Sistema de alertas reduz mortes, mas desastres ainda desafiam Rio
Três anos após o maior desastre natural da história do país, um sistema de monitoramento de chuvas e rios e de alertas de desocupação emergencial de áreas de risco vem se fortalecendo e já se expandiu para 16 cidades do Estado, além da capital.
As chuvas iniciadas em 12 de janeiro de 2011 na região serrana do Rio deixaram um total de 918 mortos, em cidades como Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis.
Para o governo, o sistema de monitoramento e os alertas se traduzem em redução do número de mortes durante chuvas intensas, mas especialistas apontam que é necessário fazer mais.
Pioneiro no país, o sistema fluminense conta com duas pontas importantes: uma, o monitoramento de chuvas e rios, feito pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente) desde 2010, que comunica autoridades e envia mensagens de texto por celular a qualquer um que se cadastre em seu sistema.
A segunda é o programa da Defesa Civil estadual criado em 2011, que, ao receber um alerta, aciona sirenes localizadas em cem comunidades da capital e 54 de quatro cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis, Friburgo e Bom Jardim. Mais 180 comunidades em 12 cidades do Estado devem entrar no sistema até o fim do mês, diz o coronel Sérgio Simões, secretário da Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro.
As sirenes emitem som de corneta e uma mensagem gravada indicando que as chuvas atingiram nível preocupante e que é necessário desocupar as casas e dirigir-se a áreas seguras. Tais locais são previamente estabelecidos em treinamentos com lideranças de cada lugar. Atualmente há mais de 3 mil agentes comunitários de saúde e presidentes de associações de moradores que possuem celulares fornecidos pela Defesa Civil para receberem alertas via SMS.
Para Simões, a conscientização feita com as lideranças comunitárias e em escolas no entorno das áreas de risco é a chave para o sucesso dos alarmes sonoros. "As pessoas precisam saber para onde ir e como proceder na hora de uma emergência", diz.
Impactos
As mortes em decorrência de desastres naturais continuam ocorrendo, mas Simões acredita que a redução do número de vítimas fatais no Estado mostra o impacto do programa. Em 2010 a cifra estava nas centenas, com 293 mortes. Um ano depois, a maior tragédia do tipo na história do país vitimou 918 pessoas, e em 2012 houve 27 mortes. No ano passado, contando com quatro vítimas fatais em dezembro, a cifra fechou em 39.
Números do Ministério da Integração Nacional mostram uma variação da cifra de mortos também em nível nacional. Em 2008, ano da tragédia em Santa Catarina, foram 168. Em 2009, 184 pessoas morreram em desastres, e em 2010 foram 617. Já em 2011, com o desastre na serra fluminense, o número subiu para 1.023, e em 2012 ficou em 71, mas sofreu nova elevação em 2013, com as fortes chuvas no fim do ano nos Estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
"Em Friburgo tivemos recentemente um evento que mostrou a eficiência do sistema. Uma comunidade foi desocupada após os alarmes, e horas depois houve um deslizamento de terra, atingindo casas, mas ninguém morreu. Estamos no melhor dos mundos? Não, longe disso, mas estamos melhorando", avalia o coronel.
Simões explica que há um simulado no dia 10 de cada mês nas comunidades com sirenes instaladas. No começo, menos de 10% dos moradores aderiam ao treinamento, mas hoje em dia ao menos metade da população já reconhece a importância do exercício.
Marilene Ramos, presidente do Inea, lembra que as variações climáticas influenciam o cenário. "Realmente tivemos uma grande inundação na Baixada Fluminense em dezembro e o número de mortes foi pequeno, mas como dependemos do clima, é a longo prazo que poderemos verificar esse impacto".
Quantidade de chuva
De fato, não só o avanço dos sistemas de monitoramento e alerta ou o atraso em obras estruturantes e na política de reassentamentos de áreas de risco influenciam a gravidade e o número de pessoas que perdem a vida em tragédias naturais.
