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Quando ninguém está seguro

Jorge Ramos

24/04/2013 00h01

Depois de uma tragédia, os psicólogos recomendam que falemos com nossos filhos e lhes digamos que estão seguros. Que isso que ocorreu não vai acontecer com eles e que nós os protegeremos. O problema dessa mensagem é que não é verdadeira.

Tenho certeza de que os pais de Martin Richard, o menino de 8 anos que, junto com outras duas pessoas, morreu quando os terroristas detonaram algumas bombas perto da meta final da Maratona de Boston, lhe haviam dito que não devia ter medo quando ocorreram as tragédias como a chacina na escola primária de Newtown, Connecticut; que aquilo que ele tinha visto e ouvido na televisão nunca aconteceria com ele.   

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Na tarde de segunda-feira, 15 de abril, Martin, sua irmã Jane, de 7 anos, sua mãe e seu pai foram olhar a maratona. Por volta das 14h30, a família foi comprar sorvetes. Quando voltaram à linha de chegada, cerca de 20 minutos depois, no meio de multidão explodiu uma bomba rudimentar feita com uma panela de pressão. O caos se disseminou e a família tentou se afastar dessa área. Depois explodiu a segunda bomba, que foi a que matou Martin. Sua irmã e sua mãe ficaram gravemente feridas.

Pouco depois de as vítimas serem identificadas, circulou uma fotografia de Martin na internet. Em suas mãos aparece um cartaz: "Não vamos mais ferir as pessoas. Paz". Ele o havia feito na escola, com o desenho de dois corações vermelhos, depois de alguma tragédia. Mas essa foto se transformou no doloroso símbolo do massacre de Boston.

É impossível não filosofar um pouco. Quando ocorrem coisas assim, sentimo-nos muito vulneráveis porque, na verdade, a família Richard poderia ser a família Ramos, ou a sua. Os atos de terrorismo têm, precisamente, essa característica: afetar civis que não têm nada a ver com uma causa política.

Não me ocorre nada que os pais de Martin pudessem ter feito para salvar a vida dele. Nada. Mas apenas dois dias depois dos bombardeios de Boston o Senado dos EUA teve a oportunidade de salvar a vida de milhares de crianças e adolescentes, e decidiu não o fazer.

Quarenta e seis senadores rejeitaram um projeto de lei que teria obrigado a revisar os antecedentes penais de todas as pessoas que compram uma arma. Isso evitou que se conseguissem os 60 votos necessários para uma nova lei. A proposta de proibir rifles semelhantes aos usados nas guerras do Iraque e do Afeganistão nunca teve apoio. Tampouco a de reduzir a quantidade de balas que são usadas nos carregadores.

O que isso significa é que nada mudou nos EUA desde dezembro, quando 20 crianças e seis educadores foram assassinados em uma escola de Newtown. Hoje continua sendo fácil e legal conseguir o mesmo tipo de armas das que causaram essa chacina.
Parte do problema, é verdade, é a enorme influência exercida pela Associação Nacional do Rifle. Poucos políticos se atrevem a ir contra ela. Isso significaria enfrentar campanhas multimilionárias na próxima eleição.

Mas o fundo do problema é muito mais complexo. Os americanos, simplesmente, não estão dispostos a sacrificar suas armas por uma vida mais segura. A segunda emenda da Constituição - que permite a compra e o uso de armas - faz parte do DNA da sociedade americana e nenhuma tragédia parece ser capaz de mudar essa tradição de séculos.
Depois do massacre em Newtown - que poderia ter sido evitado ou limitado com leis mais estritas -, muitos políticos afirmavam que os EUA haviam mudado, que (finalmente) tinha recebido a mensagem e que logo haveria novas leis contra o uso de armas. O mesmo escutei depois das matanças na escola preparatória de Columbine, Colorado, em 1999, no Tecnológico da Virgínia em 2007, e em Aurora, Colorado, no ano passado. Mas nada aconteceu então e nada aconteceu agora.

Há vidas que talvez não possam ser salvas, como a de Martin em Boston. Há outras que sim, poderiam ter sido salvas, como a das 20 crianças da escola em Newtown. O Senado tinha em suas mãos a possibilidade de mudar as coisas e pôr a salvo a vida de milhares de crianças. Mas não o fez, e isso tem graves consequências.

É triste dizer isso assim, mas muito em breve outra chacina vai ocorrer nos EUA. O mais grave de tudo é que se tratará de um massacre que o Senado poderia ter evitado.
Estou há 30 anos vivendo nos EUA, e sem dúvida é um país de liberdades extraordinárias. Mas uma das coisas que nunca consegui entender é como os americanos estão pouco dispostos a controlar as armas que os estão matando.

O raciocínio é incompreensível: sim, essas armas estão nos matando, mas não vamos fazer nada a respeito. Ponto. Por isso, aqui, ninguém está seguro. Os atos terroristas de Boston ficarão gravados em nós para sempre. Mas são as armas que o Senado não quis tirar das ruas que acabarão matando muito mais gente.

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