Os grupos que querem e os que criticam o impeachment nos EUA
O processo que pode culminar com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff e dar continuidade ao governo de Michel Temer divide opiniões não apenas no Brasil.
Nos Estados Unidos, de um lado, investidores com negócios no Brasil acham positivos os primeiros passos de Temer e torcem para que o Senado afaste definitivamente Dilma.
De outro, sindicatos, congressistas e artistas americanos criticam ações do presidente interino e afirmam que a saída de Dilma ameaçaria a democracia brasileira.
Os grupos expõem as divisões na sociedade americana na véspera da votação final do Senado sobre Dilma. Ambos duelam pela narrativa que pode influenciar a posição da Casa Branca quanto ao processo. Por ora, o governo americano evita tomar partido, mas já indica que não se oporia a uma mudança de comando em Brasília.
"Sem esse processo de impeachment, estaríamos hoje com uma posição bem menor no Brasil", diz à BBC Brasil William Landers, diretor para América Latina da Blackrock, a maior gestora de fundos de investimento do mundo.
"Esperamos que a presidente Dilma seja afastada em definitivo, o que tiraria o termo interino do governo Temer e lhe daria força para ser presidente pelos próximos dois anos com uma tarefa dura", afirma.
Bom para a Bolsa
Nos últimos seis meses, desde que as apostas sobre o impeachment de Dilma ganharam força, a Blackrock vem ampliando sua participação na Bolsa de Valores de São Paulo. De fevereiro para cá, o Ibovespa (índice-termômetro da bolsa) subiu mais de 30%.
Landers elogia a equipe econômica escolhida por Temer ("pessoas com uma cabeça muito mais aberta para o papel do setor privado"), mas diz que o resultado da bolsa neste ano se deve "muito mais à melhora da confiança dos investidores do que à realidade dos números".
Ele afirma que, se o impeachment se confirmar, o governo será cobrado a aprovar suas propostas econômicas, como tornar o Orçamento mais flexível (hoje a maior parte das despesas é obrigatória) e propor uma reforma da Previdência.
"Se virmos que o Congresso não está a fim de controlar os gastos do Orçamento e trabalhar com algum tipo de reforma da Previdência, o mercado vai voltar para os padrões do passado", afirma.
Lobby empresarial
"Os sinais iniciais de Temer foram bem positivos, mas o trabalho sério vai começar quando ele se tornar presidente, tiver um governo permanente e levar ao Congresso as reformas", reforça à BBC Brasil a diretora executiva do Brazil-U.S. Business Council, Cássia Carvalho.
Braço da Câmara de Comércio dos EUA que representa 110 companhias com negócios no Brasil, o conselho levou cerca de 20 empresários americanos a Brasília no fim de junho para se reunir com autoridades e apresentar sugestões aos ministérios.
Segundo Carvalho, o governo brasileiro disse querer priorizar o comércio com os EUA e se mostrou interessado em atrair investimentos do país especialmente na área de infraestrutura. Ela afirma, porém, que as empresas americanas querem garantias de que o setor seguirá "altos padrões éticos".
Carvalho diz que as companhias americanas propuseram mudanças nas regras de contratações para que os processos se tornem "não só mais transparentes mas também mais competitivas para empresas estrangeiras".
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Outra iniciativa apoiada pelo conselho, que representa as maiores petrolíferas americanas, é a aprovação de um projeto de lei do então senador (hoje ministro de Relações Exteriores) José Serra que desobrigaria a Petrobras a participar da operação de todos os blocos do pré-sal. O projeto já foi aprovado no Senado e aguarda votação na Câmara.
'Fraco politicamente'
Outros investidores têm expectativas menores para o cenário pós-impeachment, caso Temer continue no cargo.
"Mesmo que fique, Temer será fraco politicamente", diz Alberto Bernal, estrategista-chefe nos EUA da XP Investimentos, uma das maiores corretoras na Bolsa de São Paulo.
Ele afirma que Temer "não terá um mandato e não foi eleito para que fizesse muitas coisas", o que deve dificultar a aprovação de reformas mais complexas.
Ele diz esperar, no entanto, que Temer consiga aprovar algumas medidas que considera mais simples - como a concessão de autonomia ao Banco Central e regras que limitem o crescimento das despesas do Orçamento.
Intelectuais por Dilma
Já um movimento contrário ao impeachment, que conta com o apoio de congressistas, sindicatos e acadêmicos, vem intensificando as críticas ao processo na véspera da decisão final do Senado.
Na quarta, a posição ganhou o apoio de 22 artistas e intelectuais, entre os quais os cineastas Oliver Stone e Ken Loach, o ator Viggo Mortensen e a atriz Susan Sarandon.
Em manifesto em apoio "à democracia no Brasil", o grupo lamenta "que o governo interino no Brasil tenha substituído um ministério diversificado, dirigido pela primeira presidente mulher, por um ministério compostos por homens brancos, em um país onde a maioria se identifica como negros ou pardos".
O texto se soma a outras iniciativas contrárias ao impeachment nos Estados Unidos. Entre essas iniciativas está uma nota assinada pelo senador e ex-candidato à Presidência Bernie Sanders, na qual ele endossa a visão de que o impeachment "mais parece um golpe", um manifesto divulgado por intelectuais que estudam o Brasil e uma carta chancelada por 43 congressistas americanos.
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Proteção ao trabalhador
As iniciativas contam com o apoio da maior central sindical dos EUA, a AFL-CIO. A central integra a International Trade Union, confederação mundial que tem como presidente o sindicalista brasileiro João Antonio Felício, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e um dos fundadores do PT.
Brian Finnegan, coordenador de direitos dos trabalhadores globais da AFL-CIO, acompanha com especial interesse a política no Brasil, onde tem parentes e morou entre 2007 e 2012.
Finnegan afirma que o afastamento definitivo de Dilma abriria o caminho para o desmonte da CLT (legislação trabalhista em vigor desde o governo Getúlio Vargas, nos anos 1940).
Em maio, o presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, enviou uma carta ao presidente Barack Obama pedindo que se posicionasse contra o impeachment.
"Se os Estados Unidos não expressarem opinião diante desse ataque a eleições e instituições democráticas, esse silêncio será lembrado por muito tempo", diz o texto.
Em cima do muro
Barack Obama e a chancelaria americana parecem estar em cima do muro: em público, não chancelam nem condenam o impeachment. Nos bastidores, porém, o governo americano jamais rompeu o contato com o brasileiro e teve participação importante na segurança da Olimpíada no Rio.
Os EUA também enviaram sua embaixadora no Brasil à cerimônia em Brasília, em agosto, quando os dois países firmaram um acordo sobre a venda de carne - gesto interpretado como um discreto sinal de apoio ao presidente interino.
Segundo Finnegan, além de abalar a democracia no Brasil, a permanência de Temer e sua política econômica tirariam o Brasil do caminho virtuoso que, segundo ele, se iniciou quando o PT chegou ao poder, em 2003.
"Num país que ainda tem a maior desigualdade social da região, que tem muitos problemas de infraestrutura, de educação, a resposta não é a austeridade."
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