A quantidade de chuva é outro fator importante. De acordo com o Alerta Rio, do Centro de Operações Rio de Janeiro, entre 2009 e 2013 houve variação no nível de chuvas recebido pela cidade. Em 2009 foram 133,5 mm; em 2010, 138 mm; 2011, 90,3 mm e em 2012 foram 90,2 mm. No ano passado, a capital fluminense recebeu um acumulado de 124,9 mm.
A chefe do Inea diz que a "tragédia de 2011 serviu muito para abrir os olhos dos que não tinham a dimensão do problema da ocupação do solo em áreas de risco", e que o trabalho de monitoramento e alertas continuará sendo intensificado, mas que também são necessárias "obras estruturantes" nestas regiões, além do reassentamento de moradores.
Ramos destaca o fortalecimento do monitoramento, no entanto, com a chegada de dois radares meteorológicos que devem entrar em funcionamento em março deste ano. O investimento, de R$ 13 milhões, garantirá cobertura maior quanto à previsão de fortes chuvas e outros fenômenos, mas chega com bastante atraso, já que a compra dos equipamentos foi anunciada pouco após a tragédia na região serrana, de 12 de janeiro de 2011.
Os radares intensificarão a estrutura atual, que já interliga as esferas municipal, estadual e federal, com o Centro de Operações do Rio de Janeiro, Inea, Centro de Monitoramento Estadual de Desastres Naturais, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), da Defesa Civil nacional.
Desafios
Apesar dos avanços para a administração da situação emergencial trazida pelas fortes chuvas, ainda há desafios para aumentar a prevenção e garantir maior controle sobre o risco.
Simões diz que a percepção de risco do brasileiro ainda é muito diferente se comparada à de populações de países onde há terremotos e furacões, por exemplo. "Aqui a pessoa tem crenças religiosas, ou pensa que sua casa foi construída de forma segura, tem medo de ter os bens saqueados".
Ele explica que a maioria das vítimas morre afogada, levada pelas águas, soterrada por deslizamentos de terra, ou por eletrocutamentos.
O chefe da Defesa Civil do Rio relembra um caso na comunidade da Formiga, em 2011. "As sirenes soaram e boa parte da população desocupou as áreas de risco. Houve um escorregamento de terra, e atingiu uma casa da qual a família nao tinha saido, durante a madrugada. Eu estive com essa familia, e o morador me disse que sabia pra onde tinha que ir, e ouvia a sirene, não acreditou que pudesse acontecer alguma coisa com a casa porque ele mesmo a tinha construído", diz.
Outras dificuldades incluem a elaboração de planos preventivos por parte das prefeituras, um controle maior sobre as áreas de encostas e margens de rios - onde novas construções devem ser proibidas -, o reassentamento de moradores que já se encontram em regiões de perigo e investimentos em obras de longo prazo, como desassoreamento de rios.
'Anos de trabalho'
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e chefe do Observatório das Metrópoles, diz que o uso de novas tecnologias e implementação de sistemas de alertas e alarmes é bem-vindo, mas "não toca no fundo da questão".
Ele cita o caso da Baixada Fluminense, um território com sistema hidrográfico muito complexo. "São vários rios, de níveis diferentes, todos desaguando na Baía de Guanabara, num território de baixada. A solução seria fazer obras que possibilitassem vazar a água das chuvas com velocidade mais lenta, mas para isso é necessário se dispor de áreas verdes, planejamento, investimentos e anos de trabalho".
O especialista relembra as origens do problema de ocupação urbana no país e diz que muitas das obras seguem a "lógica eleitoral", visando ações imediatistas e não trabalhos contínuos, que se estenderiam por mais de um governo.
"O problema é muito mais complexo do que coleta e fusão de informações e retirada emergencial de moradores. O que temos no Brasil é o resultado de um processo de urbanização feito completamente à revelia em termos de planejamento e de regras de uso e ocupação do solo. Se não dermos atenção a isso, vamos ficar sempre lidando apenas com a emergência", diz.
