produtos químicos atualmente comercializados no mundo, apenas uma parcela minúscula foi rigorosamente testada para determinar sua segurança. Mesmo quando uma substância química é retirada de mercado por preocupações de saúde, a substância química substituta pode ser igualmente ruim.

"É frustrante ver a mesma história sempre se repetir", disse Woodruff. "Estudos em animais, in vitro ou com seres humanos mostram que a substância A causa efeitos nocivos. A indústria química diz: 'Esses estudos foram mal feitos, me mostrem evidências humanas'. A evidência humana leva anos e exige que as pessoas adoeçam. Não deveríamos usar o público como cobaia."

A Europa está avançando no teste de produtos químicos antes que cheguem ao mercado, mas os Estados Unidos estão atrasados devido ao poder do lobby químico. A legislação de segurança química atualmente tramitando no Senado exigiria que a Agência de Proteção Ambiental iniciasse uma avaliação da segurança de apenas 25 produtos químicos nos primeiros cinco anos –e a legislação tramitando na Câmara não é muito melhor.

"Há paralelos quase intermináveis com a indústria do tabaco", disse Andrea Gore, uma professora de farmacologia da Universidade do Texas, em Austin, e editora da revista "Endocrinology".

Por ora, os especialistas dizem que a melhor abordagem é as pessoas tentarem se proteger por conta própria. Especialmente as mulheres que estão grávidas ou podem engravidar, assim como as crianças pequenas, tentando comer alimentos orgânicos, reduzir o uso de plásticos, tocar em recibos de caixa registradora o mínimo possível, tentar evitar sofás com retardantes de chama e consultar os guias ao consumidor em ewg.org (site com conteúdo em inglês).

O lobby químico gastou o equivalente a US$ 121 mil por membro do Congresso no ano passado, de modo que espere que as empresas químicas desfrutem de fortes lucros trimestrais, mais meninos nasçam com hipospádia e mais mulheres morram desnecessariamente por câncer de mama.