Um fiasco transatlântico
O anúncio do governo francês nesta terça-feira (30), pedindo a suspensão das negociações do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP), derruba o mais ambicioso projeto das potências ocidentais das últimas décadas.
Evocado desde a queda do Muro de Berlim e do fim da Cortina de Ferro, discutido nos anos 1990, o TTIP tomou corpo a partir de 2013, por iniciativa de Barack Obama com o apoio da UE. No começo do século 21, e mais nitidamente em 2013, o TTIP foi pensado como o código de regras comerciais globais das democracias do Ocidente confrontadas ao poderio econômico da China.
Na altura, o presidente americano imaginava que o Tratado pudesse ser concluído antes do final do seu segundo mandato. Supondo que algum dia ele seja concluído, o tratado almeja unir os países da UE aos EUA, num agregado econômico contendo 45% do PIB mundial e 800 milhões de habitantes que formaria a maior zona de livre-comércio do mundo. Nas perspectivas mais otimistas, o TTIP agregaria US$ 134 bilhões ao PIB da UE e US$ 95 bilhões à economia americana, criando milhares de empregos. Agora, depois de ter tido sua conclusão adiada várias vezes, o TTIP tem um destino incerto.
Na realidade, não havia consenso sobre o TTIP entre os países europeus. O descompasso entre a potência econômica americana e a UE sempre foi evidente. Ponto essencial, do TTIP, a unificação transatlântica das normas de controle de consumo e segurança da fabricação de carros, de alimentos e de produtos farmacêuticos, suscitou polêmicas em ambas as margens do Atlântico Norte. Sindicatos, movimentos ecologistas e ONGs de vários países organizaram manifestações contra o tratado, tanto na Europa como na América do Norte.
Ao lado dos temas controversos, o sigilo das tratativas entre os diplomatas europeus e americanos, suspeitos de conchavar com os grandes lobbies em detrimento dos consumidores, também tem sido bastante criticado. Em 2013, a revelação por Edward Snowden que os Estados Unidos mantinham um sistema de espionagem maciça dos cidadãos europeus, levou parlamentares da UE a exigir a suspensão dos acordos do TTIP.
Em maio deste ano, no contexto da visita que Obama fez à Alemanha com a finalidade de acelerar a conclusão do tratado, a seção holandesa do Greenpeace vazou 250 páginas de documentos secretos dos negociadores. Na sequência, um dirigente da Greenpeace declarou que os documentos provavam a preeminência dos interesses dos grandes grupos econômicos no TTIP: “Não é um tratado projetado para ajudar o pequeno comércio, as pessoas e o bem público”.
Nos Estados Unidos, a oposição de Donald Trump e de Bernie Sanders aos tratados americanos de abertura comercial, propagada nas primárias presidenciais, levou Hillary Clinton a tomar distância do TTIP. Na Europa, o governo do Berlim, mais favorável que o de Paris ao andamento do TTIP, viu setores crescentes da opinião pública alemã se oporem ao tratado. Não por acaso, o próprio ministro da Economia e vice-chefe do governo alemão, Sigmar Gabriel, foi o primeiro a declarar no último dia 28 que a negociação com do TTIP havia fracassado. Obviamente, Sigmar Gabriel, que é também líder do partido social-democrata (SPD), está de olho na campanha das legislativas federais alemãs que ocorrerão em agosto de 2017.
O presidente Hollande, que enfrentará uma difícil campanha presidencial em maio de 2017, não podia ficar para trás. No mês de junho, o presidente francês já havia declarado: “As negociações [do TTIP] travaram, ..., o desequilíbrio [entre os americanos e os europeus] é evidente...” Na semana passada ele foi mais adiante e autorizou seu ministro do Comércio Exterior, Matthias Fekl, que tem a dupla nacionalidade francesa e alemã, a anunciar oficialmente o fim do TTIP. Fragilizados pela crise da zona euro e pelo Brexit, os europeus não tem mais condições de negociar com os EUA.
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