As chuvas iniciadas em 12 de janeiro de 2011 na região serrana do Rio deixaram um total de 918 mortos, em cidades como Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis.
Para o governo, o sistema de monitoramento e os alertas se traduzem em redução do número de mortes durante chuvas intensas, mas especialistas apontam que é necessário fazer mais.
Pioneiro no país, o sistema fluminense conta com duas pontas importantes: uma, o monitoramento de chuvas e rios, feito pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente) desde 2010, que comunica autoridades e envia mensagens de texto por celular a qualquer um que se cadastre em seu sistema.
A segunda é o programa da Defesa Civil estadual criado em 2011, que, ao receber um alerta, aciona sirenes localizadas em cem comunidades da capital e 54 de quatro cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis, Friburgo e Bom Jardim. Mais 180 comunidades em 12 cidades do Estado devem entrar no sistema até o fim do mês, diz o coronel Sérgio Simões, secretário da Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro.
As sirenes emitem som de corneta e uma mensagem gravada indicando que as chuvas atingiram nível preocupante e que é necessário desocupar as casas e dirigir-se a áreas seguras. Tais locais são previamente estabelecidos em treinamentos com lideranças de cada lugar. Atualmente há mais de 3 mil agentes comunitários de saúde e presidentes de associações de moradores que possuem celulares fornecidos pela Defesa Civil para receberem alertas via SMS.
Para Simões, a conscientização feita com as lideranças comunitárias e em escolas no entorno das áreas de risco é a chave para o sucesso dos alarmes sonoros. "As pessoas precisam saber para onde ir e como proceder na hora de uma emergência", diz.
Impactos
As mortes em decorrência de desastres naturais continuam ocorrendo, mas Simões acredita que a redução do número de vítimas fatais no Estado mostra o impacto do programa. Em 2010 a cifra estava nas centenas, com 293 mortes. Um ano depois, a maior tragédia do tipo na história do país vitimou 918 pessoas, e em 2012 houve 27 mortes. No ano passado, contando com quatro vítimas fatais em dezembro, a cifra fechou em 39.
Números do Ministério da Integração Nacional mostram uma variação da cifra de mortos também em nível nacional. Em 2008, ano da tragédia em Santa Catarina, foram 168. Em 2009, 184 pessoas morreram em desastres, e em 2010 foram 617. Já em 2011, com o desastre na serra fluminense, o número subiu para 1.023, e em 2012 ficou em 71, mas sofreu nova elevação em 2013, com as fortes chuvas no fim do ano nos Estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
"Em Friburgo tivemos recentemente um evento que mostrou a eficiência do sistema. Uma comunidade foi desocupada após os alarmes, e horas depois houve um deslizamento de terra, atingindo casas, mas ninguém morreu. Estamos no melhor dos mundos? Não, longe disso, mas estamos melhorando", avalia o coronel.
Simões explica que há um simulado no dia 10 de cada mês nas comunidades com sirenes instaladas. No começo, menos de 10% dos moradores aderiam ao treinamento, mas hoje em dia ao menos metade da população já reconhece a importância do exercício.
Marilene Ramos, presidente do Inea, lembra que as variações climáticas influenciam o cenário. "Realmente tivemos uma grande inundação na Baixada Fluminense em dezembro e o número de mortes foi pequeno, mas como dependemos do clima, é a longo prazo que poderemos verificar esse impacto".
Quantidade de chuva
De fato, não só o avanço dos sistemas de monitoramento e alerta ou o atraso em obras estruturantes e na política de reassentamentos de áreas de risco influenciam a gravidade e o número de pessoas que perdem a vida em tragédias naturais.
