Bolsonaro e suspeitos de planejar golpe podem responder por 5 crimes
O ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Braga Netto e os cinco presos pela Polícia Federal suspeitos de planejar um golpe de Estado e a morte do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes podem responder por cinco crimes.
O que aconteceu
Para Moraes, PF comprovou materialidade e fortes indícios de autoria de tipos penais. Segundo a decisão do ministro, que teve o sigilo retirado, as investigações sugerem crimes como "tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e de associação criminosa".
Bolsonaro, militares e um policial federal podem responder por esses e outros crimes. O UOL ouviu advogados criminalistas que afirmam que os envolvidos na trama golpista e no plano de assassinatos podem ser responsabilizados também por peculato de uso (caso se comprove o desvio e utilização ilegal de armamento e veículos militares) e tentativa de homicídio.
Crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolir o Estado de Direito têm indícios mais robustos, dizem advogados ouvidos. Já a imputação do crime de tentativa de homicídio depende do avanço das investigações para ser caracterizado.
"Há provas suficientes da existência do crime e indícios razoáveis de autoria", escreveu Moraes na decisão judicial. Segundo o ministro, as provas vinculam aos fatos os militares do Exército Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo, o policial federal do Rio Wladimir Matos Soares e o general da reserva Mário Fernandes.
Mais pessoas podem estar envolvidas e ser responsabilizadas, diz professor. "Obviamente, não era um golpe planejado por quatro ou cinco pessoas. É bem provável que surjam outros, mas, por ora, são essas pessoas que responderiam pelos crimes", afirma Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da FGV.
A PF atribui ao general Braga Netto envolvimento direto com a ação de "kids pretos". O ex-ministro da Defesa e o ex-presidente não se manifestaram sobre a revelação do plano pela PF. Sem mencionar a operação, Bolsonaro resgatou um vídeo de 2019 em que um youtuber pede um plano para assassiná-lo.
[O plano] é de uma gravidade ímpar. Não conhecemos um plano de golpe tão ousado e tão violento.
Fábio Tofic Simantob, advogado criminalista
Houve tentativa de homicídio?
MP, PGR e STF terão que analisar elementos apresentados pela PF para decidir se houve tentativa de homicídio. O plano de assassinatos deverá ser analisado pelo Ministério Público, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo para saber se as ações eram "preparatórias" para um golpe de Estado ou se podem ser interpretadas como o início de um golpe de fato.
No Direito, atos preparatórios não configuram crime. "Alguns atos executados em crimes graves não são considerados como preparatórios, entende-se que são o começo da execução. Mas não há longa jurisprudência sobre crimes específicos, esse norte será dado pelo STF", afirma Neisser.
Tipificação de plano de assassinato de Moraes divide opinião de advogados criminalistas. Na avaliação de Neisser, se trata de crime tentado, em que a execução teve início, mas foi interrompida por motivos alheios à vontade dos envolvidos. "Eles já estavam com o plano em andamento e não puderam concluir, não dá para falar em atos preparatórios", diz o professor da FGV.
Tentativa de homicídio precisa ter o "início de ação capaz de matar", segundo criminalista. Na avaliação de Simantob, mestre em direito penal pela USP, para um crime ser classificado como início da execução precisa haver ação capaz de atentar contra a vida de uma pessoa. "No caso de Moraes, o que houve foi o início de um monitoramento, não uma ação capaz de atingi-lo", disse.
Militares foram posicionados perto da casa de Moraes, mas ação foi cancelada, segundo a PF. Investigação aponta que seis militares das Forças Especiais atuaram na tentativa de matar o ministro em 15 de dezembro de 2022, mas um imprevisto resultou na mudança de planos.
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Quero receberSe um dos sujeitos [militares próximos da casa de Moraes] tivesse um artefato em mãos, estaríamos numa fase de começar a pensar em atos de execução.
Ilana Martins Luz, advogada criminalista, que diz que a possibilidade não deve ser descartada
Golpe de Estado e abolição do Estado de Direito
Esses tipos penais são mais incomuns, segundo advogados. "Os envolvidos começaram a execução de atos destinados a dar cabo no planejamento de golpe de Estado", diz Simantob. "Eles [os kids pretos, militares de elite do Exército] colocaram o plano na rua: começaram a selecionar armas, arrecadar dinheiro."
Condutas devem ser individualizadas. A advogada Ilana, que é doutora pela USP, afirma que o avanço da investigação deverá delimitar "o âmbito de participação" de cada preso suspeito, mas, segundo ela, é preciso se levar em consideração "todo o contexto de violência".
Fatos ocorreram após diplomação de Lula, em 12 de novembro de 2022. De acordo com Ilana, isso torna possível falar em governo legítimo, uma vez que golpe de Estado está previsto em lei como "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído".
Bolsonaro é figura central. "Ele deu o aval [para o golpe]", afirma Simantob ao citar o trecho do relatório da PF em que o general Mário Fernandes troca mensagens de texto com o ajudante de ordens Mauro Cid e afirma que o ex-presidente havia autorizado o golpe até o fim de 2022. "Não entendi como Bolsonaro não foi preso, houve condescendência. Não precisa ter dado a ideia e a ordem de execução em si, o fato de ter autorizado continuar já é execução."
"Foi muito mais do que pensar", afirmou advogada sobre defesa que Flávio Bolsonaro fez dos suspeitos. O senador do PL criticou a PF e disse decisões judiciais "sem amparo legal" são "repugnantes e antidemocráticas". "Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime", disse.
"O simples ato pensar em matar, na esfera íntima do sujeito, não é passível de punição", afirma advogada. Mas, segundo Ilana, as ações devem ser analisadas num contexto maior. "Precisamos investigar essa linha tênue, não está na mera cogitação."
Anistia pressupõe um clima de pacificação social, mas não é o caso. Não há clima político para anistia, seria a impunidade dos golpistas e a legitimação do golpe.
Fábio Tofic Simantob, advogado
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