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E se Trump me deportar?

Donald Trump discute com Jorge Ramos, em agosto de 2015 - Ben Brewer/Reuters
Donald Trump discute com Jorge Ramos, em agosto de 2015 Imagem: Ben Brewer/Reuters

Jorge Ramos

24/11/2016 06h00

E se Trump me deportar? Essa é a pergunta que se fazem muitos dos 11 milhões de imigrantes sem documentos que vivem nos EUA. E eles têm razão. Baseiam-se exclusivamente no que Donald Trump disse na campanha presidencial. Nada mais. Por isso há tanto temor na comunidade hispânica nos EUA.

É ridículo tentar normalizar Donald Trump. Eu acredito nele, sim: Trump realmente pensa que os imigrantes mexicanos são criminosos e violadores, como disse em 16 de junho de 2015. Está enganado, mas é isso o que ele pensa.

Na tentativa de normalizar um candidato extremista como Trump, seus seguidores nos pedem que não tomemos ao pé da letra o que ele disse. Mas como não levar a sério as palavras do próximo presidente dos EUA?

Alguns "trumpistas", com sede de vingança, acusam os jornalistas de semear o medo na comunidade latina, ao falar em deportações em massa. Mas gostaria de corrigi-los aqui: quem criou medo foi o próprio Trump. Nós só relatamos o que ele disse, e o que disse foi que quer deportar milhões de pessoas.

Em sua última entrevista ao programa "60 Minutes", Trump disse que inicialmente buscaria a deportação de até 3 milhões de sem documentos que, segundo ele, têm um registro criminal. Não sei de onde tirou esses números, mas estão enganados. Só 690 mil sem documentos cometeram algum tipo de delito sério, segundo o Instituto de Políticas de Migração, e não 3 milhões.

Esses 690 mil imigrantes com histórico criminal são apenas 6,3% do total da população sem documentos. Isso quer dizer que 93,7% dos sem documentos --a vasta maioria-- é gente boa e trabalhadora.

Mas o problema será quando começarem as batidas em busca dos imigrantes com antecedentes penais. Eles, é claro, não vivem sozinhos. Essas operações separariam famílias e criariam terror. Anthony Romero, o diretor da União Americana de Liberdades Civis, já advertiu em uma entrevista à MSNBC: há o risco de violações dos direitos humanos, prisões injustificadas e detenção de pessoas que não estavam procurando.

Ninguém estava preparado para isso, nem sequer o governo do México. Sua secretária de Relações Exteriores, Claudia Ruiz Massieu, ofereceu um plano de 11 pontos para proteger os 5,7 milhões de mexicanos sem documentos nos EUA. As medidas incluem dar maior proteção nos 50 consulados e um número de telefone de ajuda. Isso é muito bom, mas seu pedido de "calma" chega tarde.

Não há nenhuma calma entre milhões de mexicanos --e centro-americanos-- que vivem nos EUA. Esse assunto não pode ser resolvido em nível individual; é uma questão de governos. Mas está muito claro que Enrique Peña Nieto já é um presidente irrelevante e não tem nenhuma capacidade de negociação diante de Trump, que o humilhou em agosto em uma entrevista coletiva na Cidade do México.

De fato, a disputa pela Presidência do México em 2018 será definida, em boa medida, por quem puder se opor com eficácia a Trump, seu muro e suas batidas. Peña Nieto já está de saída e é um dos presidentes mais fracos que o México já teve.

Por isso, os prefeitos das principais cidades dos EUA --Los Angeles, Nova York, Chicago, San Francisco, Denver-- são os que assumiram a defesa dos sem documentos diante de Trump e manterão suas cidades como "santuários". Nessas cidades a polícia migratória não será bem-vinda, não darão informação pessoal de seus moradores e os corpos de polícia não cooperarão com as detenções.

O que nos espera a partir de 20 de janeiro é uma duríssima luta pelos direitos dos imigrantes nos EUA. O fato de Trump ser o próximo presidente não significa que tenha razão em tudo. Ele insistirá em seus planos de deportações em massa, as maiores já planejadas aqui, mas uma boa parte do país ainda resiste às ideias racistas e anti-imigrantes do ganhador da Casa Branca. Por algum motivo ele perdeu o voto popular.

Virão quatro anos muito difíceis. Sim, eu acredito em Trump. O medo entre os imigrantes é real. Mas a resistência também.