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Da "faxina ética" ao impeachment: lembre principais fatos do governo Dilma

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

11/05/2016 16h18

Com tantos vaivéns do momento político, fica até difícil lembrar como o governo Dilma Rousseff começou. A lembrança pode surpreender os mais críticos: no fim do seu primeiro mandato, a presidente tinha 59% de aprovação - o maior índice para um presidente neste período desde a redemocratização - e era elogiada por ser responsável pela "faxina ética", quando demitiu ministros envolvidos em casos de corrupção.

O fato de ser a primeira presidente mulher do Brasil alavancou suas viagens internacionais e encontros com chefes de Estado. Em 2011, Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU.

No entanto, as críticas ao governo não demoraram a aparecer. Depois dos anos de bonança do governo Lula, quando a economia chegou a crescer 7,5%, o PIB não repetiu o mesmo desempenho. A inflação voltou a subir e a crise econômica começou a afetar o mercado de trabalho, aumentando o desemprego. Soma-se a isso o andamento da operação Lava Jato, que envolve nomes importantes do PT.

Os protestos contra o governo vieram na sequência, acompanhados pela queda da popularidade de Dilma e pedidos cada vez mais declarados pelo impeachment da presidente, que culminaram na votação desta quarta no Senado.

Relembre a seguir alguns dos fatos marcantes dos dois mandatos da presidente:

Primeiro mandato

Chamadas Protestos pelo Brasil 02 Jul 2013 - Arte/UOL - Arte/UOL
Primeiro mandato foi marcado por protestos das mais variadas tendências a partir de 2013
Imagem: Arte/UOL

Primeira mulher presidente

As viagens internacionais e os encontros com chefes de Estado marcaram os primeiros meses do governo Dilma em razão do ineditismo de o Brasil ser representado por uma presidente mulher. Entre as visitas mais importantes está a do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, em março de 2011.

Em setembro, ela foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Em sua fala, disse que era a “voz da democracia” e defendeu a criação do Estado palestino.

No roteiro de viagens de Dilma, além de países da América do Sul, estiveram França, África, Bélgica, Grécia e Turquia.
Troca de ministros e 'faxina ética'

Antes de completar um ano de governo, Dilma viu sete ministros caírem, seis deles por acusações de corrupção. Em dezembro de 2010, o recém-indicado ministro do Turismo, Pedro Novais, foi o primeiro integrante do governo a ser acusado, antes mesmo da posse. Denunciado por irregularidades cometidas quando era deputado, acabou deixando a pasta em setembro de 2011.

O primeiro ministro a sair, no entanto, foi Antonio Palocci, que deixou a Casa Civil em 8 de junho do mesmo ano, um dia após as acusações contra ele terem sido arquivadas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Palocci era suspeito de enriquecimento ilícito, porque teria multiplicado seu patrimônio em 20 vezes nos quatro anos anteriores. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) assumiu a pasta.

Os ministros Alfredo Nascimento (Transportes), Nelson Jobim (Defesa), Wagner Rossi (Agricultura), Orlando Silva (Esportes) e Carlos Lupi (Trabalho) completam a lista de baixas.

A forma enérgica como Dilma lidou com esses episódios fez com que parte da população passasse a vê-la como a grande responsável pela “faxina ética” contra a corrupção. Isso refletiu na aprovação de 59% da população - o maior índice para o primeiro mandato de um presidente desde a redemocratização, maior até que a popularidade de Lula nos primeiros quatro anos na presidência, que foi de 52%.

Lava Jato e Pasadena

Deflagrada em março de 2014, a operação Lava Jato começou a investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos.

Uma das primeiras prisões, também em março, foi a do doleiro Alberto Youssef. Dias depois, houve a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras. Costa era investigado pelo Ministério Público Federal por supostas irregularidades na compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006.

Indícios de que a compra da refinaria teria sido desastrosa para a estatal - em uma época em que Dilma ainda era ministra de Minas e Energia do governo Lula e presidente do Conselho Administrativo da empresa - levaram ao pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Duas CPIs acabaram sendo criadas: uma exclusiva do Senado e uma mista.