A quantidade de chuva é outro fator importante. De acordo com o Alerta Rio, do Centro de Operações Rio de Janeiro, entre 2009 e 2013 houve variação no nível de chuvas recebido pela cidade. Em 2009 foram 133,5 mm; em 2010, 138 mm; 2011, 90,3 mm e em 2012 foram 90,2 mm. No ano passado, a capital fluminense recebeu um acumulado de 124,9 mm.
A chefe do Inea diz que a "tragédia de 2011 serviu muito para abrir os olhos dos que não tinham a dimensão do problema da ocupação do solo em áreas de risco", e que o trabalho de monitoramento e alertas continuará sendo intensificado, mas que também são necessárias "obras estruturantes" nestas regiões, além do reassentamento de moradores.
Ramos destaca o fortalecimento do monitoramento, no entanto, com a chegada de dois radares meteorológicos que devem entrar em funcionamento em março deste ano. O investimento, de R$ 13 milhões, garantirá cobertura maior quanto à previsão de fortes chuvas e outros fenômenos, mas chega com bastante atraso, já que a compra dos equipamentos foi anunciada pouco após a tragédia na região serrana, de 12 de janeiro de 2011.
Os radares intensificarão a estrutura atual, que já interliga as esferas municipal, estadual e federal, com o Centro de Operações do Rio de Janeiro, Inea, Centro de Monitoramento Estadual de Desastres Naturais, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), da Defesa Civil nacional.
Desafios
Apesar dos avanços para a administração da situação emergencial trazida pelas fortes chuvas, ainda há desafios para aumentar a prevenção e garantir maior controle sobre o risco.
Simões diz que a percepção de risco do brasileiro ainda é muito diferente se comparada à de populações de países onde há terremotos e furacões, por exemplo. "Aqui a pessoa tem crenças religiosas, ou pensa que sua casa foi construída de forma segura, tem medo de ter os bens saqueados".
Ele explica que a maioria das vítimas morre afogada, levada pelas águas, soterrada por deslizamentos de terra, ou por eletrocutamentos.
O chefe da Defesa Civil do Rio relembra um caso na comunidade da Formiga, em 2011. "As sirenes soaram e boa parte da população desocupou as áreas de risco. Houve um escorregamento de terra, e atingiu uma casa da qual a família nao tinha saido, durante a madrugada. Eu estive com essa familia, e o morador me disse que sabia pra onde tinha que ir, e ouvia a sirene, não acreditou que pudesse acontecer alguma coisa com a casa porque ele mesmo a tinha construído", diz.
Outras dificuldades incluem a elaboração de planos preventivos por parte das prefeituras, um controle maior sobre as áreas de encostas e margens de rios - onde novas construções devem ser proibidas -, o reassentamento de moradores que já se encontram em regiões de perigo e investimentos em obras de longo prazo, como desassoreamento de rios.
'Anos de trabalho'
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e chefe do Observatório das Metrópoles, diz que o uso de novas tecnologias e implementação de sistemas de alertas e alarmes é bem-vindo, mas "não toca no fundo da questão".
Ele cita o caso da Baixada Fluminense, um território com sistema hidrográfico muito complexo. "São vários rios, de níveis diferentes, todos desaguando na Baía de Guanabara, num território de baixada. A solução seria fazer obras que possibilitassem vazar a água das chuvas com velocidade mais lenta, mas para isso é necessário se dispor de áreas verdes, planejamento, investimentos e anos de trabalho".
O especialista relembra as origens do problema de ocupação urbana no país e diz que muitas das obras seguem a "lógica eleitoral", visando ações imediatistas e não trabalhos contínuos, que se estenderiam por mais de um governo.
"O problema é muito mais complexo do que coleta e fusão de informações e retirada emergencial de moradores. O que temos no Brasil é o resultado de um processo de urbanização feito completamente à revelia em termos de planejamento e de regras de uso e ocupação do solo. Se não dermos atenção a isso, vamos ficar sempre lidando apenas com a emergência", diz.
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