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O que os médicos sabem sobre a gravidade de um caso, mas não contam para a família

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Imagem: Getty Images

Paula Span

10/07/2016 06h00

Até que um derrame severo o despachou para uma unidade de tratamento intensivo em dezembro de 2014, Ernest Kohn era um nonagenário particularmente ativo, ainda dando aulas de economia na Queens College, Nova York.

Por isso, a família pensava que ele poderia se recuperar, mas quando o filho, Jerry, perguntava ao grupo de neurologistas o que provavelmente aconteceria – será que o pai sobreviveria? Iria para casa? – ninguém queria responder às indagações. "Quando eram pressionados, eles respondiam: 'Não podemos afirmar nada com certeza'", conta Kohn.

Eu vivia dizendo: 'Só quero saber sua opinião, não ter uma garantia. Queria muito saber o que seus 30 anos de conhecimento médico e experiência lhe dizem.' A maioria deles se fechava.

Sabemos há anos que os médicos vacilam ou até mesmo se recusam a discutir um prognóstico ruim com os pacientes e suas famílias. Eles temem que a má notícia acabe com a esperança; eles não querem dar a impressão de que estão entregando os pontos. Em geral, sua formação não os preparou para conversas delicadas.

Um pesquisador me disse que oncologistas acreditam que se não oferecerem mais uma quimioterapia, ainda que inútil, os pacientes irão embora, procurar outro médico que a receite.

Mesmo assim, a suposta base da medicina contemporânea –pacientes tomando decisões bem informadas– depende de sua compreensão da situação, sua expectativa de vida, sua provável qualidade de vida, os prós e os contras de qualquer tratamento proposto. Ou, quando os pacientes estão incapacitados, depende da compreensão das pessoas responsáveis por eles.

Pouca ou nenhuma informação

Especialistas têm pedido aos médicos que conversem sobre a questão incômoda, principalmente no final da vida. Dois estudos recentes, porém, demonstram como o progresso tem sido extremamente lento.

Segundo pesquisadores, mesmo pacientes terminais ainda recebem informação escassa, enquanto os familiares que respondem pelos internados na UTI costumam enfrentar confusão e desinformação. Os estudos também revelam alguns motivos para a desconexão. Ao que parece, os médicos não merecem toda a culpa.

A Dra. Holly Prigerson, diretora do Centro para Pesquisa sobre Cuidados de Final da Vida da Faculdade de Medicina Weill Cornell, e colegas entrevistaram 178 pacientes em centros de oncologia dos Estados Unidos. Todos tinham cânceres que evoluíram apesar da quimioterapia; os oncologistas estimavam sua expectativa de vida em menos de seis meses. "Esses pacientes estavam morrendo, e todos que os tratavam estavam bem cientes disso", conta ela.

40% dos pacientes terminais não sabiam expectativa de vida

Quase 40% deles, no entanto, afirmaram que nunca discutiram o prognóstico ou a expectativa de vida com os oncologistas. Sem surpresas, quando convidados a responder quatro perguntas centrais sobre como entendiam sua doença – incluindo se compreendiam que o câncer era incurável e eles tinham meses e não anos de vida – somente 5% responderam corretamente.

Antes os pesquisadores atribuíam esses resultados a falhas de comunicação. Os médicos não falavam em prognósticos ou não empregavam uma linguagem que pessoas comuns entendessem.

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Imagem: Getty Images

"Nós fizemos várias suposições de que com boa informação as pessoas tomariam decisões boas, claras e racionais", diz o Douglas White, diretor do programa sobre tomada de decisões éticas da Universidade de Pittsburgh.

A realidade, porém, é consideravelmente mais complicada.

Na pesquisa anterior de White, ao pedir aos representantes com parentes na UTI para responder a prognósticos hipotéticos, os familiares marcadamente tinham maior probabilidade de interpretar corretamente as previsões otimistas ("uma chance de 90% de sobreviver") do que as pessimistas ("uma chance de 5%").

Isso se chama "viés positivo". Já o estudo mais recente, publicado no periódico "JAMA", mostra que este está longe de ser o único fator a criar confusão.

