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Estado Islâmico conseguiu o impensável: levar a guerra até Paris

Jorge Ramos

Em Paris

26/11/2015 00h01

Ninguém espera morrer em Paris --uma das cidades mais belas e civilizadas do mundo-- por causa de uma bomba, um tiro ou um ataque terrorista. Isso geralmente acontece em outros lugares. Não aqui. Por isso estes últimos dias foram tão estranhos.

Cheguei horas depois que terroristas do grupo EI (Estado Islâmico) causaram a morte de mais de 120 pessoas em restaurantes, bares, um teatro e um estádio de futebol. Parte de ser jornalista é chegar depressa aos locais de onde as pessoas saem fugindo. Eu nunca tinha visto Paris tão vazia, tão triste e tão assustada. Até a Torre Eiffel estava fechada e sem luzes.

Em Londres, um dia depois dos ataques terroristas ao metrô e ônibus no verão de 2005, os britânicos saíram para retomar suas ruas. Eu os vi. Não, não iam deixar que os terroristas da Al Qaeda roubassem suas liberdades e seu estilo de vida.

Mas muitos parisienses ficaram em casa dias depois dos ataques terroristas, como havia solicitado seu presidente, François Hollande. O medo era palpável. Ninguém acreditava que só sete, oito ou nove militantes do EI pudessem ter causado semelhante massacre. Outro ataque poderia ocorrer em qualquer momento.

O EI conseguiu o impensável: levar a guerra até Paris. A lógica dos terroristas é muito primitiva e direta: a França bombardeou civis na Síria e agora eles, em represália, foram matar civis na França. E Washington será a próxima, ameaçaram.

Leticia, Cristal, Ani e Vincent chegaram com medo à entrevista que tinham comigo em frente ao teatro Bataclan, onde haviam morrido 89 pessoas. No metrô, vigiavam-se as pessoas que carregavam mochilas. Temiam outro atentado.

Os quatro --que não têm mais de 23 anos-- são sobreviventes dos atentados de Paris. Estavam na partida de futebol que a França ganhou por 2 a 0 da Alemanha, quando ouviram explosões. Mais tarde souberam que, nos arredores do estádio, três terroristas suicidas detonaram as bombas caseiras que levavam escondidas embaixo da roupa. Essas bombas eram para eles, e não entendem por que outros jovens os queriam matar. Eu não quis lhes dizer, mas creio que a guerra está apenas começando e vai durar muitos anos.

Esses momentos em Paris me lembraram muito as horas seguintes aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2011, em Nova York. O medo cru, a incerteza, a impotência. Não, não queríamos perder nossas liberdades e direitos, mas antes era preciso salvar a vida.

Entretanto, os costumes dos homens e das mulheres livres da França se impõem, e pouco a pouco retomam os espaços públicos. Os cafés nos Champs Elysées, no Marais e em Saint Germain des Prés voltaram a se encher. Há fila de novo para comer bife com molho de pimenta e fritas no restaurante Entrecôte. Cada xícara de café, cada taça de vinho Bordeaux e cada passo dado na rua é uma minúscula mas significativa vitória contra os intolerantes.

Mas a guerra continua. A televisão está cheia de sabe-tudo que, equivocadamente, comparam refugiados com terroristas e muçulmanos com violentos. Mudo de canal, vejo a magnífica cobertura da CNN, e sei que ao chegar em casa nos EUA me esperam os mesmos gritos com os quais, injustamente, comparam imigrantes com criminosos e terroristas. Sei também que a próxima eleição nos EUA é de incrível importância: esse ou essa presidente poderia nos levar a uma guerra --mais uma-- na Síria.

Antes de deixar Paris, passo pela Torre Eiffel, que agora está pintada de azul, branco e vermelho, e me detenho de novo diante do teatro Bataclan. Ao lado estão as oferendas aos mortos: flores, velas, cartas com coisas que nunca foram ditas em vida. "Esta é a geração Bataclan", ouço um repórter espanhol dizer com razão. Sim, esta nova geração terá de resolver um problema --o do extremismo suicida-- que hoje parece intratável. Hoje os políticos no poder, tanto na Europa como nos EUA, não sabem o que fazer.

Enquanto isso, a chuva gélida do novembro parisiense --como o próprio medo-- escorre incomodamente por meu paletó, do pescoço até as costas, e não sei se sinto mais frio por dentro ou por fora.