Como monopólio de conversa política por minoria amplifica notícias falsas no WhatsApp
As conversas em grupos sobre política de WhatsApp no Brasil funcionam assim: 10% falam e a maioria - 90% - apenas lê as mensagens ou participa muito pouco.
Essa é a conclusão de um estudo feito por pesquisadores da PUC Minas e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que investigou grupos públicos de WhatsApp no Brasil.
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Eles analisaram 273,468 mensagens de quase 7 mil usuários em 81 grupos públicos durante 28 dias, em outubro e novembro de 2017. Dos 81 grupos, 49 tinham temas políticos - como apoio a Jair Bolsonaro ou ao ex-presidente Lula, por exemplo - e 32 reuniam usuários que discutiam sobre temas não ligados diretamente a política, como drogas, doenças, religião e outros.
Os pesquisadores não estudaram o conteúdo das mensagens nem armazenaram dados dos telefones, só investigaram os padrões de participação.
Segundo o estudo, quase 90% dos participantes de grupos políticos contribuem com menos de 2% da conversa no chat, enquanto 10% dos usuários enviam a maioria das mensagens.
"É como se fosse um talk show, com uma pessoa, ou um grupo de pessoas, discutindo vários tópicos com um apresentador e um público composto por pessoas que fazem perguntas ou que apenas assistem o programa", diz o estudo.
"Em nossa análise, identificamos que algumas pessoas podem ser chamadas de 'apresentadoras' porque estimulam as discussões publicando um grande número de mensagens, (...) e temos a audiência, composta por pessoas passivas ou interessadas."
As conclusões, segundo pesquisadores não ligados ao estudo consultados pela BBC News Brasil, é preocupante em um cenário de eleições, uma vez que favorece a disseminação de notícias falsas.
Segundo Lucas Calil, linguista e pesquisador da FGV DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas), cuja equipe monitora o fluxo de informações no Twitter e no Facebook, trata-se de uma dinâmica se repete nessas redes sociais.
"Apesar do alto volume de participantes e por mais horizontal que seja o debate nas redes, existe uma tendência de manutenção de 'influenciadores' em relação ao restante dos perfis", afirma, citando as celebridades momentâneas do Twitter.
Nos grupos públicos de WhatsApp, um espaço em que esses poucos usuários que monopolizam a discussão bombardeiam o restante com muitas mensagens, vídeos e áudios, "existe uma hiper-aceleração de informações a que cada um dos membros têm acesso e fica quase incompatível processá-las, entendê-las e mesmo ler o que é enviado exercendo uma atividade cotidiana qualquer", afirma ele.
"Muito da discussão fica absorvida de forma parcial ou limitada por causa do excesso e o sujeito é incapaz de interagir com todo conteúdo à que ele tem acesso."
Isso, para ele, acende um alerta durante as eleições, já que essa hipertrofia de informações dificulta a separação do que é verdadeiro e do que é falso - e durante a campanha eleitoral aumentam as estratégias de desinformação. Ou seja, com pouco tempo de avaliar ou filtrar o material recebido, o usuário que compõe a "audiência" desse talk-show pode acreditar mais facilmente em notícias falsas.
Para Calil, estudos sobre o WhatsApp como esse das universidades mineiras, são importantes principalmente no período eleitoral por causa do alcance do aplicativo na sociedade brasileira - o que acontece no WhatsApp alimenta o que vai parar nas outras redes sociais e vice-versa.
Monitorando alguns grupos públicos sobre política no WhatsApp (não os mesmos do estudo da UFMG e da PUC Minas), a BBC News Brasil percebe que há um envio caótico e em grande quantidade de mensagens, com pouco diálogo entre os usuários do grupo.
Dominadores
Hoje, o WhatsApp funciona para muitos brasileiros também como rede social, e não apenas aplicativo de mensagens instantâneas. Há grupos "públicos" e temáticos, em que qualquer pessoa pode entrar por meio de links abertos, um pouco como eram os bate-papos na internet antigamente.
