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Morte de miss obriga Maduro a assumir crise de segurança na Venezuela

09/01/2014 20h01

Não foram os assassinatos da miss e atriz venezuelana Monica Spear e de seu ex-marido Henry Thomas Berry que levaram a cabeleireira Andreína Blanco a mudar de casa, alterar sua rotina e a viver permanentemente com medo.

Há três anos, Andreína perdeu seu filho mais velho, morto a tiros durante um assalto no bairro popular onde viviam, na zona sul da capital Caracas.

Entusiasmado com o primeiro emprego, o jovem de 20 anos pedira à mãe que o ajudasse a comprar uma moto para chegar pontualmente ao trabalho, às 6h da manhã. "A moto estava nova, não tinha nem dois meses de uso. Os bandidos sabiam que ele chegava cedo do trabalho, estavam esperando por ele", relata Andreína.

O jovem deixou um filho de um ano, a esposa grávida de outro bebê e a mãe, desorientada. "Quando meu neto me pergunta por que o pai dele está no céu, não sei o que responder, acabo chorando, é terrível", conta, com a voz embargada.

O caso de Andreína é parte do cotidiano de muitas famílias venezuelanas que permanecem no anonimato, vitimadas pelos altos índices de impunidade apontados como uma das causas que alimentam a violência na Venezuela.

"O assassino do meu filho continua solto. A impunidade é o grande problema", reclama. Dados de ONGs indicam que somente 3% dos casos de homicídios no país são julgados e seus responsáveis, sentenciados.

Plano de 'pacificação'

No caso de Spear, o desenlace parece ser outro. As autoridades venezuelanas aceleraram as investigações e sete suspeitos do duplo homicídio estão detidos. A filha de cinco anos do casal, ferida durante o assalto, está fora de perigo.

A comoção interna e a notoriedade internacional do caso levaram o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a convocar uma reunião de emergência, na quarta-feira, com governadores e prefeitos, aliados e opositores, para desenhar um plano de "pacificação" para o país.

Participou, inclusive, o governador opositor e ex-candidato presidencial Henrique Capriles, principal líder antichavista.

O aperto de mãos entre o presidente e Capriles --que até então não havia reconhecido a legitimidade de Maduro como mandatário eleito-- foi visto como um gesto de rara conciliação em torno do problema, principal fator de preocupação de 8 entre cada 10 venezuelanos.

"Como interromper a matança na Venezuela? O que é necessário fazer que ainda não fizemos? Porque algo não fizemos para que isso ocorra dessa maneira, ainda que seja verdade que baixaram alguns índices (de violência) aqui e ali", afirmou Maduro durante o encontro, ao prometer atuar com "mão de ferro" contra os criminosos.

Maduro propõe plano contra criminalidade na Venezuela

Armas

Entre as medidas imediatas anunciadas por Maduro --que prometeu obter resultados concretos em um mês-- estão a ampliação do programa social A Toda Vida Venezuela, de combate à criminalidade, a elaboração de uma lei de pacificação e o reforço no policiamento e desarme.

"Ninguém pode ficar com armas, as armas são da República", afirmou Maduro.

A oposição vê com desconfiança o chamado de conciliação para combater o problema. "Se queremos ganhar a luta contra a violência temos que ter fatos, não retórica", afirmou Capriles, após o encontro.

Nas redes sociais, como é comum no país, a politização do caso é evidente. Durante um protesto convocado por atores, na segunda-feira, uma fâ da atriz chegou a pedir a incorporação da pena de morte na Constituição.

Crise no gabinete

A crise teria provocado também uma reviravolta no Palácio de Miraflores, a sede do governo. Nesta quinta-feira, todos os ministros colocaram seus cargos "à disposição" do presidente para facilitar uma "renovação" no governo.

Na véspera, Maduro havia ordenado a destituição do diretor da Polícia Nacional Bolivariana e da presidente da Unes, Universidade de formação policial.

Para Luis Cedeño, diretor da ONG Paz Ativa, a reação do governo é "adequada". "Hugo Chávez nunca tratou diretamente do problema. Maduro finalmente assumiu a responsabilidade e isso é um passo importante", afirmou Cedeño à BBC Brasil.

Chávez considerava que o combate à violência deveria ocorrer a partir do combate à da desigualdade social. Críticos apontam, no entanto, que sem uma reforma dos sistemas Judicial, Penitenciário --em estado similar ou pior ao do Brasil-- e de Segurança Civil, a inclusão social, por si só, não basta para resolver o problema. " A pobreza caiu, as condições de vida melhoraram, mas a insegurança cresceu", afirma Luis Cedeño.

A Venezuela é um dos países mais violentos do hemisfério, com um índice de 39 homicídios por cada 100 mil habitantes, de acordo como Ministério de Interior e Justiça.

Relatório de 2012 do escritório antidrogas da ONU cita cifras ainda maiores, com 45 homicídios acada 100 mil habitantes. No Brasil, ainda de acordo com as Nações Unidas, a taxa é de 21 assassinatos por cada 100 mil habitantes.

"Quantos famosos mortos serão necessários para que medidas efetivas sejam tomadas?", questiona à BBC Brasil o músico Victor Huaman. "Monica Spear representa todos os mortos venezuelanos? Não acredito. Onde estão os responsáveis pelos mortos anônimos diários, das crianças que, assim como a filha dela, ficaram órfãs?"

Huaman foi vítima de um sequestro relâmpago --esteve 15 horas sob poder de assaltantes até ser liberado.

"Nos acostumamos a ir cedo pra casa por temor à violência, mas não questionamos por que isso ocorre. O medo se tornou um negócio e as pessoas se escondem em carros blindados, atrás de grades de proteção ou até mesmo com uma arma, mas isso não gera incomodidade suficiente para despertar uma reação de toda a sociedade, de chavistas e opositores", afirmou.