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Banderas e sotaques

9.nov.2015 - Antonio Banderas no festival AFI, organizado pelo Instituto de Cinema dos EUA, para a exibição de seu filme "Os 33" - Mario Anzuoni/Reuters
9.nov.2015 - Antonio Banderas no festival AFI, organizado pelo Instituto de Cinema dos EUA, para a exibição de seu filme "Os 33" Imagem: Mario Anzuoni/Reuters

19/11/2015 00h01

Quando o ator espanhol Antonio Banderas fez seu primeiro filme nos Estados Unidos, em 1992, quase não falava inglês. De fato, aprendeu foneticamente seus textos em inglês e assim protagonizou o filme "Os Reis do Mambo". Isso é ter talento e audácia.

O sucesso de Banderas em Hollywood cresceu junto com a onda latina. Em 1992, havia só 24 milhões de hispânicos nos EUA. Hoje somos mais de 55 milhões, e muitas coisas mudaram.

"A realidade deste país é que pode haver um astronauta que tenha sotaque hispânico, e isso é visto com naturalidade", disse-me Banderas em uma entrevista. "Foi uma mudança importante que em Hollywood tenhamos rompido o estereótipo, embora seja preciso continuar lutando e trabalhando. E isso mudou muito. Mudou, felizmente, já há muito poder hispânico atrás da câmera, na frente da câmera, no mundo dos técnicos de cinema, que é muito importante."

Esse poder latino no cinema, na música, na economia, na política, é o que ofendeu idiotamente o candidato presidencial Donald Trump. Apesar de seus insultos contra os imigrantes mexicanos, Trump não poderá chegar à Casa Branca sem o voto latino. E um dos primeiros a criticá-lo foi Banderas.

"Eu ia lhe dizer que me doeu", comentou Banderas. "Mas, na realidade, não, porque as mentiras não doem. Não deveríamos reagir de forma demasiado irritada aos comentários desse senhor. Com amabilidade e educação, devemos simplesmente lembrar a ele o significado profundo e complexo que tem a comunidade hispânica neste país. E o trabalho que se fez para acrescentar cor aos EUA."

Dezenas de filmes depois, Banderas fala inglês perfeitamente e usa sua voz sem medo. Mas ainda não perdeu seu sotaque de Málaga. Cruzei com ele durante a promoção de seu último filme, "Os 33", sobre os mineiros que fiaram presos durante 69 dias em uma mina no Chile em 2010.

Creio que foi a entrevista menos exclusiva que realizei: Banderas tinha dado 165 entrevistas em quatro dias. Mas seu entusiasmo pelo projeto era palpável. Tanto que escreveu um poema a respeito: "Abre a boca, terra, engole e vomita, já vêm os guerreiros da picareta e da pá...".

Por que fazer em inglês um filme cujos protagonistas (todos) falam espanhol? Bem, é assim que Hollywood trabalha. Um filme em inglês pode ter sucesso mundial --e dessa maneira os estúdios recuperam seu investimento--, enquanto, em espanhol, seria muito mais difícil.

"A sensação que temos é de que vamos alcançar, talvez, um público maior", explicou-me. "Os 33" acaba de estrear nos EUA, mas foi um sucesso extraordinário de bilheteria no Chile e em outros países latino-americanos, onde saiu legendado.

Banderas protagoniza o líder dos mineiros presos, Mario Sepúlveda. "Mario Sepúlveda é um homem que perdeu sua mãe assim que nasceu, que lutou durante toda a sua vida", contou Banderas. "E a vida depois lhe deu a oportunidade de pôr a serviço de seus companheiros essa capacidade de sobrevivência... é um homem muito carismático, meio louco como eu."

Aos 55 anos, Banderas diz estar no "segundo tempo da partida da minha vida" e não quer desperdiçá-lo. Quer protagonizar o pintor malaguenho Pablo Picasso, e o diretor Carlos Saura está comprometido em levar adiante o projeto em espanhol. Mas, novamente, para que saia o financiamento do filme talvez tenham que fazê-lo em inglês. Saura e Banderas estão no meio da guerra dos idiomas e do dinheiro.

E há outra coisa. Banderas quer voltar a dirigir. Por quê? Quer que sua voz e suas opiniões sejam escutadas. "Como ator, você interpreta um pouco o pensamento dos outros", explicou. "Mas como diretor você é muito mais dono do que está dizendo, e é algo que me atrai. Estou escrevendo muito nesta época. Estou tentando me pôr atrás da câmera o quanto antes para contar às pessoas como vejo o tempo que me coube viver."

O tempo que coube a Banderas viver esteve cheio de batalhas e de mudanças. Muitos lhe agradecemos pelo fato de ter sido dos pioneiros na onda latina, dos que acreditaram que era possível fazer sucesso nos EUA com um sotaque latino e dos que se recusaram a pôr de lado sua origem e identidade.

E agora apenas começa o segundo tempo.