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Chacinas no México não podem mais ser escondidas

23/10/2014 00h01

"Não creio que as imagens possam mentir. Vi noticiários, fotografias."

- Octavio Paz, em "La Noche de Tlatelolco", de Elena Poniatowska

Os mortos no México não podem mais ser escondidos. Os massacres de Tlatlaya e Iguala demonstram o pior do país: o exército matando civis e a polícia assassinando estudantes. É o "México bárbaro".

E o governo do presidente Enrique Peña Nieto quase mudo, paralisado e encolhido, como se a culpa não fosse sua.

Depois do desaparecimento de 43 estudantes em Iguala, Peña Nieto convocou uma incomum entrevista coletiva na qual não permitiu que nenhum repórter lhe fizesse uma pergunta. Na verdade, não deu uma única entrevista coletiva --aberta, sem perguntas ou temas predefinidos - desde que chegou ao poder. Erro e medo.

O silêncio é a política oficial. O governo tem como absurda estratégia de comunicação não falar em público sobre os crimes nem sobre o narcotráfico. Por isso, esta é uma crise criada pela presidência. Passaram quase dois anos escondendo números e dizendo que não acontecia nada. E depois explodem esses dois massacres e aparecem valas com cadáveres por todo lado. Esconder a cabeça, como o avestruz, não apaga a realidade.

E a realidade é que, em termos de segurança, as coisas estão pior com Peña Nieto do que com seu antecessor, Felipe Calderón. Há mortos e crimes por toda parte.

Dois dados concretos:  em 2013, o primeiro ano de Peña Nieto na presidência, houve mais residências que sofreram crimes (33,9%) do que nos últimos dois anos de Calderón (32,4% em 2013 e 30,4% em 2011). A última pesquisa do Instituto Nacional de Estatística e Geografia é aterradora: em 10,7 milhões de residências houve pelo menos uma vítima de crime. Além disso, em 2013 foram registrados 131.946 sequestros, 25% a mais que em 2012. Isso não é salvar o México.

Peña Nieto quis se vender, dentro e fora do país, como um presidente reformista. Mas a capa da revista "Time" com o título "Saving Mexico", ou "Salvando o México", foi tão prematura e gratuita quanto dar o prêmio Nobel ao presidente Barack Obama antes dos bombardeios à Síria. Enquanto continuarem matando e sequestrando mexicanos, não importa quantas reformas Peña Nieto proponha.

O presidente tem um problema de legitimidade diante de milhões de mexicanos, e portanto é obrigado a demonstrar que o cargo não é demais para ele, que não é fraco e que não está perdido. Muitos mexicanos continuam acreditando que ganhou a presidência com fraudes, e que não merece estar no palácio de Los Pinos. A única maneira de contrabalançar essa falta de legitimidade original é com resultados e governando bem. É óbvio que ainda não o conseguiu.

Como vai atrair companhias estrangeiras para investir em petróleo e telecomunicações, quando seu exército e sua polícia, em vez de cuidarem de seus cidadãos, os matam? O dinheiro procura segurança, e não chacinas.

O massacre de Tlatelolco em 1968 e sua total impunidade - ninguém jamais foi preso ou condenado por essa matança - foi possível pela cumplicidade de muitos "jornalistas" que nunca se atreveram a ser jornalistas. Mas, graças a Elena Poniatowska e seu livro "La Noche de Tlatelolco", sabemos o que aconteceu. Hoje há muitas Elenitas no Twitter, no Facebook e no Instagram --junto com corajosos repórteres na mídia mais tradicional-- que não deixarão que os responsáveis pelas chacinas de Tlatlaya e Iguala vivam tranquilos.

O silêncio funcionou em 1968; não funciona mais em 2014.

O México cheira a podre, cheira ao velho PRI. Estudantes de todo o país, com marchas e protestos, já não engolem a história oficial de que buscaremos e puniremos. As linhas estão marcadas: o governo, seu exército e a polícia não estão com os estudantes, com as vítimas da violência, nem com suas famílias. O México se quebrou em Iguala.

É preciso dizer assim: Peña Nieto não pôde com a insegurança. Diante dos massacres, seu governo se viu incompetente e negligente. Seu silêncio --mais que estratégia de comunicação-- é o sinal mais claro de impotência e de que não sabe o que fazer. Qual é o plano para que essas chacinas não voltem a ocorrer? Não ouço nada.

O silêncio é, muitas vezes, o pior crime.