Depois de meses de investigação, a CPI mista aprovou o relatório do deputado Marco Maia (PT-RS), que pedia o indiciamento de 52 pessoas e reconhecia prejuízo de US$ 561,5 milhões (R$1,9 bi) na compra da refinaria.

Costa e Youssef assinaram com o Ministério Público Federal acordos de delação premiada para explicar detalhes do esquema e receber, em contrapartida, alívio de penas.

Em novembro de 2014, a Polícia Federal deflagrou uma nova fase da Lava Jato, que envolveu buscas em grandes empreiteiras como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e outras sete companhias.

Relação com o Congresso

No início do primeiro mandato, Dilma se aproveitou do capital político do ex-presidente Lula em suas relações com o Congresso. Em 2011, o PT tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 88 parlamentares. E controlava 15 cadeiras do Senado, apenas cinco a menos do que o PMDB.

Ao longo dos primeiros quatro anos no governo, a presidente precisou conter resistências na base, em partidos como PR e PMDB. Na aprovação do MP dos Portos na Câmara, em 2012, foi preciso esforço para pacificar aliados e vencer os partidos oposicionistas.

Além disso, desde o início do mandato, os parlamentares aliados reclamavam que Dilma não os recebia. As queixas eram tão frequentes que levaram à troca do então ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, por Ideli Salvatti, que estava na Pesca. Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou que, entre janeiro de 2011, quando assumiu, e outubro de 2014, Dilma recebeu com exclusividade apenas 2 deputados federais e 13 senadores.

A oposição também acusou Dilma diversas vezes de governar “por decreto”, pelo número de medidas provisórias editadas pelo governo. Nos quatros anos do primeiro mandato, foram mais de 140 MPs. Apenas uma foi revogada.

Em 2013, a presidente montou uma operação política para evitar que problemas com o PDMB e outros partidos da base aliada prejudicassem a campanha à reeleição em 2014.

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e o presidente do PT, Rui Falcão, eram os encarregados da articulação. O objetivo era refazer a coligação partidária que deu a Dilma o maior tempo de propaganda na TV nas eleições de 2010.

A estratégia servia principalmente para acabar as rusgas entre o Palácio do Planalto e o PMDB e incluía liberar dinheiro das emendas parlamentares e apoiar mudanças na tramitação das medidas provisórias para não afogar o Senado.

Apesar da instabilidade, a relação entre Dilma e o Congresso continuou firme em momentos importantes, como na aprovação do projeto que desobrigou o governo de cumprir qualquer meta de superavit em 2014 (PLN 36/2014). Nada parecido ao rompimento visto hoje no Parlamento.

Economia em desaceleração

No primeiro ano do governo Dilma a economia já dava sinais de desaceleração, depois de o PIB brasileiro ter crescido 7,5% em 2010, o maior avanço desde 1986. Em 2011, o PIB cresceu 2,7%, bem menos que os 5,5% projetados.

O ponto positivo ficou por conta do emprego formal, que se mantinha em alta: apenas 5% da população economicamente ativa estava desempregada. No entanto, à medida que o primeiro mandato avançava, a economia apresentava mais resultados preocupantes.

Em 2012, ela cresceu 0,9%, o pior desempenho desde 2009. No ano seguinte, se recuperou impulsionada pela alta de investimentos - o governo fez várias linhas de financiamento - e a alta do PIB foi de 2,3%.

Para enfrentar a desaceleração, o governo apelou para medidas de desoneração, tanto para o setor produtivo quanto para os consumidores. Pacotes de estímulos fiscais e financeiros também foram lançados contra os gargalos de infraestrutura, como nas entradas e portos.

Segundo cálculos feitos por auditores da Receita Federal para a Folha de S. Paulo, as desonerações concedidas pelo governo desde 2011 somariam estimados R$ 458 bilhões em 2018, quando deveria terminar o segundo mandato de Dilma.

A redução de impostos começou no governo Lula, como forma de estimular o crescimento do país. No entanto, passou a ser mais intensa quando Dilma foi eleita e avançou fortemente no primeiro ano de mandato.

