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Polícia apura relação 'estreita' entre Erenice Guerra e grupo acusado de comprar MPs

Sérgio Lima/Folhapress
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

De Brasília

14/02/2016 08h33Atualizada em 14/02/2016 15h55

Documentos apreendidos na Operação Zelotes reforçam o elo da ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra com o grupo acusado de "comprar" medidas provisórias de interesse de montadoras de veículos no governo. A Polícia Federal encontrou nas casas de dois dos envolvidos anotações com referências à ex-ministra, o que, para os investigadores, indica "estreita" relação entre ela e os investigados.

Erenice foi secretária executiva da Casa Civil de 2005 a 2010, ano em que passou a ser titular da pasta, entre os meses de março e setembro, com a saída da então ministra Dilma Rousseff do cargo para se candidatar à Presidência.

No período, duas MPs sob suspeita de terem sido "encomendadas" foram discutidas pelo órgão (471/2009 e 512/2010), antes de seguir para assinatura do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Erenice, o ex-presidente e outros ex-agentes públicos são investigados em inquérito atualmente em curso na Operação Zelotes. Conforme a PF, o objetivo é averiguar se, eventualmente, eles foram "corrompidos" ou foram "vítimas" de tráfico de influência praticado pelos lobistas que atuaram para viabilizar as MPs.

As normas prorrogaram incentivos fiscais a montadoras instaladas no Norte, no Nordeste e Centro-Oeste.

Apreensões

As citações à ex-ministra Erenice Guerra aparecem em relatórios da Polícia Federal sobre as apreensões feitas em endereços dos acusados. Na casa do lobista Mauro Marcondes Machado e da mulher dele, Cristina Mautoni, foi encontrado papel com as anotações "Erenice" e "conta 55 8654672". O casal está preso desde outubro por suspeita de operar o suposto esquema das MPs.

Para a PF, o número se trata, provavelmente, de uma conta bancária. "Tais anotações sugerem, mais uma vez, o envolvimento ou a ligação estreita entre ela (Erenice) e os principais investigados", diz trecho da análise dos investigadores.

No endereço do advogado Eduardo Gonçalves Valadão --que, assim como o lobista Mauro Marcondes, responde a ação penal por envolvimento no suposto esquema-- foi achado manuscrito com a seguinte mensagem: "O Alexandre me falou por alto sobre o assunto que o Zé Ricardo está deixando na mão. Pede mais informações / Fala da dívida do José Ricardo com o grupo (Erenice, Fernando Cesar Mesquita etc)".

Após deixar a Casa Civil, Erenice passou a atuar como advogada. Zé Ricardo --como é conhecido José Ricardo da Silva, outro lobista preso sob acusação de "comprar" MPs-- se associou a ela para resolver pendências da Huawei Telecomunicações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Em outra frente de investigação, a Zelotes apura suposto esquema de corrupção para influenciar decisões nesse órgão, uma espécie de tribunal administrativo que avalia débitos de contribuintes com a Receita.

Ex-chefe do setor de comunicação no Senado, Fernando César Mesquita é réu em ação penal sobre as medidas provisórias, acusado de receber propina para facilitar pleitos dos investigados no Legislativo. Ele nega qualquer participação em negócios ou em suposto grupo envolvendo Erenice Guerra.

"Não conheço essa pessoa, nunca vi Erenice na vida. Jamais participei de qualquer grupo com as pessoas mencionadas", afirma Mesquita.

'Grupo'

Na análise, a Polícia Federal diz que a anotação é de "fundamental importância", pois trata "de forma taxativa sobre a existência de um grupo", "robustecendo as suspeitas de que os investigados tenham se organizado de forma criminosa".

"Importante frisar também a menção aos nomes de Erenice e Fernando César Mesquita, como sendo integrantes do mesmo 'grupo', o que vem a corroborar suspeitas nos negócios envolvendo os ora investigados", afirma o relatório.

O agente da PF responsável pela análise sugere um exame grafotécnico para confirmar quem é o autor do manuscrito e, com isso, aprofundar as investigações sobre o conteúdo.

Também foi localizado na casa de Eduardo Valadão um boleto de pagamento de uma das empresas dele, a Rumo Comercializadora de Energia, para uma agência de turismo, no valor de R$ 8.900. Com o documento, com data de 10 de novembro de 2011, havia uma relação de viagens, tickets e nomes de passageiros, entre eles "Erenice Guerra", que aparece com três passagens relacionadas.

Defesa

A ex-ministra não respondeu a questionamentos do Estado sobre os relatórios da PF, enviados por e-mail. Informou, por meio de sua assessoria, que não os comentaria. Ela tem afirmado que conheceu os investigados na Zelotes em 2011, após deixar a Casa Civil.

Em depoimento à Polícia Federal, em dezembro, ela disse ter sido apresentada a Mauro Marcondes e Cristina Mautoni numa viagem a São Paulo. Não soube explicar a presença de seu nome em papel apreendido na casa do casal, ao lado do número de suposta conta.

A ex-ministra ressaltou que os números não lhe são "familiares" e consignou sua "estranheza com a anotação" feita por uma pessoa que "não conhece".

Erenice disse no depoimento à PF que sua relação com o escritório J.R Silva Advogados, de José Ricardo da Silva, se restringiu à defesa da Huawei Telecomunicações no Carf. Ela afirmou que não sabe o porquê de seu nome ser citado como integrante do "grupo" em anotação encontrada na casa de Valadão e que espera que o advogado explique o manuscrito. Em sua oitiva, ele silenciou a respeito.

A ex-ministra sustentou que nunca se reuniu com os investigados para tratar das medidas provisórias e que nunca recebeu quaisquer vantagens relacionadas à edição das normas.

Aos investigadores, Erenice também disse que não fez viagem para atender a interesses exclusivos das empresas de Valadão, mas que se recordava de que, num deslocamento para São Paulo, aproveitou para levar o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS (preso desde outubro por causa das investigações da Operação Zelotes), para um encontro com Fernando Bertin, do Grupo Bertin.

A ex-ministra havia indicado empresas de Valadão para as empresas da família Bertin comprarem energia. Questionada pelo delegado Marlon Cajado, alegou não se recordar quem custeou a viagem.

Procuradas, as defesas de Eduardo Valadão e do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni não comentaram.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.