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Rio tem mais de um século de polêmicas e demolições de prédios históricos

07/02/2013 09h00

Sede do Império, antiga capital da República e desde o ano passado reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, a cidade do Rio de Janeiro, com seus prédios e instituições históricas, é há mais de cem anos palco de um embate entre preservacionistas e aqueles que defendem demolições e intervenções para a modernização e expansão da metrópole.

O mais novo foco desta batalha está nas imediações do estádio do Maracanã, na zona norte do Rio, que vem sendo reformado como parte dos preparativos para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014.

Depois de uma batalha que se estendeu por meses, o governo do Estado anunciou no final de janeiro que não irá mais derrubar um dos principais alvos da disputa: o prédio do antigo Museu do Índio, construído em 1862 e que fica no entorno do estádio. Apesar da decisão pelo tombamento e restauro do imóvel, o destino das famílias indígenas que ocupam o local desde 2006 ainda é incerto. Enquanto o poder público promete desocupar a área, os membros da chamada Aldeia Maracanã pretendem permanecer no local.

Mas a polêmica não se restringe ao antigo museu. De acordo com os planos de reforma do estádio, também devem ir ao chão a Escola Municipal Friedenreich, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare, todos vizinhos ao Complexo do Maracanã.

Enquanto movimentos sociais e atletas vêm protestando contra a derrubada dos prédios, defendendo seu valor histórico e cultural, o governo do Estado afirma que as demolições são necessárias para a modernização do estádio e ampliação de áreas externas e de estacionamento.

Patrimônio

O Rio tem hoje 1,2 mil bens tombados e protegidos por lei, entre imóveis históricos, paisagens naturais e instituições imateriais. Mas nem sempre foi assim: no processo de urbanização da cidade, casas coloniais, igrejas barrocas e palácios da época do Império foram demolidos para dar lugar a ruas, avenidas, praças e até estacionamentos.

"Em um país jovem, em um país com uma população crescendo, é natural que haja uma predisposição ao novo, à mudança", diz o arquiteto e doutor em História da Arte Cyro Correa Lyra, que há três décadas atua no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

"Agora, tem que haver e está havendo cada vez mais uma consciência das pessoas de que, ao se demolir edificações antigas, nem sempre se ganha. Pelo contrário, geralmente se perde", afirma Lyra.

Bota-Abaixo

Muito antes das polêmicas atuais, no início do século 20, o desejo de transformar o Rio em uma espécie de "Paris dos Trópicos" fez com que o então prefeito Francisco Pereira Passos colocasse em prática o que ficou conhecido como "Bota-Abaixo", ou a demolição em massa de prédios e casas para modernizar a então capital da República.

Neste período, cerca de 1,7 mil imóveis foram desocupados e derrubados para a construção da avenida Central (atual avenida Rio Branco), inaugurada em 1905, e a avenida Beira Mar, aberta no ano seguinte. "A inauguração da avenida Central causou a destruição de todo um casario da época da Colônia e do Império", diz a historiadora Sandra Horta, gerente de Pesquisa do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.

No lugar do casario colonial, surgiram os edifícios ecléticos da Belle Époque, dos quais o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes são alguns dos poucos remanescentes. Apesar da beleza e suntuosidade destes prédios, boa parte também acabou demolida, principalmente a partir da segunda metade do século 20.

"A avenida Rio Branco foi concebida para ser o grande cartão postal do centro do Rio de Janeiro. Todas as fachadas deveriam passar por um concurso, cada empreendedor buscou criar seu prédio mais bonito que o outro. Ela se tornou esse espaço meio europeu, meio parisiense", explica Roberto Anderson Magalhães, urbanista e arquiteto do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro (Inepac).

"(Mas) essa concepção foi alterada pela permissividade da legislação, que permitiu que aquilo fosse derrubado e fossem construídos novos prédios. Hoje o que restou foram só pequenas lembranças do que ela foi", diz Magalhães.

Morro do Castelo

Uma das mais dramáticas intervenções urbanas no Rio, no entanto, foi o arrasamento do Morro do Castelo. Localizado em uma região que atualmente vai da Cinelândia ao Museu Histórico Nacional, a elevação foi o berço do Rio de Janeiro, ocupada em 1567 pelos portugueses comandados por Mem de Sá como parte de uma estratégia para proteger a recém-fundada cidade.

Após a demolição de uma pequena parte do morro para a construção da avenida Rio Branco, no início do século 20, o Morro do Castelo começou a desaparecer completamente da paisagem carioca a partir de 1920.

"O pretexto era de que era preciso arejar o centro, era preciso fazer com que o ar puro chegasse, mas se perdeu muita coisa. Ali havia a antiga fortaleza , a igreja e o Colégio dos Jesuítas, o seminário de São José, a cadeia, o calabouço, o Observatório...", diz a historiadora Sandra Horta.

O único remanescente do morro é o sopé da Ladeira da Misericórdia, primeira via pública da cidade e que ainda guarda o calçamento original de pé de moleque.

"Foi um crime, equivale a você chegar hoje e dizer 'vamos tirar Veneza do mapa porque eu preciso de espaço'. É como arrancar Ouro Preto, Parati, Olinda, qualquer cidade histórica, do mapa", opina Cau Barata, pesquisador especializado na História do Rio.

Vargas e o 'destombamento'

Outro embate marcante sobre o destino de prédios históricos no Rio se deu durante a abertura da avenida Presidente Vargas, durante a década de 1940.

A construção da via de ligação entre a zona norte e o centro do Rio foi autorizada diretamente por Getúlio Vargas e prédios e locais importantes como igrejas do século 18, o Paço Municipal e a Praça Onze de Junho, um dos berços do samba e da boemia carioca, desapareceram durante as obras, finalizadas em 1944.

Um dos casos mais emblemáticos da abertura da Presidente Vargas foi a demolição da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Construída em 1733 em estilo barroco, ela havia sido tombada pelo Iphan. Para a construção da via, no entanto, foi aprovado um decreto que dava ao presidente da República o poder de "destombar" um bem, o que acabou abriu caminho para que o templo fosse demolido.

Monroe

Mas talvez a ausência que mais incomode os cariocas até hoje seja a do Palácio Monroe, localizado onde atualmente fica a Praça Mahatma Gandhi, próximo à Cinelândia.

O suntuoso prédio que chegou a ser sede da Câmara e do Senado Federal foi construído em 1904 para abrigar o pavilhão brasileiro durante a exposição de Saint Louis, nos EUA. Desmontado, ele foi transportado e remontado no Rio, onde virou marco na paisagem.

Em 1976, no entanto, após uma grande polêmica sobre seu destino, o Palácio Monroe acabou vindo abaixo, sob circunstâncias ainda não muito claras. "A desculpa era de que era preciso tirá-lo porque o metrô iria passar por ali. Mas é uma desculpa da época, o metrô não passa onde ele estava. Não se sabe direito qual foi a razão (da demolição), mas pode ser aquele caso de prefeito ou de governador mimado", brinca Cau Barata.