As desonerações aumentaram a dívida bruta do país. Em 2014, o setor público gastou R$ 32,5 bilhões a mais do que arrecadou com tributos — o equivalente a 0,63% do Produto Interno Bruto, o primeiro déficit desde 2002.

Junho de 2013 e Copa

Junho de 2013 foi um mês dramático para o governo Dilma, com uma onda de protestos tomando conta das principais capitais para criticar a corrupção e os gastos com a Copa do Mundo. Centenas de milhares de manifestantes foram às ruas para reivindicar de investimentos em saúde e educação a menos corrupção no Congresso.

A primeira bandeira, no entanto, foi contra o aumento das tarifas de transporte público. No auge das manifestações, Dilma se pronunciou em rede nacional e convocou um pacto com parlamentares e governantes em torno das melhorias exigidas, especialmente mobilidade urbana e a garantia de reverter 100% dos recursos do petróleo para a educação.

Os protestos não se repetiram com a mesma intensidade no Mundial, em 2014, que ocorreu sem grandes problemas.

Pedaladas fiscais

Em 2013 começaram a ocorrer as chamadas pedaladas fiscais, nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS.

O objetivo era melhorar artificialmente as contas federais. Ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava todos os meses despesas menores do que elas deveriam ser na prática.

Eleições de 2014

A campanha presidencial foi marcada pela disputa acirrada por votos e pela morte do candidato do PSB, Eduardo Campos, que estava em terceiro lugar nas pesquisas e era considerado uma via alternativa à oposição PT-PSDB. Marina Silva, substituta de Campos, logo saiu do páreo. Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos válidos.

O anúncio de Levy

No fim de 2014, com a evolução da crise da Petrobras e a piora dos indicadores econômicos, Dilma antecipa os nomes de sua nova equipe econômica para acalmar os mercados. Então executivo do Bradesco, Joaquim Levy é anunciado como ministro da Fazenda. No Planejamento fica Nelson Barbosa, também com longa experiência no governo.

Segundo mandato

Joaquim Levy participa de café da manhã com jornalistas - Elza Fiúza/Agência Brasil - Elza Fiúza/Agência Brasil
Numa tentativa de reverter a crise com uma agenda mais liberal, Dilma nomeia Joaquim Levy, ministro da Fazenda
Imagem: Elza Fiúza/Agência Brasil

Popularidade abalada

A popularidade da presidente se inverteu no segundo mandato, com os efeitos da situação econômica e da crise de governabilidade. Nos primeiros três meses de 2016, pesquisa CNI-Ibope apontou que somente 24% dos entrevistados diziam confiar em Dilma, o pior resultado desde o início do segundo mando do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999.

Ajuste fiscal e desemprego

No primeiro mandato, sinais de que a meta do superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) não seria cumprida levaram o governo a adotar, no primeiro mandato, um ajuste fiscal voltado à redução de gastos públicos.

Em 2015, encabeçado pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste voltou a fazer parte da agenda econômica do governo, mas para recompor as receitas. A nova prioridade da política econômica era reequilibrar as contas públicas.

Para isso, Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como “pacote de maldades”, com o objetivo de aumentar a arrecadação federal e retomar o crescimento da economia - entre elas, medidas provisórias que alteraram o acesso a direitos previdenciários como seguro-desemprego e pensão por morte. Logo nos primeiros meses, houve também ajustes nos preços dos combustíveis e da eletricidade para aumentar a arrecadação.

No entanto, muitos economistas consideram que o corte necessário de gastos não veio, assim como o aumento de impostos, o que foi agravado pela crescente dificuldade do governo de dialogar com o Congresso.

Em 2015, o PIB caiu 3,8%. Tarifas de ônibus e energia elétrica, além de impostos e taxas, como IPVA e IPTU, estiveram por trás da alta da inflação, que bateu 7% nos primeiros meses do ano.

Com a economia em crise, o mercado de trabalho passou por um rápido processo de piora, com reflexos sobre o emprego e formalização do trabalho.

