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Quadra de tênis e aulas de inglês: a vida na 'ilha das execuções' na Indonésia

Barco transporta o cônsul geral da Austrália em Bali (Indonésia), Majell Hind, e o advogado Julian McMahon, para a ilha-prisão de Nusakambangan. Os dois visitaram cidadãos australianos condenados à morte no país por tráfico de drogas - Bay Ismoyo/AFP
Barco transporta o cônsul geral da Austrália em Bali (Indonésia), Majell Hind, e o advogado Julian McMahon, para a ilha-prisão de Nusakambangan. Os dois visitaram cidadãos australianos condenados à morte no país por tráfico de drogas Imagem: Bay Ismoyo/AFP

Hugo Bachega

Enviado da BBC Brasil a Cilacap

13/03/2015 06h52

Nusakambangan é conhecida como a "ilha das execuções" da Indonésia: é onde presos condenados à morte, como o brasileiro Rodrigo Gularte, são executados por fuzilamento.

Mas o dia a dia do presídio parece ser menos sombrio que sua fama, com aulas de línguas, artesanato, esporte e, para alguns, bate-papo por celular.

Autoridades não permitem a entrada de jornalistas. A BBC Brasil conversou com dez pessoas com permissão de acesso à cadeia e que relataram a rotina ali dentro. São parentes, advogados, voluntários e religiosos. Algumas identidades serão mantidas sob sigilo, a pedido dos entrevistados.

Há sete prisões em Nusakambangan, onde estão cerca de 1.400 detentos, condenados por tráfico de drogas, assassinatos e outros crimes. Três contêm áreas de segurança máxima, segundo o jornal "Jakarta Post".

As visitas ocorrem duas vezes por semana, em dias alternados. Eles são decididos pela unidade em que os detentos se encontram.

Visitantes do paranaense Rodrigo Gularte, 42 anos, preso em 2004 ao tentar entrar com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe na Indonésia, entram às terças e quintas.

Gularte está no corredor da morte, à espera de uma definição sobre sua execução, após ter sido diagnosticado com esquizofrenia.

Já as visitas aos australianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran, condenados por serem os líderes de uma gangue conhecida como "Os Nove de Bali" e também sentenciados à morte, são às segundas e quartas.

Um estreito separa Nusakambangan da cidade de Cilacap, na costa de Java. A prisão ocupa parte da ilha. No resto, há uma floresta e praias, com acesso livre a turistas.

É de Cilacap que parte uma balsa simples que leva visitantes à cadeia.

São três revistas até que o visitante chegue aos detentos, disse a advogada Ursa Supit, que esteve esta semana na prisão. Ela tem ajudado na defesa do nigeriano conhecido como Raheem Agbaje, preso em 1998 e que também está na lista de presos a serem executados.

A primeira das checagens é feita no porto, onde celulares e equipamentos eletrônicos são recolhidos, disse ela.

Na ilha, um ônibus médio leva os visitantes até as prisões. Se o dia é de muitas visitas, alguns viajam de pé. A jornada até a última unidade, onde Gularte está, pode levar até 30 minutos.

Os presos ficam livres na cadeia. São levados para o "isolamento" apenas após serem avisados da execução, o que ocorre com 72 horas de antecedência.

Para cada preso a ser executado são mobilizados 12 fuzileiros. Apenas três deles têm munição. Os detentos podem optar por serem vendados.

Nas execuções ocorridas em janeiro, os detentos foram levados ao local de fuzilamento de madrugada, à 0h30 de um domingo. As execuções não necessariamente precisam ser em finais de semana, mas as últimas têm seguido este roteiro.

O carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 53 anos, foi executado em Nusakambagan. Ele havia sido preso em 2003 no aeroporto de Jacarta com 13,4 kg de cocaína escondidos em ferragens de asa delta.

'Viva e deixe viver'

A BBC esteve em Nusakambagan em 2008 e revelou que, à época, a prisão era um "piquenique" para os acusados dos ataques de 2002 em Bali. Eles conseguiam se comunicar livremente com o mundo de fora.

A segurança teria ficado mais rígida nos últimos anos, segundo os testemunhos à BBC Brasil. Mas a corrupção ainda existe e presos conseguem "comprar" benefícios, algo publicamente conhecido, disseram.

A relação entre guardas e presos é harmoniosa, segundo os entrevistados, que disseram que o acesso de detentos a drogas seria facilitado.

Alguns presos teriam também telefones celulares, disseram cinco entrevistados à BBC Brasil.

Para aqueles sem, há telefones públicos, onde pode-se fazer ligações para aqueles do lado de fora.

O padre irlandês Romo Carolus, que celebrou missas na prisão, diz que "a filosofia é do viva e deixe viver". "É uma atmosfera tranquila – menos quando chega a hora das execuções".

A mãe de Gularte, Clarisse, disse à BBC Brasil em fevereiro que a prisão é "limpa, que os presos são bem tratados e os guardas, educados". "(Rodrigo) nunca reclamou de nada", contou.

Tênis e basquete

As unidades de Nusakambangan têm livrarias, salas para as visitas, quadras de tênis e basquete. "Só não tem piscina", disse a advogada Ursa, em tom de brincadeira.

O carioca Archer era praticante de tênis e sua raquete estaria pendurada em uma das salas da prisão, segundo um relato à BBC Brasil.

Cada unidade tem uma praça central, uma pequena capela, um templo budista e uma mesquita – que seria a maior construção.

Familiares de detentos alegam que eles se tornam mais religiosos ali, um roteiro comum entre presos em todo o mundo.

A defesa do australiano Chan, por exemplo, diz que ele se recuperou e dá aulas sobre a Bíblia. Ele foi transferido de uma prisão em Bali para Nusakambangan na semana passada, e aguarda uma decisão sobre sua execução.

Já o nigeriano Agbaje teria se tornado "extremamente religioso", disse Ursa. Ele também está na ilha, à espera de um anúncio oficial sobre seu caso.

Gularte também teria frequentado as missas, disse a mãe.

Além disso, voluntários atuam na ilha, dando aulas de inglês e indonésio. Presos também produzem quadros e artesanatos, que podem ser vendidos para visitantes.

Gayati Rilowati vai à prisão desde 2011. Lá, ensina detentos a produzir o "batik", roupa tradicional indonésia feita com a coloração de tecidos por cera. "A vida é normal. Você quase não vê brigas".

Alguns presos atuam como cabeleireiros para fazer dinheiro. Familiares também seriam autorizados a levar comida, roupas novas e outros utensílios, como desodorante, para os detentos.

"É uma boa prisão", diz o padre Carolus. Apesar disso, muitos prefeririam estar longe dali.