White e colegas entrevistaram 229 representantes de internados e 99 médicos envolvidos nos cuidados de pacientes extremamente doentes, a maioria com mais de 65 anos, que já haviam passado cindo dias ligados a aparelhos na unidade intensiva. Os pesquisadores pediram para os médicos estimarem a probabilidade que cada paciente tinha de sobreviver à internação, de zero a cem por cento; eles perguntaram aos familiares qual eles achavam ser a previsão do médico.

Em mais da metade das vezes, os pesquisadores encontraram "discordância" significativa – pelo menos uma diferença de 20 pontos porcentuais entre a avaliação médica e o que os representantes acreditavam.

Em quase metade das vezes, um mal-entendido explicava por que os representantes estavam errados. O estudo não foi feito para dizer de quem era a culpa. Geralmente, entretanto, as crenças dos familiares – uma mistura de convicções pessoais, emocionais e espirituais durante um instante conturbado – também desempenhavam um papel. Nas entrevistas, os representantes falavam da importância das "boas vibrações, do poder do pensamento positivo mudar o resultado", conta White. Para eles, acreditar na recuperação poderia ajudar nesse sentido.

Ou os familiares refletiam o efeito de "Lake Wobegon", que ganhou esse nome por causa da cidade fictícia criada por Garrison Keillor onde todas as crianças são acima da média – muitos pacientes nessa situação podem morrer, mas seus parentes foram "lutadores" ou tinham outras forças singulares, então as probabilidades habituais não se aplicavam. Por outro lado, as crenças religiosas das famílias às vezes ditavam que, independentemente do que os médicos pensavam, somente Deus poderia determinar o futuro do paciente.

Compreender o que o futuro reserva pode afetar profundamente a qualidade de vida dos pacientes – e sua morte. Se eles subestimarem a expectativa de vida, podem abrir mão de um tratamento útil. Se o superestimarem – o equívoco mais comum –, aceitam fazer mais exames e procedimentos que transformam suas últimas semanas e meses numa correria médica.

Honestidade ajuda em decisões no fim da vida

Discussões francas não perturbam a ligação entre médicos e pacientes, demonstrou Holly Prigerson. Elas aumentam a probabilidade de que os pacientes vão receber o atendimento de fim de vida que preferem, deixando os sobreviventes mais habilitados a lidar com a dor.

De forma predominante, pacientes e famílias dizem querer conhecer os prognósticos, mesmo que suspeitem deles ao mesmo tempo.

"Havia um ceticismo claro quanto ao que os médicos poderiam prever, mas eles também acharam que seria útil", declara White, que estudou os desejos dos representantes dos internados. "Isso ajuda a se preparar para a possibilidade de que o parente talvez não sobreviva."

Por exemplo, Laura Perry observa a mãe ficar a cada dia mais incapacitada por causa do mal de Parkinson. Ela se preocupa com quanto tempo a mãe, de 76 anos, pode ficar em sua casa com assistência social em Glastonbury, Connecticut. Laura acha difícil convencer o neurologista da mãe a falar sobre o futuro – mesmo quando enviou um bilhete ao doutor antes de uma consulta, solicitando uma discussão.

"Os médicos sempre querem ser os animadores da torcida", conta ela.

Somente depois que Ernest Kohn trocou a UTI por uma unidade de reabilitação no subúrbio que a sua família teve uma conversa franca, uma conferência, com toda a sua equipe médica, a respeito do seu futuro. Os médicos explicaram que Kohn estava extremamente doente e que seu prognóstico era ruim; os intermitentes bons dias (ele recuperara um pouco da fala) não mudariam o resultado provável.

Não era o que o filho – que ficou "mais triste, contudo, mais tranquilo" – queria escutar, porém, ele gostou da franqueza compreensiva.

Para ele, se a conversa tivesse acontecido antes, "a expectativa teria passado da cura milagrosa que esperávamos para o fato de estarmos vivendo seus últimos dias de vida". O pai morreu 75 dias após o derrame.