Os chats são formados por pessoas de diferentes cantos do Brasil e que não se conhecem. São diferentes dos grupos "privados", como os de família e amigos, com entrada restrita por meio de convites. Os pesquisadores analisaram apenas esses grupos "públicos".
Para Virgílio Almeida, professor de Ciência da Computação da UFMG, professor associado de Harvard e um dos autores da pesquisa, o resultado do estudo, que mostra essa dinâmica de "talk show", "pode significar a existência de pelo menos dois perfis de usuários nos grupos públicos sobre política: os 'dominadores' ou possivelmente ativistas e os outros que formam a audiência de discussões do grupo".
"Uma hipótese é que existem usuários ativos que entendem e gostam de assuntos políticos (nos grupos sobre política), então eles naturalmente vão dominar os debates. Isso é similar à vida real. Por exemplo, quando um grupo de pessoas se reúne, geralmente os mais extrovertidos e os que conhecem mais sobre o assunto vão se destacar, 'entreter' e dirigir as conversações."
Outra conclusão da pesquisa: usuários de grupos políticos publicam mais textos que outros tipos de mídia, como vídeos, imagens, áudios, links e emojis, em comparação com grupos não políticos. "Esse achado pode indicar que há mais discussão entre usuários de grupos políticos do que entre usuários de grupos não políticos", diz o estudo.
Também chegaram à conclusão que grupos não políticos são mais ativos à noite e de madrugada. Embora ainda não tenham evidência científica, apenas empírica, os pesquisadores apostam que a dinâmica da participação de usuários em grupos políticos tem mudado, com concentração espalhada ao longo do dia todo de trabalho, aponta Humberto Marques-Neto, da PUC-MG.
O estudo também mostra que, em média, mensagens em grupos políticos têm um intervalo de 2,8 minutos entre elas, ou seja, há conversas mais intensas, enquanto esse intervalo em grupos não políticos tem média de 12,4 minutos.
WhatsApp como meio de se informar
Hoje, além de poder ser convidado por pessoas para integrar um grupo no aplicativo, usuários podem entrar em grupos de WhatsApp por meio de links. Há sites, aplicativos, grupos no Facebook e outros grupos no WhatsApp onde esses links são divulgados - e basta clicar neles para ser adicionado a grupos, os tais grupos públicos.
Para chegar aos grupos políticos analisados, os pesquisadores brasileiros fizeram o seguinte: procuraram pelo link "chat.whatsapp.com" associado com uma lista de palavras em português relacionadas a política, movimentos sociais, eleições, religião, racismo, misoginia, sexualidade, violência e discriminação.
Assim, descobririam links que levariam a grupos temáticos e públicos. Escolheram termos como: "aborto", "cotas", "fascistas", "Gilmar Mendes", "Jean Wyllys", "Moro", "MST", "Sulista", "Alckmin", "Bolsonaro", "Ciro", "Lula", "Marina", "bandido bom é bandido morto", entre outros, de um total de 219 termos. Chegaram, dessa maneira, a 13.525 grupos públicos de WhatsApp.
Os pesquisadores filtraram os mais de 13 mil grupos, escolhendo aqueles que tinham no nome um dos termos selecionados por eles e aqueles que tinham ao menos 64 membros, um quarto do total permitido pelo WhatsApp (256 membros). Além disso, adaptaram a pesquisa à quantidade de celulares que tinham disponíveis. O total analisado pelos pesquisadores, então, ficou em 81 grupos - 49 políticos e 32 não políticos.
A psicóloga Andrea Jotta, do Laboratório de Estudos da Psicologia em Tecnologia, Informação e Comunicação da PUC-SP, diz que o WhatsApp é usado por usuários não só para se comunicar, mas também para obter informações.
E compara com o consumo de informações de espectadores que antes ficavam sentados em frente à televisão: presente em diferentes grupos, é como se o consumidor agora estivesse "com dez televisões ligadas em diversos canais diferentes que passam informações o tempo todo".
"A gente leva o comportamento humano para dentro da mídia", diz ela. Assim, faz sentido que, como na vida real, nem todos queiram fica sob os holofotes, mas ainda queiram se informar e participar - às vezes calados, apenas consumindo.
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