A "brasilianização" da política americana
Há aspectos da campanha presidencial americana que prenunciam uma crise política meio parecida com a brasileira. Acirramento do embate entre governo e a oposição, conflitos entre a Presidência e o Congresso, acusações de tráfico de influência, processos e investigações judiciais podem também encher as páginas dos jornais americanos nos próximos meses.
Obviamente, o quadro institucional e a tradição democrática dos Estados Unidos têm fundamentos muito mais antigos e mais sólidos que os do Brasil. Mas a candidatura OVNI de Trump introduziu dados novos no jogo político. Tome-se, por exemplo, sua declaração, via Twitter, de que há "uma ampla fraude eleitoral" em curso para favorecer Hillary Clinton. Em agosto, ele chegou a sugerir que seus partidários portadores de armas ("Second Amendment people") poderiam partir para a ignorância em caso de vitória de sua rival do partido democrata.
Como indicam alguns analistas americanos, esse tipo de atitude vai contra a tradição política do país e descredibiliza o processo eleitoral. A esta altura, Hillary Clinton parece consolidar sua vantagem nas sondagens. Sobretudo nas que foram divulgadas pela NBC News, mais consistentes porque baseadas na opinião de um número elevado (32.225) "prováveis eleitores", isto é, gente decidida a ir votar num país onde o voto não é obrigatório.
Resta que as diversas denegações de Trump não serão o único problema a ser enfrentado por Clinton depois de sua provável eleição em novembro. Majoritários da Câmara, os republicanos têm boas chances de conservar seu domínio, mesmo no caso da derrota anunciada de Trump. No Senado, é provável que eles sejam minoritários a partir de novembro. Mas têm boas chances de serem de novo majoritários nas eleições de 2018.
De todo modo, a situação de Hillary na Câmara será complicada. Presidente da poderosa Comissão de Vigilância (Oversight Committee), da Câmara, o representante republicano, Jason Chaffetz, deu o recado à candidata democrata e a seus partidários no Congresso: "Mesmo antes do primeiro dia de seu mandato, nós já temos dois anos de material preparado (para ser investigado). Ela tem quatro anos de história nada boa no Departamento de Estado".
Ou seja, Hillary Clinton, que somente um terço dos eleitores considera "honesta e confiável", irá encarar um clima hostil e investigativo na Câmara e certamente numa parte do Senado, logo que iniciar seu mandato.
Na realidade, as investigações parlamentares pilotadas pelos republicanos se estenderão também à Clinton Foundation, generosamente provida por doadores americanos e internacionais próximos do ex-presidente Bill Clinton.
Recentes vazamentos de WikiLeaks revelaram que ex-auxiliares de Bill Clinton pressionaram empresas doadoras da Clinton Foundation para darem dinheiro a intermediários que pagaram o ex-presidente como conselheiro ou conferencista. Os vazamentos também mostraram que conselheiros de Hillary Clinton estão há anos preocupados com o impacto das transações da Clinton Foundation na carreira da candidata democrata.
No último mês de agosto, Bill Clinton anunciou que a sua fundação não aceitará mais doações de empresas e de estrangeiros e que ele renunciará à diretoria da instituição caso sua mulher seja eleita à Casa Branca. Dada a dimensão dos conflitos de interesses revelados por WikiLeaks, a iniciativa, ainda condicional, pareceu como uma medida tardia e de efeito limitado.
Na semana passada, o "Boston Globe", que havia anunciado seu apoio a Hillary Clinton poucos dias antes, publicou outro editorial bem diferente sobre a campanha da candidata democrata. Intitulado "A Clinton Foundation devia parar de aceitar doações", o editorial do prestigioso jornal de Massachusetts, logo citado pela campanha de Donald Trump, deu um recado ainda mais duro ao casal Clinton e aos dirigentes democratas: "Se Clinton for eleita, a (Clinton) Foundation deve ser fechada".
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