Indígenas protestam contra mudança na demarcação de terras
Na semana em que a Constituição de 1988 completa 25 anos, índios de várias regiões do Brasil promovem nesta terça-feira em Brasília uma manifestação para defender os direitos que lhes foram assegurados pela Carta e protestar contra propostas no Congresso que os afetam.
A passeata, que segundo organizadores deverá agregar mais de mil líderes indígenas, além de quilombolas e apoiadores, integra uma série de atos em vários pontos do país promovidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O principal alvo do grupo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Defendida por parlamentares ruralistas, a PEC alteraria o processo de demarcação de terras indígenas.
Hoje, a demarcação é uma atribuição do Poder Executivo, conduzida pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e chancelada pelo Ministério da Justiça e pela Presidência da República.
Se a PEC for aprovada, as demarcações ficarão a cargo do Congresso. A medida tramita desde 2000, mas, nas últimas semanas, a bancada ruralista tem pressionado para que o Congresso instale uma comissão para analisar a PEC, último passo antes de sua votação.
'Paralisação total'
Indígenas avaliam que, se a PEC passar, dificilmente haverá novas demarcações, dada a força da bancada ruralista no Congresso. Para Tonico Benites, líder guarani-kaiowá, seu povo será um dos maiores prejudicados pela medida, por aguardar o desfecho de dezenas de processos demarcatórios em Mato Grosso do Sul.
"Se, da forma como a legislação está, a Constituição não foi aplicada como deveria, a alteração vai significar uma paralisação total das demarcações", ele diz à BBC Brasil.
Em seu artigo 67, a Constituição de 1988 afirma que a União deveria concluir a demarcação de terras indígenas cinco anos após a promulgação da Carta, ou seja, até 1993.
No entanto, há demarcações pendentes - algumas há décadas - em quase todos os Estados. A questão é especialmente crítica em Mato Grosso do Sul e nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
Em boa parte dos casos, as demarcações estão paralisadas por processos judiciais movidos por Estados, municípios ou agricultores que seriam desalojados pelas ações. Em outros 21, elas dependem apenas do aval do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e/ou da presidente Dilma Rousseff.
O povo guarani, espalhado em sua maioria pelo Sudeste e Sul do país, também espera a conclusão de várias demarcações.
Marcos Tupã, um dos líderes da etnia em São Paulo, diz que os guaranis reivindicam territórios no litoral do Estado cuja processo de regularização nem sequer se iniciou. E em duas terras indígenas no município de São Paulo, a etnia quer a ampliação das áreas por julgá-las insuficientes para a manutenção dos costumes e bem-estar das comunidades.
"Se a PEC não for arquivada, partiremos para o confronto", afirma.
Ruralistas
Já para os defensores da PEC 215, a medida daria mais isenção aos processos de demarcação.
Segundo o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dos principais negociadores da bancada ruralista, é injusto que o órgão que propõe cada demarcação - a Funai - seja o mesmo a analisar recursos contrários ao ato.
"Se eles (Funai) dizem que a terra é indígena, inventam qualquer coisa e não tem argumento contrário que valha", diz Heinze.
"Temos imigrantes alemães que estão aqui (no Rio Grande do Sul) há 150 anos e estão ameaçados de expulsão, todos com documentos escriturados".
Heinze diz esperar que o Congresso instale a comissão que discutirá a PEC ainda nesta semana. Se aprovada, o grupo deverá ter ampla maioria ruralista.
O Palácio do Planalto, porém, é contrário à medida e tenta negociar uma alternativa com os ruralistas. Em maio, numa tentativa de acalmar os ânimos da bancada, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que o governo reveria o processo de identificação de terras, incluindo outros órgãos federais.
As novas regras ainda não foram anunciadas.
Mesmo índios cujas terras já foram demarcadas participarão do protesto em Brasília. Outros projetos no Congresso criticados pelo grupo são a PEC 237, que permite o arrendamento de terras indígenas; e o Projeto de Lei Complementar 227, que proíbe demarcação de terras produtivas.
Líder da etnia kisêdjê - que habita o Parque Indígena do Xingu (MT) -, Winti Suyá cita outra iniciativa que o preocupa: o Projeto de Lei 1.610, que trata da mineração em terras indígenas.
Pelo projeto, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), os índios receberiam parte dos lucros da atividade. Para Suyá, porém, a exploração dos minerais desequilibraria os territórios, ao poluir rios e desmatar a floresta. "Queremos dinheiro, mas não dessa maneira."
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