Quem são os mandantes dos ataques na França?
Não há mistério algum sobre quem são os autores dos atentados em Paris na semana passada, que deixaram 20 mortos, incluindo os três autores. Os irmãos Cherif e Said Kouachi e Amedy Coulibaly se gabaram publicamente de suas ações homicidas antes de serem mortos pela polícia na sexta-feira (9). Mas, descobrir quem ou se alguém estava por trás da organização dos ataques à revista de sátira política "Charlie Hebdo" e a um supermercado judaico, em Paris, é uma pergunta que está fazendo autoridades francesas, americanas e mesmo no Iêmen coçarem a cabeça.
Eis a confusão: os irmãos Kouachi disseram ter agido sob comando da facção Al Qaeda na Península Árabe, mais conhecido pela sigla AQAP. Coulibaly disse num vídeo que era ligado ao grupo auto-denominado Estado Islâmico (EI), com base na Síria. Apesar de terem em comum uma ideologia jihadista, as duas organizações vivem em competição. Na Síria, por exemplo, essa rivalidade por algumas vezes já descambou para a guerra aberta, com seguidores dos dois grupos lutando por território enquanto seus líderes disputam influência internacional.
"Lobos solitários"?
Seria possível, então, que os líderes das duas mais perigosas organizações jihadistas do mundo entraram num acordo para deixar de lado diferenças e fazer um ataque coordenado na França? Não é uma hipótese impossível.
Mas é improvável.
É bem mais plausível a ideia de que os três homens, com ou sem algum tipo de aprovação do AQAP ou do EI, tenham juntado forças para planejar os ataques. Nenhum deles era principiante, pois tinham conexões com redes jihadistas. Mas seus ataques não tiveram um plano formal, diferentemente, por exemplo, dos atentados de 11 de setembro, concebidos e coordenados do exterior.
Quais são exatamente as ligações entre a rede Al-Qaeda e o grupo EI? Não parece haver um denominador comum aqui, mas um nome ligado aos irmãos Kouachi parece ser o do extremista Djemal Beghal, preso em Dubai antes do 11 de setembro e que foi visto na companhia de Cherif Kouachi em 2010.
Acredita-se que Beghal, cidadão francês de origem argelina, ajudou a radicalizar Kouachi na prisão na França quando este cumpriu pena por ajudar jihadistas franceses a lutar no Iraque.
O outro irmão Kouachi, Said, é quem tem a conexão com o Iêmen. Ele passou uma temporada no país entre 2011 e 2012 e encontrou diversas pessoas ligadas ao AQAP, incluindo o influencial clérigo Anwar al-Awlaki, líder espiritual do grupo. Kouachi também teria recebido treinamento militar.
O jornalista e pesquisador iemenita Muhammad al-Kibsi diz que em sua passagem pelo país Kouachi conviveu com Umar Farouk Abdulmutallab, que em 2009 tentou explodir um voo da Holanda para os EUA usando uma bomba escondida na cueca.
Conexão Síria
Se o AQAP realmente deu ordem para os irmãos Kouachi atacarem, os mais de dois anos passados desde a partida de Said do Iêmen parecem um tempo bastante longo para se fazer um plano. Também soa estranho que uma organização com um histórico de vídeos bem produzidos divulgados na internet não tenha preparado algo do gênero.
O mesmo se pode dizer do Estado Islâmico, cujos recursos de mídia chamam a atenção pela alta qualidade e pelos detalhes gráficos. Nenhum vídeo do grupo apareceu.
O que temos é um rudimentar testemunho gravado por Ahmedy Coulibaly, falando um árabe titubeante e com uma bandeira do EI e uma metralhadora ao fundo.
Investigadores acreditam que um dos irmãos Kouachi passou algum tempo na Síria, possivelmente com militantes do EI. Estima-se que mil franceses já viajaram para o país para se juntar a grupos extremistas. Cerca de 200 voltaram para casa.
Em setembro de 2014, o porta-voz oficial do Estado Islâmico, Abu Muhammad al-Adnani, conclamou militantes a levar a cabo ataques em seus países de origem, então é possível que os eventos de Paris sejam uma reação espontânea ao chamado.
Por enquanto, ainda é cedo para se chegar a uma conclusão definitiva sobre o envolvimento de alguma organização nos ataques em Paris. A mais provável explicação no momento é que, apesar de suas ligações com redes jihadistas, os ataques foram o trabalho de três indivíduos, ajudados por cúmplices ainda procurados pela polícia francesa. Tudo feito com o encorajamento e, possivelmente, o financiamento de líderes da Al-Qaeda e do Estado Islâmico no Paquistão, no Iêmen ou na Síria. Mas com pouco comando.
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