A taxa de desemprego do país cresceu para 8,5% na média no ano passado, divulgou o IBGE em março. Esse resultado é o maior já medido pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), iniciada em 2012. Em 2014, a média foi de 6,8%.

Depois de uma sequência de derrotas em sua batalha para promover o ajuste, inclusive a perda do grau de investimento do país, Levy deixou o governo em dezembro do ano passado.

Lava Jato continua

As fases da operação Lava Jato monopolizaram as manchetes do ano passado e deste ano. Entre os momentos mais importantes está a prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, em junho.

Em setembro, ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele teria recebido cerca de R$ 4,26 milhões em propinas envolvendo contratos da Petrobras. No ano passado, os procuradores prenderam, pela primeira vez, um senador em exercício (Delcídio Amaral, então do PT), líder do governo Dilma.

Protestos "Fora Dilma"

Em um cenário de crise econômica e ajustes fiscais, a reprovação do governo Dilma chegou a 62% em 2015, de acordo com o Datafolha, e levou milhares às ruas das principais cidades do país. As principais bandeiras dos manifestantes eram o combate a corrupção e a saída de Dilma e do PT do governo. Muitos elogiavam a atuação do juiz Sérgio Moro, da Lava Jato.

Realizada após novos protestos nas ruas, pesquisa do Datafolha indicou que o segundo mandato da petista já alcançou a mais alta taxa de rejeição de um presidente desde setembro de 1992 – pouco antes do impeachment de Fernando Collor.

Saída do PMDB e isolamento

A saída do PMDB, partido do vice-presidente, Michel Temer, da base aliada concretizou o isolamento da presidente no Congresso. O afastamento da presidente dos parlamentares se agravou com a marcha do processo de impeachment e o convite feito a Lula para ocupar a Casa Civil.

A tentativa de trazer Lula para construir pontes com os partidos enfrentou forte resistência e levou milhares de manifestantes às ruas, além de afastar possibilidades de novas alianças. Outras siglas, como o PRB, também saíram da base aliada.

Impeachment

Em dezembro de 2015, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizou o pedido para a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Ele deu andamento ao requerimento formulado pelos juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior. Os juristas atacam as chamadas "pedaladas fiscais”, prática atribuída ao governo de atrasar repasses a bancos públicos a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária.

Em abril, a Câmara aprovou a Comissão Especial do Impeachment. Por 38 votos a 27, a comissão aprovou no dia 11 de abril o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) favorável à abertura do processo de afastamento da presidente. O afastamento da presidente também passou pelo plenário da Câmara, por 367 votos a favor e 137 contra.

Na comissão do Senado, parecer favorável ao impeachment de Dilma foi aprovado por 15 votos a 5

O processo seguiu para o Senado Federal. No dia 6 de maio, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou por 15 votos a 5, o parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG), favorável à abertura de um processo contra Dilma.

Com isso, foi aberto espaço para o próximo, e mais importante, passo: o momento em que o plenário da Casa decidirá, nesta quarta-feira, se a petista será processada e, assim, afastada temporariamente do cargo para o julgamento.

No entanto, antes da votação, o cenário teve algumas reviravoltas.

O deputado Waldir Maranhão (PP-MA), que ocupa interinamente a presidência da Câmara após a suspensão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo, decidiu na segunda-feira anular a tramitação do processo de impeachment, cancelando a votação do processo na Câmara. Ele argumentou que houve vícios na Casa, como o anúncio dos votos dos deputados antes da votação, o que seria um "prejulgamento" e prejudicaria a ampla defesa do governo.

Horas depois, Maranhão revogou a anulação diante da reação negativa gerada por sua decisão, o que incluiu uma ameaça de expulsão de seu partido e a possível perda de seu mandato de deputado como consequência.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já havia dito que manteria a votação da admissão do processo de impeachment, a despeito da decisão do presidente interino da Câmara.

Na terça-feira, o governo anunciou que estava entrando com um pedido no STF para anulação do processo de impeachment, mas o pedido foi negado nesta quarta pelo ministro Teori Zavascki.